quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Desastre Mexicano e a Política Brasileira Para a América Latina

Há sete anos atrás estávamos às voltas com a eleições gerais, Lula já liderava, Roseana estava fora do páreo, Ciro e Garotinho protagonizavam pré-candidaturas de centro-esquerda e Serra carregava o estandarte - ou quem sabe o fardo - de pré-candidato da situação. Dentre os muitos debates travados naquela época vou me focar em um: O que os candidatos pensavam da política externa para a América Latina. Mais que isso, vou me focar no que pensavam Lula e Serra, futuros concorrentes no segundo turno. Se de um lado tínhamos Lula propondo o fortalecimento do Mercosul e uma maior integração econômica e política entre os países latino-americanos, do outro, havia Serra defendendo o afastamento brasileiro do Mercosul para que assim o país pudesse fazer "pactos bilaterais" - seja lá o que isso significasse- ao mesmo tempo em que defendia as negociações para a ALCA.

Sim, meu caro leitor, você deve até ter esquecido da ALCA, afinal, ela, felizmente, não aconteceu. Tratava-se a famigerada Área de Livre Comércio das Américas, projeto elaborado em Washington durante o governo Clinton que preconizava nada mais, nada menos que a criação de um área de livre comércio no continente tendo os EUA como seu núcleo. Em 2002 já havia algo do gênero em funcionamento no continente: O NAFTA, a Área de Livre Comércio da América do Norte, que reunia EUA, Canadá e México. Naquela altura do campeonato, também já era patente o fracasso do modelo para os sócios minoritários do pacto, em especial, para o México, único país em desenvolvimento associado que atrelara definitivamente seu destino ao do seu grande irmão do norte. Isso teve desdobramentos futuros e é o que me prestarei a analisar em seguida.

Cá em Pindorama, Serra buscava apresentar de uma maneira razoável seus planos de adesão à ALCA. Isso se devia ao mal-estar surgido à época e à reação dos movimentos sociais. Não ficava bem parecer um entreguista às portas de uma eleição presidencial, mas também não era possível jogar numa luta de lixo toda uma forma de se fazer política de relações exteriores consolidada nos dois mandatos de FHC: Surgia então a história de negociar com dureza, de que eles tinham mais a temer do que nós e coisas do tipo. Pura demagogia. No entanto, em momento algum Serra se propôs a romper com a política externa pouco criativa de FHC, seu feitiche em se limitar ao eixo euro-americano e sua má vontade em avançar com o que tinha sido iniciado lá atrás por Sarney e Alfonsín - que havia sido relegado ao segundo ou terceiro plano tanto por ele quanto por Menem, em prol de manter relações carnais com os EUA.

Lula, em sentido contrário, manteve o posicionamento firme em prol do Mercosul e da América Latina. O resto da história já conhecemos, Lula venceu e em seu governo tivemos o fortalecimento da integração latino-americana, em especial, sul-americana, como vemos tanto pela criação da UNASUR - que recém-surgida já conseguiu dirimir a crise boliviana - quanto o incremento do comércio do Mercosul, a adesão da Venezuela entre tantas outras coisas. É provável que sem o Brasil nada disso tivesse ido adiante, seja pela dimensão econômica, populacional ou territorial do país em relação ao continente.

Voltemos ao México. O país em 2002 já estava sob a égide do NAFTA há oito anos, era governado por Vicente Fox, um ex-executivo da Coca-Cola naturalmente pró-americano que tocava uma política de relações exteriores não muito diferente daquela que Serra trazia incutida em seu conteúdo. O governo Fox se arrastou até 2006, sem maioria parlamentar e com baixa popularidade. Enquanto os países da América do Sul se articulavam e se integravam com maior ênfase, o México ficava na dependência dos rumos da economia americana. Uma gripe em Buffallo poderia se tornar uma pneumonia em Puebla. Mais do que isso, os mexicanos ainda tinham - e têm - de enfrentar a concorrência dos produtos chineses que infestam a economia americana e concorrem com os produtos mexicanos.

