(Foto: kisoo jung)
O termo Realpolitik se refere ao conjunto de práticas para tomada - ou exercício - do poder orientadas pelo cálculo frio em relação a correlação de forças existente em uma determinada conjuntura. Normalmente se refere à política internacional, mas pode ser usada também no plano interno. É uma forma mais recente - e pretensamente mais sofisticada - do "maquiavelismo" e se apresenta em oposição às "políticas ideológicas".
As origens históricas do termo remontam a um certo La Rochau ecoando um tal Metternich e teve como adeptos figuras notórias como Otto Von Bismarck e Henry Kissinger. Varre-se a "ética" e os "ideais" em prol de uma "prática". Aqueles que ousam se opor a isso, logo são rotulados como "idealistas" ou "utopistas" e assim, o partidário da Realpolitik toma para si o monopólio da realidade.
A grande pergunta, no entanto, é: Sobre qual realidade estamos falando e a quem ela serviria ou servirá? O Incômodo ou incompetência em responder isso por parte dos adeptos da Realpolitik os faz cair em duas falácias que, não raro, se interseccionam: O da justificação da busca - ou consecução - de fins que eles próprios consideram como imorais por meio da redução da realidade para os dados que lhes forem convenientes para sustentar tal argumentação ("não havia outra escolha de acordo com a conjuntura") ou o pastelão puro e simples que decorre da crença no próprio reducionismo - a diferença entre um e outro, portanto, é que o primeiro se mostra como um fracasso no futuro, não raro, próximo, e o segundo se consolida como um fracasso de imediato. Enfim, "Realpolitik" é um nome pomposo e pretensioso para algo que se materializa como uma Surrealpolitik.
Eis aí que entre a questão da Utopia. É interessante notar como as ideologias dominantes ao longo dos últimos cinco séculos conseguiram tornar o termo sinônimo de projeto irrealizável, quando, na verdade, ele significa "lugar nenhum" e seu uso no livro homônimo que o celebrizou tinha uma sentido irônico e escondia a própria ilha da Grã-Bretanha e o projeto que seu escritor, Thomas More, tinha para resolver seus problemas - aliás, é interessante como se despreza esse prodígio que é More, um homem que mais de trezentos anos antes de Marx já postulava a existência um nexo de causalidade entre as relações econômicas no interior de um grupo e a problemática política e humana contida nele.
A Utopia era, portanto, um norteador; a comunidade perfeita em caráter de meta, diferentemente da leitura incidental de seus detratores que apontavam - como ainda apontam - para Utopia como a tentativa inconsequente da realização do inalcançável no hoje. Um sofisma elementar, na medida em que a visão de More é, claramente, prospectiva.
Enfim, tanto na justificação dessa Realpolitik quanto na distorção da Utopia, a ideia do Real como forma de determinar comportamentos é patente. Ele é uma norma que não apenas pode permitir como também pode justificar a deturpação dos fatos em prol da prática da política desprovida da ética. Além de servir também para delimitar aquilo que eu denominaria de o impossível conveniente. Destarte, esse Real nada mais é do que uma interpretação da realidade com ares de univocidade e dupla função no modal deôntico: A autorização do ato antiético que está de acordo com o Poder e a proibição do ato ético que lhe é contrário por meio de uma fixação, em caráter dogmático, de determinados limites concretos e objetivos.
A falácia de uma política orientada por esse Real nos conduziu para essa Distopia contemporânea, cujo controle escapa da mão de seus próprios artífices e nos atormenta. Só a busca incansável pela verdade e pela ética na política pode reverter esse quadro, não perdendo de vista, claro, a forte tensão dialética entre meios e fins, onde os segundos podem justificar os primeiros, mas os primeiros podem invalidar os segundos.
Post atualizado em 02/06/09 às 22:05
Talvez tão perturbador quanto a perda do sentido original de utopia seja a glorificação, nos discursos midiáticos e acadêmicos, da distopia contemporânea como algo positivo e desejável.
ResponderExcluirRevelador do grau de conservadorismo vigente, essa visão "mais realista do que a realidade" leva ao pé da letra o desabafo pós-anos 60 de John Lennon de que o sonho acabara, preservando,no entanto, intacto e como único valor válido, a lógica de acumulação capitalista - o que vale a substituir uma utopia coletiva e coletivista por uma ideologia elitista e individualista.
Hugo,
ResponderExcluirMe lembrei da explicação que o prefeito Kassab deu ao anunciar o congelamento do programa de construção dos CEUs. Para ele esse modelo seria utópico.
O engraçado é que não era utópico durante sua administração anterior. Apesar de sofrer uma série de mudanças que empobreceram e descaracterizaram o projeto iniciado na administração Marta, os CEUs continuaram sendo construídos e serviram de bandeira eleitoral durante a campanha.
O adjetivo "utópico" foi usado para desqualificar o projeto, entendido como um devaneio da gestão Marta. Em seu lugar volta o velho desenho de prédios escolares, bem mais baratos, modestos e sem espaço para a convivência da comunidade. Ou seja, do tamanho que a realidade _ ou o que a atual gestão decidiu que deve ser a realidade _ permite.
