Eu tenho acompanhado, consternado, a todo esse embróglio hondurenho desde o começo - e não escrevi nada acerca do mais novo episódio dessa novela simplesmente porque, cada vez mais, compreendo menos o que realmente está acontecendo. Neste exato momento, me vejo às voltas como os meus botões tentando juntar as peças, especular e, quem sabe, chegar a uma teoria aceitável do que se passa por ali; o Presidente de jure da República de Honduras, Manuel Zelaya está na embaixada brasileira em Tegucigalpa depois de ter entrado de finalmente ter conseguido voltar ao seu país. Detalhe: A embaixada brasileira está sitiada por tropas sob as ordens do Governo Golpista e água, luz estão cortadas. O Governo golpista - aquele que a comunidade internacional consensualmente não reconhece - exige que o Governo brasileiro entregue Zelaya.
Venhamos e convenhamos: Um erro bastante recorrente entre muitos pensadores de esquerda é aceitar a visão vendida pela ideologia hegemônica na qual o Direito se resumiria a uma estrutura meramente formal, objetiva e neutra, o que os faz rechaçar prontamente o Direito em si ao invés de demonstrar o quanto essa visão é falaciosa; evidentemente, o Direito possui uma dimensão formal, mas não se resume a ela; ele também possui uma dimensão material e outra substancial que, no entanto, são colocadas de lado pelo doutrinarismo jurídico padrão, principalmente quando se busca determinar o que é um Estado de Direito - o que não deixa de ser astucioso, afinal de contas, se fossemos discutir isso esses dois outros aspectos do fenômeno jurídico, nos pegaríamos diante de uma inevitável crítica ao Capitalismo.
Pois bem, pelo doutrinarismo jurídico padrão, Honduras era um Estado de Direito e estamos diante de um Estado de Exceção. Todavia, eu, aqui do meu cantinho, sustentaria que Honduras jamais foi um Estado de Direito e que o Golpe em questão foi apenas a concretização de uma das várias possibilidades decorrentes das contradições estruturais daquele país. No entanto, tal evento desconstruiu algumas bases que um dia poderiam servir para reversão desse quadro - que, aliás, não difere em essência, talvez apenas em gradação, do que ocorre ao redor do resto do planeta.
Seguindo adiante, vemos os golpistas hondurenhos, que apesar de não contarem com o apoio formal ou público de nenhum Estado ou organização relevante da comunidade internacional permanecem agindo de maneira consideravelmente temerária, o que faz as pessoas razoáveis desconfiarem do que realmente se passa lá dentro. No atual momento, o cerco à embaixada brasileira em Honduras é um sinal significativo do quanto essa situação parece descambar para um desfecho trágico.
Se boa parte das normas do atual Direito Internacional foram produzidas em inspiração de certas normas que já existiam entre as poleis helênicas numa tentativa de civilizar as relações entre Estados e combater a bárbarie, hoje, os sequestradores do povo hondurenho passam por cima de tudo isso e promovem o achincalhe da civilização em um evento histórico cujos desdobramentos históricos, principalmente no que concerne à construção da Democracia no continente, serão pesadamente sentidos - e, ironia das ironias, é nos ombros do Brasil que pesa a resolução disso.
Lula, por sua vez, compreendeu a dimensão histórica desse evento e o Brasil tem trabalhado duro para o desmonte dessa bomba relógio - apesar da simpatia que alguns setores da nossa sociedade nutrem em relação ao que houve na América Central; só resta saber se se esgotarem todas as possibilidades diplomáticas de resolução do problema - e falta pouco para isso acontecer - como reagiremos.
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