("O Arsenal, Frida Kahlo distribuindo armas", de Diego Rivera. Retirado daqui)
No primeiro post sobre Honduras, terminei o texto com um "as próximas horas serão decisivas", mas elas estão sendo também intermináveis - pior, elas parecem atemporais; é como se estivéssemos no momento zero da explosão de uma bomba e a nossa vida passasse bem em frente aos nossos olhos.
Alguns bibliólogos dizem que Marcos escreveu o seu evangelho na época da destruição do templo e por isso escrevia num estilo apressado, quase como se estivesse a esperar notícias. Entendo o que é isso agora assim como entendo o que o velho Antônio Abujamra sempre repetiu: A esperança destruiu a América Latina - e não me venham com histórias como "devemos buscar a esperança do verbo esperancear", esperança é de esperar mesmo e quando nos rendemos a ela, acabamos nos deparando com o velho pesadelo como num eterno retorno, restando esperar que ele acabe. O que eu quero dizer com isso? Quero que o medo finalmente vença a esperança entre os democratas do continente porque é o sincero e terrível medo que move o Homem, talvez pelofato do outro lado tanto temer, ele consiga quase sempre o quer.
O momento em que vivemos é paradoxal; os países Latino-Americanos sempre se viram às voltas com uma Oligarquia ao pior estilo colonial que só lutou pela Independência para se livrar dos decadentes império ibéricos e que, no fim das contas, se arrependeu disso; a vida do oligarca latino-americano médio dos fins do século 19º era marcada por uma inquietude profunda na alma: Ele era parte de uma elite colonial sem metrópole, um carrasco sem tribunal de exceção, um capitão-do-mato sem Casa Grande. A expansão econômica, política e militar dos EUA após a sua Guerra Civil acabou sendo a solução fantástica para esse problema, apesar das idiossincrasias do imperialismo americano.
A Questão Social da América Latina sempre se travou em bases muito diferentes da que havia na Europa; cá nunca houve o confronto que lá se viu. Na Europa, a Revolução Burguesa se manifestou em sua primeira etapa como o extermínio definitivo do passado medieval e na segundo como a busca por um presente atemporal - onde suas leis, materializadas em códigos mágicos seriam definitivos e marcariam o fim da História, muito antes de Fukuyama; em oposição a isso surgia o clamor da massa operária e camponesa que em sua dor e em sua determinação lutava por um futuro, o que fez muitos dos filhos dessa mesma burguesia se darem conta de um lamento muito maior: O grito feroz da História. Era, no fim das contas, o atemporal presente condenado, já de início, a ser um profundo passado lutando contra a História. Por aqui não. Os Oligarcas latino-americanos nunca tiveram o impulso de destruir o passado, sempre se assentaram nele se apropriando dos elementos convenientes do Liberalismo e, depois no Fascismo; cá a luta sempre foi entre o profundo passado e a busca débil por um futuro por parte de uma massa camponesa ainda em vias de ser absorvida pela indústria.
Os oligarcas latino-americanos se viram, no decorrer da História, em tardia desvantagem, mas tinham ao seu lado o leviatã americano que soube como poucos projetar para fora a sua efervecência interna e assim se desvencilhar das eternas rupturas. O Nazismo, inclusive, acabou sendo muito caro para a oligarquia local na medida em que, ao mesmo tempo em que exibiam suas constituições liberais ou até pós-liberais, por outro lado, mantinham no horizonte visível o seu próprio artigo 48 do Weimar de forma consuetudinária: Se a ordem real fosse ameaçada, as Forças Armadas seriam utilizadas como a ferramenta necessária para impor a exceção sobre a qual eles decidiram. Tal exceção, no entanto, dizia respeito ao desmontar da metafísica ordem formal das coisas, das parcas e atrofiadas instituições que se aparentavam com as de um Estado Burguês e que freiavam , em certa medida, a intensidade da violência da perene exceção econômica.
E assim segue a História da América Latina, com os Estados Unidos servindo como o fiel da balança na tensa correlação de forças entre o passado e futuro em um presente esgarçado e esgarçando-se. Essa mesma História sofre um violento revés com a lenta e ignorada contração do Leviatã Americano. O fiel da balança começar a pesar cada vez menos e os movimentos sociais do continente geram, das mais variadas formas, forças partidárias capazes de se usar da liberdade eleitoral criada na esteira do suposto Fim da História.
O avanço da Democracia em sentido material, mesmo com seus reveses, tem se materializado com uma estabilidade econômica ímpar e com o fim da fracionariedade nas relações internacionais dentro do Continente; se antes éramos uma miríade de pecinhas unidas pela influência americana, hoje se desenha uma solidariedade latino-americana por meio de uma série de organizações comerciais e políticas no continente - com os EUA, inclusive, tendo de aceitar tal conjutura por conta de seu próprio momento.
