Os golpes militares na América Latina encontraram seu auge na Guerra Fria, em especial no governo Nixon, quando ele e seu Secretário de Estado, Henry "Arauto da Realpolitik" Kissinger, não apenas patrocinaram uma série de golpes como financiaram as ditaduras decorrentes. Para além da colaboração americana, o Golpe Militar era visto sempre como uma possibilidade concreta e aceitável pelas elites latino-americanas histéricas com as transformações sociais do século 20º.
Os golpes apresentavam como padrão uma conjugação de elementos: Quase sempre havia um governo de frente popular promovendo reformas mais ou menos radicais que irritavam tanto as elites locais quanto Washington e, em decorrência disso, as Forças Armadas desses países eram manipuladas e mobilizadas para, sob a prerrogativa de um inflado perigo vermelho, botarem as tênues e atrofiadas instituições liberais abaixo com a violência que fosse necessária; as ditaduras resultantes eram amigas de Washington e buscavam mudar tudo para que nada mudasse.
Com o fim da Guerra Fria e o aparente Fim da História, o Golpe Militar deixa de ser visto como instrumento funcional na medida em que era muito mais fácil simplesmente eleger políticos confiáveis e alinhados ao Consenso de Washington. Veio o século 21º, a decadência americana, as inúmeras mudanças no continente e o controle estadunidense desaba na região, o que, somado a força dos movimentos sociais faz com que governos de esquerda cheguem ao poder por via eleitoral e as elites tenham de ceder os anéis para não perderem os dedos.
Há um resfriamento na prática golpista. Ainda assim, houve a quartelada que tentou derrubar Chávez na Venezuela com apoio da Administração Bush. Deu errado. O governo golpista ficou isolado no continente. Também houve a recente tentativa de golpear o presidente Evo Morales que esbarrou numa resposta diplomática mais sofisticada dos países da região - via recém-criada UNASUR. No domingo, como os senhores devem saber, houve um Golpe Militar em Honduras.
O caso do presidente Zelaya, o bom liberal, é emblemático em vários sentido, citaria quatro em especial:
1. Ele foi um golpe militar ao pior estilo anos 60 ou 70, com direito até a sequestro do presidente por militares na residência oficial;
2. Ele vem numa esteira de um movimento de relativização da ditadura no Brasil, maior país do continente;
3. Ele se dá num contexto onde os EUA, sob o comando de Obama, tenta redefinir o jeito americano de fazer política externa, um tanto por idealismo outro tanto pelas vicissitudes materiais do país no momento;
4. Ele se dá num quadro onde os países da América do Sul e da América Latina nunca estiveram tão organizados politicamente como prova tanto a UNASUR quanto as próprias transformações na OEA.
Isso implica em várias coisas ao mesmo tempo. Uma delas foi a reação diplomática rápida, coordenada e firme dos países latino-americanos contra o golpe. O segundo é o posicionamento firme dos EUA em favor da democracia burguesa no continente, algo raro na História. Os golpistas, portanto, se encontram sitiados.
Por outro lado, no Brasil, alguns notórios nomes da direita fascista prosseguem na sua esquizofrênica e conveniente alternância entre a defesa do liberalismo e o golpismo puro e simples: Apoiam o golpe e alguns, mais sofisticados, aparecem com factóides mil para esconder o óbvio e evidente ato criminoso perpetrado.
As próximas horas serão decisivas.
atualização de 30/16 às 00:02: Corrigi o título.
atualização de 30/06 às 12:06: Até agora, mesmo sobre intensa pressão internacional, os golpistas permanecem no poder. Segundo informações da Telesur, o Presidente Zelaya retornará a Honduras na quinta com apoio da OEA.
Chávez já declarou que irá fazer de tudo para derrubar o golpe, de maneira enérgica declarou que "Este golpe lo vamos a quebrar desde dentro y desde fuera":
ResponderExcluir"A los golpistas de Honduras les decimos: estamos de pie, esto no es mera hueca palabrería, ese golpe va a ser derrotado y va a ser derrotado por el pueblo de Honduras, y nos sentimos comprometidos con el pueblo y su voluntad"
"Estamos en batalla, ya anunciaremos medidas""
Resta saber se é apenas retórica ou se a América Latina vai realmente conseguir trabalhar para pôr fim à um golpe antidmeocrático.
