sábado, 15 de agosto de 2009

Globo x Record


(A Noite Estrelada - Van Gogh)

Muita coisa tem acontecido nos últimos dias. Uma delas é a guerra entre Record e Globo por meio dos seus telejornais, o que não causa espanto, muito menos é novo, mas agora ganha uma conotação diferente por conta do peso que a Record tem na audiência, o peso que a Globo não tem mais na audiência e como os dois fatos se relacionam - além do óbvio projeto de poder por detrás e no interior de cada ação de ambas. Esse fato ilustra a profunda e ampla confusão com a qual o nosso país vive às voltas, uma espécie de esquizofrenia pós-moderna onde os setores progressistas se veem corrompidos, sem referencial ou mesmo transformando certas posições em dogmas e as tratando como tábua de salvação - uma coisa como essa noite estrelada de Van Gogh, onde as tevas são rompidas pelo clarão que emana de astros confusos, difusos, disformes.

No Nosso Brasil, esse modelo de Televisão que temos, vem dos dias escuros da Ditadura Miltar, onde uma mistura do sistema fechado de concessões públicas manteve os controle da Televisão nas mãos do Regime de Exceção numa bizonha associação com o capital estrangeiro - o que dá na Rede Globo de Televisão, uma organização pertencente a uma família apoiadora do golpe, num espaço público concedido pelo decorrente regime de exceção e com a inequívoca participação da Time Life. A moderna TV Record nasce lá nos anos 80, quando a Record original faliu e o canal foi concedido para a até então pequena e aparentemente inofensiva Igreja Universal do Reindo de Deus numa negociação onde a Central Única dos Trabalhadores, ela mesma, a CUT foi boicotada pelos donos do poder e não pôde ter o seu tão sonhado canal de televisão - uma jogada aparentemente brilhante, não fosse o fato da IURD ter crescido brutalmente e depois sua aliança tática com o Lulismo, um desastre para o velho Brasil, abrindo espaço para o novo, ainda que um novo não menos assustador.

O avanço do neopentecostalismo, claro, decorre do fracasso da Igreja Católica em se adaptar à nova realidade urbana do Brasil bancada pelo desenvolvimentismo verde-oliva dos militares. Enquanto a Igreja convulsionava numa luta entre a Teologia da Libertação e o velho clero, o papado reacionário, eurocêntrico e míope de João Paulo II não conseguiu enxergar que a opção pela segunda ala foi o início do fim do catolicismo romano no Brasil - o velho clero sempre foi uma anti-TL, incapaz de se adaptar ao novo Brasil ou a atender aos anseios de um proletariado urbano superexplorado e guetificado. A Educação Pública, que além de não ter sido devidamente reformada, foi desmontada com o advento da Democracia - estranho isso, não? -, resultou na incapacidade de transmissão de um pensamento laico para a maior parte do povo brasileiro, especialmente nas áreas mais pobres.

Do desastre da educação pública agravado nos dias da suposta democracia em que vivemos até o desmonte da Igreja Católica por ela mesma - passando pela lumpenização desse proletariado urbano no Governo FHC -, assistimos ao avanço da chamada Teologia da Prosperidade que embasa a IURD - um Deus que sai da máquina e resolve todos os seus problemas financeiros e individuais desde que devidamente remunerado, claro. Edir Macedo, fundador e líder da IURD, expande os tentáculos da sua organização fortalecendo seu instrumento midiático, a Record, ao mesmo tempo em que cria uma bacada de deputados fiéis ao lobby neopentecostal no Congresso - usando prioritariamente o antigo PL, doravante PR, não coincidentemente partido do atual Vice-Presidente da República.

O fracasso do Governo FHC e a consequente eleição de Lula coloca a endividada Globo em maus lençóis; seu modelo jamais foi economicamente viável - apenas, politicamente viável -, o que a deixa na mão de um político que ela se prestou a ser algoz poucos anos antes. O exemplo chavista de não renovar a concessão de TV para uma empresa golpista foi um susto considerável. A má vontade do Governo Lula em sua relação apesar de não ser novidade, a deixa entre cruz e a espada: Romper totalmente com o Governo significaria ter de suportar alguns dias do livre mercado, enfim, um suicídio; calar por completo, seria pior ainda. Nesse meio-tempo, a Record apóia Lula mais fortemente ainda na reeleição em 2006 e ganha uma nova concessão pública - a Record News. A Guerra está aberta - e detalhe, meu caro leitor, no que toca as reportagens em relação a Outra, nem uma das duas está faltando com a verdade.