Olá, pessoal,
ResponderExcluirMaurício, se me permite uma observação, mais do que vender a distopia contemporânea como algo positivo ou desejável, o discurso midiático e o acadêmico vende isso como algo inevitável - e cuja inevitabilidade decorreria dos limites que "a" realidade estabelece. Dizer "O mundo é assim mesmo, se tentarmos modifica-lo, ele piora, portanto, vamos curtir a vida" é a missão desse sujeito "mais realista do que a realidade" - cá no meu canto, conheço vários desses. É o culto a um "impossível" que não encontra amparo lógico. Para lógica de acumulação capitalista, essa normatização é fundamental.
Eduardo, eis aí um belo exemplo do que eu me referia; aliás, o consórcio DEM/PSDB é o grupo político que mais se usa desse expediente na política nacional, ainda que ele não seja estranho ao PT de hoje, em especial, à Articulação, antigo Campo Majoritário.
abraços coletivos
Puts, adorei. Não quer virar autor no liberdade, como o Edu, e recolocar esta questão? Acho que os sentidos gerais da realpolitik estão, por exemplo, trabalhando contra a Confecom. Quem olha de fora acha ou que tá tudo bem, pois temos representantes, ou que não vai mudar nada, pois o poder das corporações é muito grande mesmo. Perde-se assim o momento de influir.
ResponderExcluirOutra coisa, fiquei sabendo de um evento que a Globo fará na PUC São Paulo - veja no Liberdade. Se você quizer apurar isso de perto, vai ao CA de Comunicação. O Valério esteve na reunião pró-confecom na Cãmara que eu fui ontem, por quem fiquei sabendo do caso.
Beijos
Flavia,
ResponderExcluirEsse texto eu já pensava em escrever há um tempão, em suma, ele estava literalmente engasgado na minha garganta. Quanto ao texto, posso trabalhar em algo nesse sentido para o Liberdade sim - e te envio por e-mail até sábado.
Quanto ao evento da Globo na PUC, fiquei sabendo na segunda, aliás, ele já é conhecido como "o Liberdade de Repressão no TUCA" - uma brincadeirinha com o evento, ironia das ironias, denominado "Liberdade de Expressão". Sobre o Valério, é um amigo querido e, sem dúvida, um dos sujeitos mais relevantes no Jornalismo da PUC hoje.
beijão
Eu acho que já conhecia o Valério, mas não tive tempo de chegar nele, pois tive que sair antes da reunião terminar (já escrevi sobre ela). Encontrei também uma conhecida de mov. estudantil, que agora é ongueira. Foi legal.
ResponderExcluirQuanto a esse tipo de absorção e perversão de palavras da esquerda pelo stablishment, você está certo, esse fenômeno é antigo. No entanto, a observação do Mau cabe, pois é depois de 69 derrotado que - pelo menos na minha cabeça é - que a direita aprende a trabalhar com isso dessa forma brilhante. Digo que é brilhante, pois é sofisticada, pervasiva, quebra resistências. Quando esquerda e direita tem um vocábulo completamente diferente, ficam claros quais são os lados. Até os anos 50 comunista era comedor de criancinha. O mundo se sofisticou desde nossos avós. Antes eram os vermelhos, perigosos, coméquiémesmo... su... esquecí a palavra, uns pervertidos desumanos, ah, subversivos - isto era um palavrão. Tanto a esquerda quanto a direita eram quadradinhos. Lembre do MPB bem comportadinho, de terninho e cabelinho cortado e bem penteado. Nossos heróis, mas quadradinhos, com palavras de ordem, informes, como o fazemos até hoje no M.E. Daí vem os movimentos de liberação - uma tremenda zona. Pra eles não estão certos nem a direita nem a esquerda "talk about revolution, well you know, we all want to change the world.. but when you talk about destruction.. don't you know that you can count me out" eles falavam contra o pegar em armas revolucionário (essa era a esquerda daqueles tempos, não sou ninguém pra dizer se estavam certos ou errados). Da contracultura surgem novas formas de revolucionar - revolucionar as idéias, os costumes, a forma de ser, a sexualidade. Lembre-se, no Brasil, da Tropicalha. Eles se vestiam esquisito, misturavam guitarras elétricas e todo tipo de som com a música, falavam de coisas com duplicidades. Nem os militares não sabiam o que fazer com eles - eram um novo ator incompreensível nessa conjuntura, tanto que eles foram também bastante reprimidos, acho que eles (os militares) nem sabiam o porquê. Por serem cabeludos, por se vestirem esquisito, isso assustava a direita que nem sabia entender o que queria aquela turba. Os Mutantes cantavam que cabeludo também é nacionalista. Para ser nacionalista precisava não ser cabeludo. Bom, me alonguei na descrição, sou fã.
A partir de 69 o stablishment passa a absorver o que as esquerdas, que se pluralizaram, produziam. O estilo punk é absorvido como roupinha da moda (você vê isso até hoje no Camp Rock, por exemplo). Os ideais são esvaziados de sentido, viram relojinho - lembra da propaganda, Mau virou relojinho, ou você é muito beb~e pra lembrar?
Ah, eu também estou com um texto que está em gestação há meses na minha mente, como Clara Crocodilo, esperando eu adormecer para me atacar com meus entes queridos. O gozo na política. Algo assim. Uma versão marx-freudiana de mais ou menos a mesma coisa, ou algo próximo disso.
ResponderExcluirUma versão marx-freudiana de mais ou menos a mesma coisa,Nossa. Eu quero ler isso.
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