É o momento de não só a ALBA mas também a UNASUL - e seu Conselho de Defesa - mostrarem que realmente são instituições fortes, integradas e que tem força para atuar. Não basta a retórica, as ameaças e os repúdios, é preciso ação firme para pôr fim ao golpe em Honduras e pôr as instituições multilaterais para trabalhar e tentar resolver o caso.
Tudo bem que a UNASUL tenha como foco a América do Sul, mas ainda assim, não pode ficar calada e inerte frente à esta agressão.
Rapahel,
ResponderExcluirBem, por enquanto a reação está sendo bem dura, se até mesmo os EUA estão condenando o golpe a coisa fica complicada para os golpistas. Como o próprio Presidente Lula colocou, a situação é inadmissível e sua tolerância representa um risco para a estabilidade política do continente. Nesse exato momento, um desfecho positivo é provável. Esperemos e torçamos.
O mais tragicômico é a reação da mídia brasileira, com seu apoio mal disfarçado ao golpe e sugestão de que os protestos -populares ou não - são manipulados por Chavez. Isso logo após essa mesma mídia ter apoiado de forma tão entusiasmada os protestos no Irã (não estou dizendo que estes sejam equivocados ou que a situação seja idêntica, mas há uma analogia possível aí - e, portanto, uma contradição).
ResponderExcluirPuxa vida.
ResponderExcluirEu já estava bem desconfiado da situação em Honduras antes do golpe.
Mas tenho esperança na integração latino-americana, que neste momento histórico é apenas um esboço do que pode vir a ser desenvolvido no continente: este golpe já nasceu derrotado.
Golpistas não passarão!
Um abraço
Maurício,
ResponderExcluirSim, perfeito. Eles usam dessa mesmo seletividade em relação à lei, à atuação da polícia (pau no favelado e direitos humanos para o meu filho) e, claro, em relação à política - é o que defini por esquizofrênica e conveniente alternância entre a defesa do liberalismo e o golpismo puro e simples no post.
Golpe só é golpe se o golpeado é alinhado ideologicamente com os meus. O problema é que nessa encrenca hondurenha se trata de um negócio bem latino-americano, então as elites locais, mesmo indo contra os EUA, reagem de maneira cínica em relação ao golpe.
Essa posição, no entanto, além de ser condenável eticamente, é também insustentável politicamente sem o apoio de europeus e americanos.
Luis Henrique,
ResponderExcluirPois é, velho, eu também estava desconfiado com a intensidade dos bons e repentinos ventos na América Central.
Tudo indica que os golpistas vão se dar mal e é fundamental que isso aconteça para que a nova ordem do continente americano se afirme.
Um improvável recuo aqui teria um peso muito grande.
¡No pasarán!
um abraço.
Maurício, apoio mal disfarçado é pouco!
ResponderExcluirO Reinaldo Azevedo desmascarou o PIG de vez!
"Democracia não é atalho para ditadura
segunda-feira, 29 de junho de 2009 | 15:31
Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua… Qual é o problema central desses países? A democracia se tornou apenas um atalho para a ditadura. Honduras estava nesse caminho. Recorre-se a processos constituintes para matar a democracia representativa, instituindo, em seu lugar, formas pilantras de “democracia direta”, que nada mais são do que uma pantomima plebiscitária, manipulada por grupo de pressão. O modelo é tão “popular e democrático”, que acaba erigindo “guias geniais”, “condutores do povo”. Vale dizer: a democracia direta dos bolivarianos precisa de ditadores que se eternizem no poder.
Ignorar o método dessa gente é coisa típica de vigaristas. Golpista, em Honduras, era Zelaya. Até agora, o que aconteceu lá obedece ao mais estrito rigor constitucional, pouco importa se houve renúncia, como parece ter havido, ou deposição. Se o novo governo, caso sobreviva, e os militares não obedecerem ao calendário eleitoral e criarem dificuldades para a oposição democrática, aí, então, a coisa muda de figura."
O problema dos "golpistas se darem mal" é, o que será feito?
Se eles não decidirem, por bem, sair, humilhados, ao menos 123 parlamentares se exilando - porque não ficarão livres no país, nem uma parcela do exército e outra do judiciário - então esperamos uma intervenção armada?