Naquele ano de 2006, venceu as eleições presidenciais mexicana um correligionário de Fox, Felipe Calderón frente ao esquerdista López Obrador. Uma eleição no mínimo controversa. Obrador ocupava as dianteiras das pesquisas há muito e de repente acabou derrotado por uma margem considerável, até que de recontagem em recontagem acabou derrotado por 0,56% dos votos. Para a sorte de Calderón, ele não era de esquerda, logo, sua curiosa vitória não provocou comoção na mídia do continente.

Hoje, ano de 2009, em plena Crise Mundial, mais especificamente com o aprofundamento da crise na economia americana, o México se encontra numa situação desoladora: O país foi ao FMI pedir a bagatela de 47 bilhões de dólares emprestados. As causas disso são bem simples, a economia americana em crise significa uma economia mexicana em uma crise maior ainda, logo, a desconfiança quanto ao seu futuro gera uma brutal desvalorização do Peso Mexicano e, por conseguinte, a queima de boa parte das reservas monetárias do país.

Paradoxalmente, a diplomacia brasileira conseguiu, ao longo do Governo Lula, expandir e distribuir o comércio brasileiro pelo mundo. Mesmo que o país tenha sofrido o impacto da Crise num primeiro momento, ele acabou absorvendo pela não dependência do país em relação a um único outro país ou a um único outro bloco. Como se não bastasse, nesse exato momento, o Brasil está às portas de emprestar dinheiro para o FMI. Isso, reitero, não foi aleatório, Lula cometeu acertos e erros, mas os primeiros prevalecem sobre os segundos e a diplomacia nacional é, sem dúvida, a maior - e melhor - prova disso. Isso, no entanto, poderia ser diferente na medida que o nosso PSDB compartilha aspirações não muito diferentes dos líderes mexicanos e sua visão tacanha de como inserir seu país no mundo.

3 comentários:

  1. Muito oportuna a lembrança da posição de Serra e do PSDB em relação à Alca - algo necessário de ser sempre apontado, ainda mais em tempos pré-eleitorais. No entanto, dificilmente se encontra uma análise como a sua na mídia. Lula cometeu e comete erros diversos - na minha opinião, o maior deles sua política pusilânime e omissa em relação à Comunicação -, mas não pode lhe ser negado o reconhecimento de sua excelente política internacional, como os jornais brasileiros insistem em fazer. Mesmo porque a excelência da diplomacia brasileira é hoje objeto de reconhecimento internacional.

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  2. Maurício,

    eu não sei de nada, mas imagino que o governo lula deve andar na corda bamba com a grande mídia - cedendo por um lado, botando consulta pública no ministério da cultura e apoiando a confecom por outro. a grande mídia anda perdendo uns dentes, mas ela ainda é um dos grandes poderes.

    Aliás, creio que nessa específica situação que ela deve ser mais perigosa. já viu gato bravo encurralado?

    eu fico só imaginando... saber eu não sei nada...

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  3. Maurício,

    A lembrança da ALCA me ocorreu por esses dias enquanto eu lia alguma coisa a respeito da situação mexicana; o país seguiu uma política externa bem diferente da brasileira sob a égide de Lula - e muito parecida com o que a nossa oposição pregava - e hoje se encontra numa situação tenebrosa do ponto de vista geopolítico.

    Era curioso como Serra colocava que o Mercosul engessava o Brasil ao mesmo tempo em que pensava na inserção do país nas negociações de um bloco comercial que já se estava morto antes de ter nascido - o modelo já estava lá no NAFTA e era um fracasso. O esquecimento disso por parte da grande mídia e uma análise mais profunda da crise mexicana você certamente não verá na grande mídia, afinal, é o fracasso do modelo que ela vive querendo nos enfiar goela abaixo.

    Sobre a política de Comunicação, concordo, ela não é boa mesmo. A Flavia tem razão ao colocar que o jogo não é mesmo fácil e que Lula joga com o que tem na mão dadas as circunstâncias, mas ainda assim, eu tendo a concordar com a ideia que o governo faz concessões demais e nessa área o país não venha assistindo grandes avanços.

    abraços coletivos ;-)

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