segunda-feira, 25 de maio de 2009
O Teste Nuclear Norte-Coreano
Hoje, a Coreia do Norte realizou um teste nuclear subterrâneo, o que provocou um terremoto de, aproximadamente, 4,7 graus na escala Richter. Apesar dos dados serem ainda bem desencontrados, alguns especialistas apontam que as bombas detonadas poderiam ter a mesma potência das bombas que devastaram Hiroshima em 46.
Isso aqui é apenas um episódio na longa história que envolve a península coreana. Nem vou me ater à milenar saga do povo local e sua cultura tão singular; Fiquemos pelo século 20º mesmo, já é mais do que o suficiente. A península, como é sabido, foi invadida e ocupada pelo Império Japonês entre 1910 e 1945, libertando-se apenas por meio da cruenta vitória aliada no Pacífico.
A paz, mesmo assim, não viria com o fim do domínio colonial nipônico, afinal, a península acabou dividida em duas, bem no paralelo 38: Ao norte os soviéticos, ao sul os americanos. Em 1948, sob o patrocínio de seus libertadores, são proclamadas tanto a República da Coreia - ao sul - quanto a República Democrática Popular da Coreia - ao norte. A primeira, um Estado fantoche dos Estados Unidos, a segunda, uma marionete soviética.
Em pouco menos de dois anos, a tênue paz cai por terra e é travada a sanguinolenta Guerra da Coreia; as forças do norte cruzam o paralelo 38, as tropas das Nações Unidas lideradas pelos EUA reagiram e avançaram para o norte, envolvendo A União Soviética e, em especial, a China pós-revolucionária. Os americanos conseguiram tal vitória no Conselho de Segurança da ONU na medida em que, à época, os soviéticos estavam boicotando a instituição e, sem o seu veto, ocorreu a deliberação em favor da invasão da Coreia do Norte - lembrando que a China Popular não tinha assento nas Nações Unidas, sendo os nacionalistas, exilados em Taiwan, os representantes do país.
No fim das contas, graças aos jatos soviéticos Mig-15 e a participação das tropas chinesas no solo, as forças pró-americanas recuaram para o sul. O General Mac Arthur, vendo-se às voltas com um empate técnico, defendeu um bombardeio nuclear contra a China Popular, mas foi rechaçado pelo próprio governo americano, na medida que tal ação provocaria, invariavelmente, uma guerra nuclear contra os soviéticos. Diante desse impasse, tivemos, finalmente o cessar-fogo que dura até hoje.
Não custa lembrar que os fatos narrados, em apertada síntese, nesses dois últimos parágrafos duraram três longos anos onde morreram por volta de três milhões de seres humanos. De lá para cá, as duas coreias ficaram divididas e foram reconstruídas com dinheiro de seus apoiadores, ou melhor, de seus criadores.
A Coreia do Norte, nos anos posteriores, se estabelece sob a égide do chamado socialismo juche: Uma suposta versão local de socialismo que teria sido idealizada pelo seu líder supremo, Kim Jong-nam, mas que, na verdade, nunca passou de uma cópia equizofrênica do stalinismo - pois é, os norte-coreanos provaram que isso é possível. Provavelmente o trauma e a xenofobia decorrente da guerra ajudou essa insanidade coletiva a se consolidar.
Em seguida, o país prosperou materialmente às custas dos subsídios de Moscou e entrou no mesmo turbilhão dos demais países socialistas quando da queda da União Soviética. Nos anos 90, o país cai na órbita de influência chinesa, de quem passa a depender cada vez mais; a Coreia do Norte é, mais do que um totalitarismo digno de pastelão, um modelo economicamente inviável que nunca sobreviveu sem ajuda de nenhuma outra potência.
Por outro lado, a Coreia do Sul, ajudada pelos seus aliados americanos, se torna uma potência tecnológica e avança prodigiosamente ao longo das últimas décadas num processo não muito diferente daquilo que aconteceu com a antiga Alemanha Ocidental nos tempos da Guerra Fria. Mais do que isso, os EUA se mantêm firmes e fortes na região, seja por meio das inúmeras bases em território sul-coreano e japonês, seja pela poderosa 7ª Frota de sua Marinha, estacionada no Mar do Japão desde os tempos da Guerra da Coreia. O foco americano, hoje, com o fim da União Soviética, não é a Rússia, mas sim a China, segunda maior potência econômica mundial.