Quem fará? EUA podem ter repudiado mas dificilmente entrariam nessa, Chavez?
Lula?
Bem, era sobre isso que eu me referia quando eu usei o termo direita fascista.
ResponderExcluirHugo,
ResponderExcluirAo que tudo indica, caso insista no golpe, o governo interino de Honduras ficará isolado, já que nenhum país do continente reconheceu a legitimidade do novo governo. Por outro lado, mantendo o calendário eleitoral, seja devolvendo ou não o cargo ao presidente Zalaya, a derrota dos golpistas nas próximas eleições poderá ser retumbante, a julgar pelas manifestações públicas contra o golpe.
A elite Hondurenha pode ter aberto,sem querer, as portas para futuros governos reformistas, talvez até mais radicais e engajados que Zalaya.
Exato,Eduardo. É o tipo da coisa que se der certo abre um precedente enorme, mas se der errado - o que é muito, muito provável que aconteça -, vai ser um desastre tanto para os golpistas hondurenhos quanto para a direita revisionista brasileira e suas ditabrandas.
ResponderExcluirgrande hugo,vc sempre antenado, na minha opinião, o brasil sedo o "pa
ResponderExcluirís continente" deveria impor sua força e lutar pela democracia, ms com certeza ñ é isso q vai acontecer, teremos mais um ditador na america latina....
Underground Tuning,
ResponderExcluirEu não sei se teremos mais um ditador no continente, esperemos que não. Creio até que a reação diplomática brasileira foi bastante dura, mas ele precisará ser enrijecida dependendo do que aconteça.
abraços
O Eduardo fez um comentário interessant,e digno de nota. Ainda que a ALBA, UNASUL e outras sopas de letrinhas internacionais fiquem só na retórica, as próximas eleições podem indicar realmente um movimento de reforma, nas urnas, isto é, se a elite permitir.
ResponderExcluirSem dúvida Raphael, mas se os gorilas não forem varridos, Honduras ficará numa situação não muito diferente do Brasil em 64: Sob um regime de exceção que jura realizar as eleições logo em seguida, mas que só o fará se a conjuntura indicar claramente a presença de candidatos alinhados ideologicamente com o grupo por detrás do golpe - como foi muito bem colocado pelo Patrick no Blog do João Villaverde. Agora, claro, os caras chutaram alto e isso não só pode como deve ser uma faca de dois gumes para os golpistas.
ResponderExcluirOlá Hugo, este trecho do seu post me chamou a atenção:
ResponderExcluir“Com o fim da Guerra Fria e o aparente Fim da História, o Golpe Militar deixa de ser visto como instrumento funcional na medida em que era muito mais fácil simplesmente eleger políticos confiáveis e alinhados ao Consenso de Washington. Veio o século 21º, a decadência americana, as inúmeras mudanças no continente e o controle estadunidense desaba na região, o que, somado a força dos movimentos sociais faz com que governos de esquerda cheguem ao poder por via eleitoral e as elites tenham de ceder os anéis para não perderem os dedos.”
Há quem diga que Chavez, Morales e Rafael Correa fazem parte de uma nova estratégia da esquerda populista para tomar o poder de dentro para fora, alterando mecanismos democráticos (como a limitação à reeleição) e impondo controle estatal sobre os poderes e meios de comunicação (não é o que ocorre hoje na Venezuela?).
O golpe em Honduras é abominável. O presidente deve voltar ao país e retomar a legitimidade de seu mandato. Mas paro por aí. Manuel Zelaya não me parece exemplo de democrata.
O que você pensa?
Grande Barone,
ResponderExcluirEm um primeiro momento, não gosto do adjetivo populista para qualificar governos sejam eles de esquerda ou de direita, creio que o termo é muito vago e acaba escondendo muita coisa complexa.
Apesar da aliança no plano internacional é preciso distinguir que Chávez, Morales e Côrrea chegaram ao poder por meios políticos diferentes apesar disso se dever a causas parecidas.
Morales é um aimará, portanto pertence a uma etnia que não era dominante sequer entre os nativos; ascendeu por meio da fantástica organização dos movimentos indígenas e realiza o melhor governo de toda história daquele país.
