Em meio à repercussão de toda a celeuma da ditabranda, um fenômeno interessante que já ocorreu recentemente no Brasil tornou a dar as caras: O desfoque sistemático de um grande debate público. Quem acompanhou o caso DD sabe muito bem sobre o que eu me refiro. Naquela ocasião, diante da aberração jurídica cometida pelo presidente do STF, surgiu uma curiosa questão: O Estado policialesco. Se num instante, o debate pesava sobre o Presidente da nossa suprema corte, num segundo momento - e com alguma ajuda de certos setores da mídia - o debate passava a ser sobre a questão dos limites do poder de polícia do Estado e de direitos e garantias individuais, uma questão interessante, mas que no contexto e com a finalidade com a qual foi inserida, tinha finalidades espúrias - em um primeiro momento tirar o peso inicial da opinião pública dos ombros de Gilmar Mendes e num segundo momento desfocar o debate.
Ora, há quem possa exclamar que debater isso estaria em perfeita concordância com o caso DD, no entanto, os fatos apontavam claramente que não, na medida em que os direitos e garantias do então investigado - ora condenado - não foram ameaçados em nenhum momento, portanto, a questão do Estado policialesco não era um fato, mas sim um mero factóide.
No caso atual, não temos a Gazeta de Xapetuba D'Oeste fazendo um editorial favorável ao time local, mas sim o jornal mais vendido do nosso país fazendo um editorial onde suaviza o regime de exceção que vigorou por vinte e um anos por essas terras. Não é pouca coisa. Diante da reação justa e proporcional ao agravo por parte dos leitores, o jornal além de não ter se retratado enfaticamente, ainda lançou ataques pessoais contra dois dos mais ilustres acadêmicos a lhe fazerem críticas; o álibi? Um eventual silêncio que eles manteriam em relação ao sistema cubano. Daí, eu pergunto, o que teria a ver Cuba com o atual debate? Vai aí uma dica: O mesmo que o Tadjiquistão ou, em bom português, porra nenhuma. Enfim, estamos diante de mais um factóide.
A incongruência lógica é violenta. Depois de ter relativizado uma ditadura, qual é a moral que teria a Folha para criticar quem quer seja por eventuais ações ou omissões em relação ao que quer seja? Nenhuma. Indo além, qual seria o sentido de usar justamente Cuba com nesse sentido? Retirar o peso da pressão incial da opinião pública e assumir a ofensiva no debate pegando dois dos críticos como bodes expiatórios para rotular - ou no minímo pôr em suspeição - a massa que se insurgiu como hipócritas ou quem sabe um bando de jacobinos sujos prontos a dar um golpe de Estado a qualquer momento. Em suma, a Folha, para não voltar atrás, assumiu uma ofensiva no estilo do Fla x Flu partidaresco que vemos pelos butecos da vida.
O raciocíno da Folha foi calculado. Ela sabe exatamente o que é Cuba, mas preferiu mexer com a questão do posicionamento ideológico para se safar de uma bola de neve. Fazendo o raciocíno contrário, seria como se Fídel criticasse no Granma alguém que elogiou o sistema de voto brasileiro taxando-o como apologista de péssimos serviços de educação e saúde - e nesse sentido, está sendo travado um interessante debate na caixa de comentários d'O Biscoito Fino. Ir além no debate sobre Cuba, por mais que exponha o tamanho do sofisma que a ditabranda significa, é, no entanto, morder a isca e acidentalmente aceitar a pauta dada, tirarando o debate do foco exatamente como a Folha deseja.
Por fim, há quem considere que pelo fato disso ter sido publicado na página de opinião e não nas de reportagens, o caso se torne menos grave. Eu, pessoalmente, discordo. O editorial exprime o espiríto do jornal e, em sentido contrário, penso que isso torna o caso mais grave. No entanto, sim, também é verdade que opiniões são opiniões, só creio que se a Folha entender que os seus leitores que chamam aquele referido período histórico de ditadura são importantes, ela deveria se retratar, se não, fique como está mesmo. Pelo bem das árvores e do meu tempo livre, já tomei minha decisão sobre jornais há um bom tempo.
Prezado Hugo,
ResponderExcluirinfelizmente o factóide é a regra. O problema é que estamos tão acostumados com ele que, tal qual os prisioneiros na caverna de Platão, nos surpreendemos com a existência da luz.
Por exemplo, quando Sarney assumiu a presidência do Senado pela 2ª vez, a notícia foi: Presidente do Senado cortará gastos.
Cortará gastos??? Mas que porra é essa!? O cara é o supra sumo da oligarquia indecorosa, cuja família inteira mama nas gordas tetas e a notícia é que ele vai reduzir gastos? Alguma coisa não fecha nessa história e não são os fatos...
Caro Fabian,
ResponderExcluirÉ triste, mas você tem razão, mas por mais que caminhar para luz seja doloroso - tanto quanto um parto -, é necessário que o façamos sob pena de coisas verdadeiramente pesadas acontecerem.
Sobre o Congresso Nacional, a minha proposta é a susbstituição do voto proporcional com listas fechadas por um sistema distrital misto com, inclusive, a redução do parlamento a uma casa só - isso mesmo, nada da Senado. Isso pode não operar um milagre, mas acho que ajudaria a diminuir o fisiologismo que se ampara justamente nessas (muitas) brechas que o sistema atual deixa - e que permite que pequenos estados tenham o três senadores, o que nesse exato momento está bancando a sobrevida do glorioso Sarney.
abraços;
Excelente postagem. Cheguei aqui pelo blog do Fabian, e clipei às largas tuas palavras no Blogoleone.
ResponderExcluirObrigado, César - certas coisas ficam na garaganta e precisam ser ditas, o duro mesmo numa situação dessas é não se levar pelo fígado e conseguir ser um pouquinho racional.
ResponderExcluirabraços;-)
Já estou acompanhando seu blog, Hugo. Precisamos ficar atentos às tentativas de revisões históricas promovidas pelas viuvas da ditadura e papagaios do pensamento único. A criação de neologismos para tentar deturpar fatos históricos ou esconder crimes cometidos contra a sociedade é um dos mecanismos que a direita utiliza para se safar da culpa.
ResponderExcluirSem dúvida, zejustino. Uma das ideias que consubstanciam esse humilde e recém-nascido bloguinho é, justamente, o combate sem concessões a esse obscurantismo que ainda ronda a nossa sociedade. Para nunca mais nos curvarmos diante dessas coisas, antes de mais nada - e sobretudo -, é necessário nos descurvarmos incondicionalmente.
ResponderExcluirabraços
Só por via das dúvidas, no meu comentário em resposta ao Fabian lá em cima, eu quis dizer "substituição do voto proporcional com listas abertas" e não "fechadas". Desculpem o lapso.
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