Hoje, domingo, por volta das quatro (horário de Brasília), o presidente legítimo de Honduras, Manuel Zelaya partiu de Washington em uma aeronave acompanhado de sua chanceler, do Presidente* da Assembleia Geral da ONU e de mais algumas pessoas. Chegaria ao aeroporto de Tegucigalpa às oito.
Eu estava lendo um pouco e por volta das sete entrei no twitter, achei umas imagens da Telesur via #Honduras e passei a aguardar o pouso. O exército hondurenho já cercava o aeroporto isolando os apoiadores de Zelaya ao mesmo tempo em que, lentamente, ocupava a pista. Os militares abriram fogo contra a multidão e mataram, pelas informações do momento, duas pessoas.
As imagens que eu via me provocavam um sensação estranha. Já tinha visto alguns vídeos de Honduras antes, mas aquela imagem que a reportagem da Telesur fazia do aeroporto dava a impressão que Tegucigalpa era uma cidadezinha do interior brasileiro, fosse por sua pequenina pista de pouso ou por suas serrinhas. Coexistia na imagem algo de incrivelmente provinciano com universal - mas um universal tão nosso...
Pois bem, lá estava eu com meus olhos na pequena telinha, mirando fixo no horizonte hondurenho. Sentia um misto de fascínio e de medo, essa situação hondurenha não me cansa de assustar e de me surpreender a cada minuto. De repente, o aviãozinho de Zelaya aparece. As tropas se mantêm em prontidão no solo. Atrás da repórter da Telesur, apareciam alguns manifestantes pró-Zelaya estranhamente efusivos. O avião contorna e não pousa. O comandante rapidamente se comunica com a Telesur e fala que foi ameaçado de abate. Hugo Chávez também é entrevistado. Depois Zelaya, não sei se ainda no avião ou quando já estava em terra firme na Nicarágua.
O golpe se desenrola; de tão aparentemente clássico no princípio, ele vai se tornando o mais agudo anacronismo da política latino-americana desde sempre - se é que o tempo faz algum sentido nessa ocasião; da reprovação diplomática rápida, unânime e dura da comunidade internacional - de todas as letrinhas que você pode imaginar - até o quixotesco voo de Zelaya em sua jornada cristã parece ter passado uma eternidade -quase como numa materialização de algum conto do realismo mágico latino-americano.
Os golpistas, mesmo diante da reprovação diplomática que ia de Washington até Moscou passando por Brasília e Pequim, não retrocederam. Depois de schmittiamente terem resolvido o problema Zelaya, goebbelianamente começaram a repetir a mentira que contaram para dar o golpe, tanto para si mesmos quanto para uma civilizada, cosmopolitíssima e candidíssima comunidade internacional que planejou a volta triunfal de Zelaya sem antes ter removido o tiranete - no mais puro sentido etimológico da palavra - local.
O absurdo sucede o absurdo e o faz em forma de espetáculo. Não é incomum em nossa época, só não precisava ser tão cruel.
*Atualização de 06/07 às 00:29: Na verdade, o nome do cargo ocupado por Miguel d'Escoto é Presidente da Assembleia Geral da ONU e não "Secretário Geral". Desculpem.
Em uma palavra: apavorante!
ResponderExcluirÓtimo texto, Hugo... espero que a comunidade internacional reaja de forma muito mais dura a esse Golpe absurdo em Honduras. Se os bilhões de dólares que os hondurenhos que trabalham no exterior e que enviam todos os anos para os parentes em sua terra natal forem bloqueados, por exemplo, a economia hondurenha irá desmoronar e levará os golpistas junto.
ResponderExcluirE é isso tem que ser feito.
E já estou te acompanhando no Twitter, onde entrei agora há pouco.
Maurício,
ResponderExcluirSem dúvida, apavorante.
Marcos D.,
Também estou acompanhando o amigo no twitter. Creio que não só o bloqueio econômico como também o naval eram medidas para serem tomadas ao longo da semana, mas deixaram as coisas correr, agora tudo se torna perigoso: Eles não vão pensar duas vezes em matar ninguém, é um estágio total de esquizofrenia golpista, ignoraram as advertências internacionais e fogem ao padrão por completo; cada vez mais a comparação com o nazismo se torna crível. Seja qual pressão for que pensem em aplicar aos golpistas, ela tem de ser intensa, decisiva e cirúrgica.
Excelente, Hugo!
ResponderExcluirMas, no fim das contas o espetáculo sendo televisionado, tornado em espetáculo, em si, não é ruim (enrolei mas acho que deu pra entender, hehe), o problema é se (quando) fica(r) só nisso.
Se o espetáculo continuar, aí temos um problema. Veja o Irã.
É essa possibilidade de ficar reduzido ao voyeuerismo político que me assusta, Raphael. Como nos ensina o mestre Saramago, não apenas as trevas cegam o homem, mas também as luzes em demasia.
ResponderExcluirHugo,
ResponderExcluirVocê não acha muito estranha essa operação tão improvisada? Digo, sobretudo, em relação à posição norteamericana, país que num primeiro momento foi acusado por Chávez de apoiar o golpe através da CIA, sendo logo desmentido pela atitude aparentemente firme dos EUA.