Chávez, por sua vez, é um estrategista de alto calibre que surge, no entanto, numa quartelada - contra um corrupto, mas sim, uma quartelada - e chega ao poder com a total falência de seus país em decorrência das políticas do punto fijo. O chavismo, no entanto, se aproxima muito de fenômenos sociais como getulismo e o peronismo pela sua centralização e pela obsessão na construção de projeto estratégico, ainda que falta uma ligação orgânica com os movimentos sociais - o que é exatamente o inverso de Morales.
Por sua vez, Côrrea seria o mais law profile de todos, um economista com ideias progressistas que, até por formação, sempre teve um fixação na reconstrução da economia de seu país, arruinada por toda sorte de políticas nos anos 90.
A política de integração que eles promovem faz todo sentido dadas as limitações de seus países; por outro lado, no plano interno, eles, não à toa, tem uma fixação enorme pela construção da Democracia no sentido material - e até uma preocupação louvável em relação ao meio-ambiente -, mas acabam relegando preocupações formais para um segundo plano, o que pode causar problemas sim no futuro.
Uma das minhas críticas, por exemplo, é: Por que não parlamentarismo? Por que não construir uma estrutura mais descentralizada e horizontal? Chávez, por exemplo, é aquele que dos três tem menos possibilidades e menos propensão a descentralizar, tanto pela conjuntura venezuelana quanto por sua formação militar. Não à toa, Chávez corre mais riscos do que Morales, porque na Bolívia não há propriamente um evismo, mas sim um clamor histórico pelos direitos indígenas.
O ideal mesmo seria buscarmos um equilíbrio entre os dois aspectos da Democracia para poder viabiliza-la, mas no cômputo geral não há como negar que os três trouxeram sim avanços democráticos para seus países - é um processo diferente do que Lula fez aqui, onde ele buscou um equilíbrio entre a dimensão formal e material, mas esqueceu que perseguir um avanço da democracia formal não significa se afastar dos movimentos sociais, o que fez com que seu governo não produzisse tantos avanços quanto poderia ter produzido nos dois aspectos.
Por outro lado, temos Zelaya, um liberal, que, por óbvio, é um estranho nesse ninho. Ele tem alguns posicionamentos interessantes em relação aos direitos civis - contrariedade à pena de morte, por exemplo. Aderiu à ALBA muito mais para ter possibilidades de articular algo no plano externo dadas as dificuldades comuns a países pequenos e pobres como Honduras nas negociações com grandes países e grandes blocos.
No plano hondurenho, Zelaya representa sim uma avanço histórico. E é a melhor opção política dado o flagrante grau de desapreço pela Democracia que seus opositores estão demonstrando.
O mesmo vale para Chávez e Morales principalmente. Quem são seus opositores? Figurões que nos últimos anos deram ou quase deram - respectivamente - golpes nos seus países.
Portanto, toda e qualquer crítica feita em relação a esses países deve ser ponderada aristotelicamente, tendo em vista o avanço que tais governantes representam, o perigo que a oposição tradicional faz questão de externar, mas também os defeitos e incongruências que eles, cada um à sua maneira e dentro de seu contexto, representam e podem representar.
É isso que eu penso.
Populismo é apenas o ato do cara fazer o que o povo quer, passando por cima da oligarquia. A direita a usa pejorativamente porque não consegue o apoio que sonha e porque não governa para o povo. Básico!=)
ResponderExcluirQuanto ao Chavez, Morales, Correa e Lula, o último resolveu seguir o caminho mais fácil. Se aliou com a antiga oligarquia, se aliou com tudo que repudiava e combatia. Virou um deles.
Chávez foi o primeiro, veio de um país com base social fragmentada, teve que unificar tudo e só foi possível com personalismo. É um caso especial.
Morales já surgiu de um movimento mais ou menos integrado e tinha o apoio de Chavez, tinha alguém por trás caso a direita resolvesse intervir.
E o Correa vem da academia e de um partido mais ou menos estruturado e em um país, mal ou bem, mais estável e mais preparado para a onda vermelha.
MAs a direita, em todos é igualmente golpista e se pudesse...
Cruzes, onde eu escrevi "law profile" no comentário anterior por favor leiam "low profile" ;-)
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