6 comentários:

  1. Hugo,

    A questão da guetificação e periferização nas cidades grandes e médias, associada à atrofia do discurso social na Igreja Católica criou, como você sugere, um campo propício à expansão do neopentecostalismo - ainda mais numa era em que o imediatismo, econômico ou sensorial, é traço distintivo.

    O certo é que a guerra está declarada e que, como você diz no encerramento do artigo, nem uma das duas emissoras está faltando com a verdade. Já quanto às consequências,são uma incógnita: tanto podem propiciar um avanço institucional, com os podres de ambas vindo à tona, quanto detonar uma guerra religiosa que torne o ar ainda mais irrespirável.

    P.S. Adorei a pintura do Van Gogh, nunca tinha prestado atenção nessa, especificamente.

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  2. Maurício,

    Sou pessimista quanto as consequências desse confronto. Teoricamente, é maravilhoso que hoje exista uma força midiática capaz de bater na Globo de uma forma que ela sinta, mas quando você se pergunta sobre quem é ela, se choca; é o velho Brasil sendo agredido por um novo velho Brasil.

    Edir Macedo é um dos maiores atores políticos do Brasil nos últimos vinte anos e cresce tanto pelo fato de ser um grande estrategista quanto por ter sido subestimado de início; joga como ninguém nas variáveis desse Brasil tosco que os Militares nos legaram e soube usar como ninguém dos avanços do Lulismo - que a mídia corporativa tradicional deixou cair no seu colo por burrice.

    A única coisa que eu posso ver de positivo nisso tudo era caso as duas se destruíssem no confronto - o que, infelizmente, duvido que vá acontecer.

    P.S.: Esse quadro de Van Gogh expressa muito bem o que é o Brasil de hoje, confuso e tendo suas trevas rompidas por luzes desfocadas no cenário parecido com um pesadelo.

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  3. Na verdade, quem está mais propício a se dar mal é a Record e a IURD, já que enquanto o Jornal Nacial atinge quase toda a população, o Jornal da record tem um dos seus piores índices, mesmo com Celso Freitas e Ana Paula Padrão... a igreja vai ter que dar muita grana mesmo para bancar briga financeira com o SBT e política com a Globo...

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  4. Paulo,

    É preciso poderar o seguinte: Há anos atrás quando Record e Globo se batiam, a diferença entre elas era várias vezes maior do que é hoje. Isso não acabou com a primeira, muito pelo contrário. Se pegarmos as duas hoje, veremos que a Record está numa trajetória ascendente enquanto a Globo segue trajetória oblíqua, isso faz toda diferença. Quando a dinheiro pra lá ou para cá, nesse negócio de TV conta mais quem é que está no poder e qual a sua relação com ele porque sem isso, mais do que sequer entrar no ramo - o que depende de concessão -, ninguém sobrevive - e nesse sentido, a conjuntura é mais favorável para a Record também, só podendo deixar de ser se o vento soprar para o outro lado em Brasília.

    abraços

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  5. Nessa guerra política-midiática vai sobrar é para os verdadeiros cristãos, sejam eles, católicos, evangélicos ou de outros segmentos e para o cidadão honesto e trabalhador que não querem nem saber dessa guerra podre pelo poder. Tudo isso vai resultar em mais enganação da fé das pessoas simples ou custar mais imposto roubado do bolso dos trabalhadores e para ambos os segmentos cada dia menos liberdade de defender os princípios bíblicos e mais espaço para libertinagem auto-destrutiva da sociedade e assim, eles nos controlarão com a mão de ferro do materialismo e do amor ao dinheiro. Na verdade pensam que irão controlar poir o verdadeiro Senhor está a caminho, Jesus Cristo, ele destruirá essa iníqua velha nova ordem mundial.Enquanto isso os justos que morrerem, pensa o mundo que são coitados, serão os mais felizes por serem resgatados desse barco afundando. Mas, afinal quem tem fé para crer nisso? Abração a todos os internautas, Ildo Gaúcho

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  6. Ildo Gaúcho,

    Concordo em grande parte, no entanto, não posso deixar de fazer uma ressalva no sentido de que a "libertinagem auto-destrutiva da sociedade" e o "amor ao dinheiro" não estão conectados apenas ao "materialismo", mas também à prática e ao pensamento religioso - aliás, esse próprio caso revela bem isso...

    abraços

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