Para se ter uma ideia, no fim dos anos 90, o governo norte-coreano abriu mão de suas ambições nucleares em troca de petróleo a ser fornecido pelos americanos. Claro, ele foi traído pela administração Bush, mas de onde eles tiraram forças - e abastecimento energético - para desenvolver seu sistema de mísseis e sua tecnologia nuclear? Simples: Da China. Não nos enganemos, per se, os norte-coreanos não têm poder para nada, se Pequim acordar de mau humor e cortar o abastecimento energético do país, acabou-se a Coreia do Norte.
Por óbvio, chineses não agirão diretamente contra os Estados Unidos, mas por que não fazê-lo por meio de peões como fazem os próprios americanos? Não será muita coincidência que os iranianos, de repente, também estejam tendo avanços miraculosos na mesma área?
Enfim, isso não tem nada a ver com a Democracia ou Direitos Humanos, mas sim com o jogo sujo das potências, um resíduo claro de tempos remotos que permanece vivo ainda hoje graças ao descalabro dos Estados Unidos: Um país extremamente desenvolvido e rico, o único capaz de mudar a sorte triste da humanidade, mas que se mostra muito pouco preocupado em construir um sistema global, posto que a Guerra, admita-se ou não, é do interesse de muitos dos grupos que, nesse exato momento, ocupam o poder de fato por aquelas bandas.
Nesse sentido, o mundo prossegue na mesma agonia das últimas seis décadas: O fantasma da obliteração nuclear continua a rondar as nossas vidas graças a esperteza estúpida dos malandros da realpolitik.
Engraçado, eu já vi esse filme antes.. só que o presidente simpático da superpotência capitalista atendia pelo nome de John Kennedy, e era democrata, como Obama; no papel dos antagonistas pseudo-comunistas, os russos ocupavam o lugar dos chineses; e como o pái gerador do conflito, a ensolada Cuba e seu ditador simpático no lugar da misteriosa Coréia do Norte e seu tirano sinistro. Só espero que o "pega pra capar" atual não chegue à insanidade pré-explosão do planeta Terra da Crise dos Misséis.
ResponderExcluirJá disse o velho e tão difamado Marx: a história não se repete, senão como farsa (não é assim que costumam citar, mas é, de fato, como ele o escreveu).
Olá, Maurício,
ResponderExcluirSábias palavras do velho Marx...aqui estamos vendo parte do perigoso teatrinho entre as potências como tem sido desde o início da Era Industrial.
Sobre se isso vai atinge as mesmas proporções da Crise dos Mísseis, creio que não, a área é militarizada demais e se isso aconteceu, é porque havia a possibilidade certa de um peão ser avançado - mesmo que de maneira ousada.
Pressões pra lá, pressões pra cá,a correlação de forças na área mudou novamente e esse fortalecimento da Coreia do Norte implica em um ponto de pressão em favor da China.
abraços
Que beleza de texto, Hugo,!
ResponderExcluirA Coréia do Norte não conseguiria _ ou pelo menos eu acho que não conseguiria _ levar a cabo seu programa nuclear sozinha, a China deve realmente estar por trás disso, mas, mesmo assim, eles já não estão passando dos limites? Até quando a própria China vai tolerar as provocações do país aos países da região e aos EUA? Será que a sua cria não está saindo do controle?
Valeu,Eduardo e acredite: nós saberemos exatamente o momento em que a Coreia do Norte passar dos limites segundo o entendimento - e o interesse - chinês: O país vai parar e isso vai acontecer porque ele não é autosuficiente, muito pelo contrário, depende da China para muita coisa e se Pequim resolver "puxar a tomada", ela vai ser puxada.
ResponderExcluirEm suma, a China é o único país do mundo que não precisa dar um tiro de revólver para acabar com o regime de Pyongyang e não creio que ele faria alguma coisa que não fosse previamente autorizado por Pequim, o resto me parece cortina de fumaça.
No fundo, no fundo, essa questão envolve a China diretamente, a Guerra da Coreia, que não acabou até hoje, está diretamente ligada com a Revolução Chinesa de 49 e isso aqui não é diferente.
abraços