Convenhamos, se os EUA quisessem criariam, através da velha persuasão diplomacia + ações do serviço secreto, condições para esse avião ter pousado sem problemas (bastava, por exemplo, ter posto um emissário graduado no avião).
Pode soar meio teoria da conspiração, mas há, por ora, uma pulga atrás da minha orelha.
Eu também acompanhei a chegada frustrada do avião no aeroporto de Tegucigalpa. Se antes já tinham impedido a Kirchner de pousar, imagina o Zelaya.
ResponderExcluirMaurício,
Compartilho essa 'pulga' com você: os golpistas estão se saindo muito bem para quem 'não tem apoio internacional algum'.
Maurício,
ResponderExcluirA posição estadunidense é dúbia nisso tudo. Sabemos que era comportamento de praxe de Washington apoiar golpes como esse, mas por conta de toda essa reorganização estratégica que o governo Obama representa - a alegoria do smart power e tudo mais -, isso mudou, mas não sabemos até que ponto; Obama condenou o golpe, mas depois disso, seguiu-se um silêncio sepulcral e ensurdecedor de sua parte - mesmo diante da manifestação racista do chanceler de facto de Honduras.
Quando Chávez diz publicamente que o próprio Obama é refém do imperialismo, falastronice do presidente venezuelano à parte, até que ponto ele não se referia ao motivo pelo qual os golpistas estão tão seguros na suas ações? Ou eles só estariam tão cheios de si por pura insanidade mesmo? Enfim, a posição americana dá margens para uma miríade de interpretações.
abraços.
Exato, Luis Henrique.
ResponderExcluirPois então, a posição do Obama é estranha, assim como a do Lula. Ambos - e comentei isso no Twitter - sumiram. Falaram, foram elogiados, alguns dizem que falaram duro, mas só. Depois do desenrolar sumiram. tanto Obama, líder mundial, como dizem, e Lula, líder da AL, como também dizem, estão mais para presidentes do Haiti. Nulos e mudos.
ResponderExcluirSe Obama aventasse a idéia de Zelaya pousar na base dos EUA em Honduras, a coisa poderia ter tomado outro rumo. Nada foi feito e os golpistas só se solidificam no poder.
Deveriam ter posto o Obama* no avião de Zelaya e pousado assim mesmo: duvido que o governo golpista sequer ameaçaria abater o avião caso um representante maior de Washington acompanhasse o presidente deposto.
ResponderExcluirA batalha de ontem foi vencida pelos gorilas - Zelaya não virou mártir e o impasse permanece.
* Se bem que o chanceler hondurenho de fato, Enrique Ortez, xingou o Obama de 'neguinho' que 'não sabe onde fica Tegucigalpa'... bem, melhor não ficar 'testando hipóteses' como nosso 'amigo' Kamel gosta de fazer.
Luis Henrique e Raphael,
ResponderExcluirDe fato, Lula e Obama falaram duro, tanto falaram que a comunidade internacional, diante do posicionamento dos dois maiores líderes das Américas, foi unânime na questão. O x da questão é que ao longo da semana, excetuando as grandes movimentações diplomáticas e midiáticas, nada avançou - no caso da tentativa de golpe na Bolívia, por exemplo, os países sul-americanos deixaram claro que não negociariam com o pessoa da media-luna.
No caso hondurenho, ao longo do terceiro dia de controle do governo golpista, já era para os governos da região terem realizado bloqueio econômico e naval em relação de Honduras. Nada fizeram. Os golpistas apostaram alto e até agora estão em vantagem.
Qualquer pessoa que tenha estudado Direito na vida, sabe que a exceção se torna regra pela força normativa dos fatos - isto é, pela força do tempo, como nos casos em que a posse vira propriedade ou, mais especificamente, da Constituição Brasileira de 46 emendada pelos milicos em 67 passou a ser vista como "Constituição de 67".
O trabalho da Telesur tem sido primoroso em tudo isso, mas o que não pode acontecer é cair - e é o que eu advogo desde o princípio - no voyeurismo político e deixar de tomar ações concretas.
abraços coletivos
Assustador, sim. Corre-se o risco de que o golpe vire normalidade. Tem razão o Mauricio de ficar com a pulga atras da orelha. Creio que há sim a possibilidade dos nossos líderes da América estarem refens de estruturas de poder que lhes antecedem em muitas décadas e que ainda estão entre nós. Ou seja, será que não estamos todos sob esta ameaça que acreditamos extinta, mas que se mantém latente nas estruturas de poder?
ResponderExcluirFlavia,
ResponderExcluirHonestamente, eu não acreditava que a ameaça à evolução da Democracia no continente estivesse eliminada, mas pensava que esse tipo de atitude mais extrema já estivesse neutralizada - fosse por meio de mecanismos internos, nos países mais desenvolvidos da região, ou pelas próprias instituições multilaterais do continente, sufocando quarteladas como essas nos países ainda imaturos institucionalmente.
Creio que nessa situação, a atipicidade do movimento golpista, a fragilidade sócio-econômica de Honduras - e, por conseguinte, de suas intituições - somadas à péssima articulação das insituições muiltilaterais deram nisso daí. Aliás, a anêmica reação ao que houve ontem só servirá para agravar a situação.
beijos