Eis o paradoxo: No mesmo momento em que esse processo está em curso, ocorre o golpe na pequena e empobrecida Honduras e o oligarquismo latino-americano volta a revelar sua face medievalista que sabe como ninguém fazer uso tanto do liberalismo quanto do fascismo quando lhe convém; neste momento, estamos diante de um reflexo extemporâneo do fascismo que, pasmem, nunca deixou de ser visto enquanto hipótese aplicável; é um anacronismo que denuncia o nosso próprio anacronismo e prova o quanto estamos - ainda - à beira do abismo - e esse mesmo abismo, ao ser encarado em sua profunda obscuridade e obscura profundidade, nos olha de volta sorrindo.
No primeiro post sobre Honduras, terminei o texto com um "as próximas horas serão decisivas", mas elas estão sendo também intermináveis - pior, elas parecem atemporais; é como se estivéssemos no momento zero da explosão de uma bomba e a nossa vida passasse bem em frente aos nossos olhos.
Alguns bibliólogos dizem que Marcos escreveu o seu evangelho na época da destruição do templo e por isso escrevia num estilo apressado, quase como se estivesse a esperar notícias. Entendo o que é isso agora assim como entendo o que o velho Antônio Abujamra sempre repetiu: A esperança destruiu a América Latina - e não me venham com histórias como "devemos buscar a esperança do verbo esperancear", esperança é de esperar mesmo e quando nos rendemos a ela, acabamos nos deparando com o velho pesadelo como num eterno retorno, restando esperar que ele acabe. O que eu quero dizer com isso? Quero que o medo finalmente vença a esperança entre os democratas do continente porque é o sincero e terrível medo que move o Homem, talvez pelofato do outro lado tanto temer, ele consiga quase sempre o quer.
O momento em que vivemos é paradoxal; os países Latino-Americanos sempre se viram às voltas com uma Oligarquia ao pior estilo colonial que só lutou pela Independência para se livrar dos decadentes império ibéricos e que, no fim das contas, se arrependeu disso; a vida do oligarca latino-americano médio dos fins do século 19º era marcada por uma inquietude profunda na alma: Ele era parte de uma elite colonial sem metrópole, um carrasco sem tribunal de exceção, um capitão-do-mato sem Casa Grande. A expansão econômica, política e militar dos EUA após a sua Guerra Civil acabou sendo a solução fantástica para esse problema, apesar das idiossincrasias do imperialismo americano.
A Questão Social da América Latina sempre se travou em bases muito diferentes da que havia na Europa; cá nunca houve o confronto que lá se viu. Na Europa, a Revolução Burguesa se manifestou em sua primeira etapa como o extermínio definitivo do passado medieval e na segundo como a busca por um presente atemporal - onde suas leis, materializadas em códigos mágicos seriam definitivos e marcariam o fim da História, muito antes de Fukuyama; em oposição a isso surgia o clamor da massa operária e camponesa que em sua dor e em sua determinação lutava por um futuro, o que fez muitos dos filhos dessa mesma burguesia se darem conta de um lamento muito maior: O grito feroz da História. Era, no fim das contas, o atemporal presente condenado, já de início, a ser um profundo passado lutando contra a História. Por aqui não. Os Oligarcas latino-americanos nunca tiveram o impulso de destruir o passado, sempre se assentaram nele se apropriando dos elementos convenientes do Liberalismo e, depois no Fascismo; cá a luta sempre foi entre o profundo passado e a busca débil por um futuro por parte de uma massa camponesa ainda em vias de ser absorvida pela indústria.
Os oligarcas latino-americanos se viram, no decorrer da História, em tardia desvantagem, mas tinham ao seu lado o leviatã americano que soube como poucos projetar para fora a sua efervecência interna e assim se desvencilhar das eternas rupturas. O Nazismo, inclusive, acabou sendo muito caro para a oligarquia local na medida em que, ao mesmo tempo em que exibiam suas constituições liberais ou até pós-liberais, por outro lado, mantinham no horizonte visível o seu próprio artigo 48 do Weimar de forma consuetudinária: Se a ordem real fosse ameaçada, as Forças Armadas seriam utilizadas como a ferramenta necessária para impor a exceção sobre a qual eles decidiram. Tal exceção, no entanto, dizia respeito ao desmontar da metafísica ordem formal das coisas, das parcas e atrofiadas instituições que se aparentavam com as de um Estado Burguês e que freiavam , em certa medida, a intensidade da violência da perene exceção econômica.
