terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ponderações Políticas e Jurídicas sobre Cesare Battisti


Esta semana, será apreciado o pedido de extradição de Cesare Battisti, italiano, ativista de esquerda com atuação nos chamados anni di piombo e condenado na Itália por supostos homicídios cometidos nessas ações armadas - condenação amparada no depoimento de Piero Mutti (líder da organização em que Battisti atuava) feita no regime de delação premiada. É uma história longa e confusa que o João Villaverde explicou muito bem há alguns meses lá no seu blog.

Pois bem, Battisti fugiu para a França e lá viveu durante anos protegido pela Doutrina Mitterrand - um ato normativo do Presidente da República Francesa que concedeu asilo para muitos ex-combatentes italianos dos anos 70. Com a derrubada dessa Doutrina pela Conselho de Estado francês, Battisti, que havia reconstruído sua vida naquele país e se tornado premiado escritor de romances policiais, se viu obrigado a fugir, passou pelo México e acabou no Brasil, onde foi preso no Brasil pela nossa Polícia Federal.

Dali em diante, Battisti, preso na carceiragem da Polícia Federal, iniciou uma luta inglória para não ser extraditado para a República Italiana. Ele conseguiu uma vitória importante ao ser reconhecido como refugiado pelo Governo Brasileiro, o que acirrou os ânimos tanto da direita berlusconiana - ora no poder por aquelas terras - quanto pela direita brasileira, sempre no afã de atacar gratuitamente o Governo Petista custe o que custar - ainda mais quando ele se presta a aplicar o direito positivo pátrio, o que nesse acabou favorecendo um ex-ativista de esquerda, sendo que em situações similares, como a do ex-ditador paraguaio (e de direita), Alfredo Stroessner o silêncio foi ensurdecedor, o que apenas demonstra o quanto a posição política do refugiado importa.

Mais do que isso, os posicionamentos histéricos de figuras progressistas como o jornalista ítalo-brasileiro Mino Carta e do jurista Wálter Fraganielo Maierovitch, ambos misturando alhos com bugalhos - e de maneira ofensiva -, apenas provaram o quanto os problemas italianos dos anos 70 ainda estão mal resolvidos.

Vamos direto aos pontos: Legalmente, a extradição de Battisti é impossível. O art. 4º, X da Constituição Federal dispõe claramente que um dos princípios concernentes às relações internacionais que regem a República Federativa do Brasil é, justamente, o da concessão do asilo político. O art. 5º, LII, por sua vez, assevera que não é permitida a concessão de extradição para estrangeiros por crime político ou de opinião. A jurisprudência do STF reconhece que os crimes conexos aos crimes políticos - ou de opinião - também não permitem concessão de extradição. Por fim, o art. 33 da Lei 9.474/97 prevê que o extraditando não pode ser considerado, oficialmente, como refugiado pelo Governo brasileiro. A punibilidade não pode estar extinta por prescrição pela lei brasileira ou pela lei do Estado requerente - e está aqui no Brasil, haja vista que os ditos crimes aconteceram há mais de vinte anos.

Enfim, o debate se Battisti é ou não culpado dos crimes pelos quais foi condenado - e eu não apostaria nisso pela maneira como o processo foi conduzido à época - é irrelavante à luz do nosso direito positivo; ele não poderá ser extraditado e qualquer coisa que aponte nesse sentido será uma decisão de cunho político - e, atentem, rasgará de vez a nossa Constituição.

Resta analisar o fenômeno político por detrás de tudo isso: Escrevo tanto sobre a ensandecida direita italiana que, por ora, governa aquele país e tem agido de forma desrespeitosa com o Brasil, mas também faço referência à maior parte dos nossos setores direitistas, ávidos por atacar qualquer coisa que se mova, faça sombra e não pareça pertencer aos anos 20 - seja por sua falta crônica de conteúdo programático ou por sua ausência total de capacidade crítica. Também está se operando uma falsa conexão entre o caso Battisti e a punição aos torturadores do regime militar brasileira; concorde você ou não com Battisti, parta você ou não do pior cenário possível, mas ainda assim essa simetria é falsa: Estamos falando de um pessoa que nunca sequestrou um país ou agiu sob à sombra confortável do Estado, muito pelo contrário - isso não passa apenas de um factóide com terceiras intenções.

No entanto, esperemos; no alto de meus vinte e poucos anos de idade, já não me surpreendo com mais nada...

Atualização de 09/09/09 às 22:28: A sessão foi suspensa marcando 4x3 em favor da extradição. Prometo, assim que puder, uma análise mais apurada da questão, mas o que dá para adiantar rapidamente é como o Direito foi preterido pela política nos votos de Peluso e Elen Gracie - o que não me surpreende, mas no que toca Ayres Britto e Lewandowsky, sim. Eros Grau, Carmén Lúcia e Joaquim Barbosa deram votos tecnicamente bons. A sessão foi suspensa e ainda faltam os votos de Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. A coisa está feia.

