Ontem, o presidente venezuelano Hugo Chávez venceu um novo referendo - que, por sua vez, abriu espaço para a reeleição ilimitada para o cargo de presidente da república naquele país. É uma vitória relevante para Chávez, nem tanto pelo seu tamanho (foi de apenas 54% a 46%), mas sim pela sua recuperação após a derrota no mega-referendo de 2007 - que segundo alguns analistas, seria o início do fim do chavismo. Pois é, não foi.
Tudo isso é uma questão extremamente delicada. Durante o século 19º e parte do 20º, vimos verdadeiras cópias do modelo presidencialista estadunidense pelo continente latino-americano. Elas, no entanto, falhavam num ponto essencial: A criação de freios e contra-pesos para o poder, o que se materializava na incapacidade de se criar formas de Estado descentralizadas assim como judiciários e legislativos independentes para contrapesar o poder.
O resultado disso foi a existência de verdadeiros emaranhados caudilhescos que atendiam pelo nome de "Estado", onde a estrutura de freios e contra-pesos só funcionava no momento de prejudicar os interesses populares. Durante a Guerra Fria, dois modelos vingaram pela AL: As ditaduras militares apoiadas pelos EUA e os acordões do tipo Venezuela e México - esse último modelo se assentava no acordo entre os mandatários locais, bloqueando a perenidade do sistema politico e montando uma espécie de democracia, pero no mucho.
Paralelamente a isso, tínhamos as chamadas políticas econômicas nacional-dependentistas - que entram no lugar do nacional-desenvolvimentismo da primeira metade do século - e, anos mais tarde, após a queda dos regimes militares, a penetração quase generalizada dos dogmas do consenso de Washington pelo continente, o que em poucos anos, diante do fracasso econômico generalizado, leva a mudanças profundas no continente, justamente num momento onde os EUA perdem sua influência no continente.
Um desses países arruinados é a Venezuela de Hugo Rafael Chávez Frias, o jovem tenente-coronel que no início dos anos 90 liderou um movimento militar para desabilitar Carlos Andrés Pérez, presidente à época. Depois de alguns anos no cárcere, Chávez viu sua popularidade crescer a ponto de se eleger presidente, poucos anos mais tarde em 99.
O ideal chavista é um sincretismo curioso, é a montagem de um regime nacional-popular dentro da estrutura de um regime liberal que soma desde políticas pan-latino-americanistas (o bolivarianismo) ao socialismo cubano. Do ponto de vista econômico é a volta do nacional-desenvolvimentismo numa nova roupagem. Do ponto de vista político, é a criação de um presidencialismo plebiscitário, como forma de superar as deficiências da representação política - ou seja, a criação de um lastro de democracia direta no lugar do que poderiam ser novas estruturas de representação.
Some isso ao fato da oposição venezuelana ter despirocado - chegando a promover golpes -, ao apoio dos sucessivos governos brasileiros - tanto FHC quanto Lula apoiaram Chávez em momentos negros de seu governo -, à eleição de Lula - da qual seguiu uma avalanche esquerdista no continente - e, especialmente, o aumento internacional dos preços de petróleo e temos Chávez se usando da situação para promover não apenas um grande crescimento econômico quanto um desenvolvimento social pesado, com a Venezuela ultrapassando o Brasil no ranking de IDH da ONU.
No atual contexto, temos uma crise econômica mundial, a consequente queda no preço do petróleo e uma crise que se avizinha na Venezuela. É nesse plano que aconteceu a vitória de Chávez. Uma vitória que reforça não apenas a sua figura pessoal como o seu próprio sistema, plebiscitário por natureza - e, portanto, perfeitamente capaz de se autodestruir rapidamente.
Chávez está há dez anos no poder e poderá ficar quantos anos mais o povo venezuelano lhe autorizar. O x da questão é o seu personalismo e a maneira como ele não está conseguindo construir estruturas político-partidárias que lhe deem sustentação. É necessário construir bases políticas mais sólidas para o futuro, que escapem ao bonarpatismo chavista típico - que pode ter o mesmo fim do getulismo ou do peronismo, que promoveram grandes avanços, mas por não terem contruídos instituições, permitiram que seus países vivessem duros retrocessos em muito pouco tempo.
Emblemático o caso da Venezuela. Quando praticamente todos os presidentes da América do Sul vestiam fardas, aquele país despontava como a única democracia, o único regime civil do continente, que tinha como símbolo os ternos bem cortados de Carlos Andrés Perez, este até membro da III Internacional.
ResponderExcluirRecentemente, o que constatamos? Foram anos em que o cenário descrito por Eduardo Galeano nas "Veias Abertas da América Latina" funcionou apesar da imagem interna. Uma forte concentração de renda e um distanciamento cada vez maior entre o pequeno grupo de beneficiários da renda do país e o resto da população.
Falta de meios para a representatividade política e um alto nível de ressentimento contra aquela oligarquia. Hugo Chavez sabe onde está operando.
Sem dúvida, Anrafel, no entanto, creio que o pacto de puntofijo tenha colaborado para impedir a oxigenação política venezuelana ao barrar o desenvolvimento de maneira institucional de outras forças políticas, isso deu na decadência daquele país.
ResponderExcluirPor exemplo, se algo parecido tivesse acontecido no Brasil, estaríamos ainda relegados ao PMDB e ao PP e quem sabe mais algum outro e nada mais.
As limitações desse sistema ficaram bem claras quando os preços do petróleo desabaram no fim dos anos 80 e a AD e a COPEI não tinham saída para a situação, tampouco o sistema tinha saídas para superar o bipartidarismo. Isso foi um problema.
O segundo governo de Carlos Andrés Perez foi, no fim das contas, o golpe de misericórdia, principalmente no que toca o fato dele ter feito concessões em demasia ao Consenso de Washington.
Foi nesse cenário pós-apocalíptico que Chávez chegou ao poder e sim, perfeito, ele, mais do que qualquer um no mundo, sabe bem onde está operando.
abraços
No meu comentário, onde está "apesar da imagem interna", leia-se o inverso, "apesar da imagem externa".
ResponderExcluirDepois de mais de uma década de reaganismo e thatcherismo, os donos do mundo resolveram impor através do Consenso esse liberalismo a países emergentes (ou nem tanto) da América do Sul. A submissão de praxe, inclusive de ex-esquerdistas, facilitou o processo, que logo logo deu com os burros n'água, escancarando a incongruência.
ResponderExcluirOs governos que vieram a seguir, notadamente aqui no Brasil, estão tendo que labutar com os reflexos de uma década de quase nenhum crescimento econômico (80) e o posterior desmonte do patrimônio do Estado via política de privatização que não aproveitou os recursos gerados para investir na infra-estrutura ou reduzir o endividamento interno.
Aí as opções são poucas, principalmente quando não se rompeu (não há como, infelizmente) com os grupos que sempre sanguessugaram os recursos públicos, esteja quem estiver no governo.