E assim segue a História da América Latina, com os Estados Unidos servindo como o fiel da balança na tensa correlação de forças entre o passado e futuro em um presente esgarçado e esgarçando-se. Essa mesma História sofre um violento revés com a lenta e ignorada contração do Leviatã Americano. O fiel da balança começar a pesar cada vez menos e os movimentos sociais do continente geram, das mais variadas formas, forças partidárias capazes de se usar da liberdade eleitoral criada na esteira do suposto Fim da História.
O avanço da Democracia em sentido material, mesmo com seus reveses, tem se materializado com uma estabilidade econômica ímpar e com o fim da fracionariedade nas relações internacionais dentro do Continente; se antes éramos uma miríade de pecinhas unidas pela influência americana, hoje se desenha uma solidariedade latino-americana por meio de uma série de organizações comerciais e políticas no continente - com os EUA, inclusive, tendo de aceitar tal conjutura por conta de seu próprio momento.
Eis o paradoxo: No mesmo momento em que esse processo está em curso, ocorre o golpe na pequena e empobrecida Honduras e o oligarquismo latino-americano volta a revelar sua face medievalista que sabe como ninguém fazer uso tanto do liberalismo quanto do fascismo quando lhe convém; neste momento, estamos diante de um reflexo extemporâneo do fascismo que, pasmem, nunca deixou de ser visto enquanto hipótese aplicável; é um anacronismo que denuncia o nosso próprio anacronismo e prova o quanto estamos - ainda - à beira do abismo - e esse mesmo abismo, ao ser encarado em sua profunda obscuridade e obscura profundidade, nos olha de volta sorrindo.
Belo post, Hugo, fez-me lembrar o que eu (e o próprio Gabriel García Márquez) considero o melhor livro do escritor colombiano, "O outono do patriarca", em que ele tematiza, no âmbito do realismo mágico e de modo genial, várias das questões que aqui você aborda relativas ao modo de ser histórico e à ideologia do poder na América Latina, destacadamente essa dicotomia entre o medo e a esperança e a recorrência do fascismo e da violência como "soluções" adotadas de tempos em tempos (o livro conta a história de um ditador - com traços de vários tiranos da vida real da AL - que vive centenas de anos, portanto há tempo suficiente para muito fascismo e muita violência).
ResponderExcluirEstou, em relação ao golpe de Honduras, como você, numa expectativa tremenda. Volta e meia vou ao Idelber (que está fazendo uma cobertura muito superior a toda a mídia brasileira junta) ver se há novidades. Que situação enrolada, não é mesmo? Quando iríamos pensar que em pleno século XXI veríamos um golpe militar clássico como esse?
Maurício,
ResponderExcluirInteressante a ideia desse livro, quando eu esvaziar a minha pequena pilha de leitura, darei uma olhada nele. A América Latina é sempre mesmo espetacular e espantosa.
Quanto as idas e vindas no blog do Idelber confesso que estou fazendo o mesmo. E sim, um golpe exatamente nesses moldes eu duvidava tremendamente que ainda pudesse acontecer, mas já começo a achar que ele transcendeu caráter clássico que possuia no começo e se converteu numa coisa totalmente singular e nova.
abraços
Hugo,
ResponderExcluirVocê me lembrou do mito da Caixa de Pandora, e o paradoxo da esperança ter sido lá trancada, junto com todos os males do mundo.
PS1 - A expressão 'códigos mágicos' é hilária.
PS2 - Lembra do nosso debate sobre o Irã que também abordou o 'beco sem saída pós-moderno'? Leia isto. É de chorar.
Luís Henrique,
ResponderExcluirSempre perspicaz, a alegoria da Caixa de Pandora é algo com o qual podemos traçar certos paralelos com o caso atual.
PS 1:Sobre os códigos mágicos, a mágica, ou melhor, s feitiçaria anda lado a lado com o direito desde os primeiros passos da política na Grécia e em Roma, onde mesmo com o humanismo jurídico, a crença nas leis gravadas na pedra - ou em tábuas - ainda emanava um odor de uma certa sacralidade laica, onde a História parecia submetida às normas e não contrário - como os franceses vão repetir com seu precioso Código Civil no século 19º.
É essa piada que vemos ser repetida nessa semana, quando as pessoas vão folhear a Constituição de Honduras para ver se não tem nada lá escrito que justifique o Golpe - felizmente não há, mas se houvesse, haveria quem falasse um belo "tá vendo". É uma análise estreita, religiosa e pré-platônica de se determinar o justo que só não consegue ser pior que a Teologia legal dos pós-nazistas.
PS 2: Obrigado por me fazer chorar.