9 comentários:

  1. Hugo,

    Não poderia concordar mais com o seu post, que me dá o alívio de uma opinião com conhecimentos jurídicos balizados.

    São inaceitáveis tanto a pressão do governo italiano - que tem extrapolado todos os limites do bom senso diplomático - quanto a atitude de Carta e Maierovich - o que, devo confessar, não é surpresa nenhuma para mim: esses dois são dois elitistas que se auto-tingiram de esquerdistas. Esquerdistas com caviar e champagne, é claro.

    Vamos torcer para que as leis e o bom senso predominem.

    Um abraço,
    Maurício.

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  2. Maurício,

    Muito me honram os elogios do amigo - esse é mais um daqueles posts que a gente, mesmo com toda falta de tempo e cansaço, tem de escrever sob pena de ficar com algo engasgado na garganta.

    Sobre, Maierovitch, não me espantou - conheço o mundo jurídico brasileiro o suficiente para não cair de costas por coisa miúda -, mas a maneira como Mino reagiu neste caso, abalou consideravelmente a visão que eu tinha dele.

    Vamos torcer pelas leis e pelo bom senso, mas torçamos, sobretudo, contra O Ridículo - e olha que ele insiste em se materializar no Brasil contemporâneo.

    abração

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  3. Ótimo post, Hugo. Como sempre, by the way.

    Os (italianos e brasileiros) que defendem a extradição partem de um pressuposto muito frágil: a Itália dos anos 70, contra a qual Cesare Battisti se insurgiu, era um mar de tranquilidade política e institucional.

    Ou seja, querem fazer entender que Battisti é como os "baderneiros" dos movimentos sociais ou ainda como "terroristas" que lutam contra a democracia.

    Ignoram que a Itália dos '70 foi o palco para o brutal assassinato de Pier Paolo Pasolini, um dos mais criativos artistas (poeta, cineasta, escritor, etc.) do século XX. Pasolini era, como todos sabemos, francamente marxista. Mas isso é coincidência. A Itália estava calminha nos anos 70...

    Um abraço

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  4. João,

    Valeu, meu caro - a gente se esforça. Essa tese de qualificar os anni de piombo como de normalidade de Direito e Democrática é tão patética que se pessoas não corressem o risco, ainda hoje, de perderem a liberdade por isso, eu riria. Só para reforçar: mesmo que os crimes de Battisti fossem verdadeiros e essa tese fosse válida, ainda restaria a prescrição e o fato de Battisti ser refugiado político...

    abração

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  5. Caro Hugo, permita-me uma pequena correção. No quinto parágrafo está escrito:

    "O art. 5º, LII, por sua vez, assevera que não é permitida a concessão de asilo político para estrangeiros por crime político ou de opinião."

    O artigo 5º, inciso LII, estabelece justamente o contrário:

    "Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião."

    Portanto, é obrigatória a concessão de asilo político para estrangeiros por crime político ou de opinião, cabendo ao STF determinar, em cado caso, se se trata ou não de crime político ou de opinião.

    Um abraço!

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  6. Só uma coisa: não se pode comparar o caso Battisti com Stroessner. Este foi um ditador por décadas, aquele um militante condenado sem o "due process of law"- e isso nada tem a ver com ser esquerda ou direita.

    Quem tem politizado a questão, inclusive, é a direita. Battisti merece o refúgio (ou asilo, já que têm sido tomados por sinônimos)simplesmente por questões jurídicas. É a lei e a Constituição que estão em jogo, e não seu posicionamento político.

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  7. Tive o (des)prazer de acompanhar o voto inquisitório do Peluso hoje de manhã. Só faltou ele dizer 'às favas com todos os escrúpulos da consciência' ou algo parecido.

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  8. Pessoal,

    Desculpem a demora para responder, eu tive um dia particularmente cheio. Vamos por pontos: 1) Fabiano: Já está corrigido. Quanto ao fato de ser crime político ou não, as evidências são suficientemente claras neste sentido. 2)J.L. Tejo: De acordo, o que eu me referi é como num caso houve silêncio e agora há esse clamor de linchamento - tudo isso variando, sem dúvida, pelo posicionamento político de Battisti. Aliás, só para constar em falei em casos similares e não idênticos. 3)Luis, essa gente não tem limites.

    abraços coletivos

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  9. Hugo, eu não pus em dúvida que Battisti seja um criminoso político. Eu apenas me referia ao papel institucional do STF em processos de extradição e de asilo político.

    Mesmo que o STF afirme que o pedido de extradição é procedente, com fundamento no argumento de que Battisti não cometeu um crime político mas um crime comum, o presidente da República não será obrigado a extraditá-lo, porque a extradição é realizada pelo presidente da República na condição de chefe de Estado, consistindo, portanto, em um ato de soberania. Não obstante, dada a histeria em torno do caso, não é difícil imaginar as acusações absurdas que serão feitas contra Lula, como, por exemplo, a de que estaria desobedecendo uma decisão judicial.

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