domingo, 15 de novembro de 2009
O Resultado do Julgamento de Cesare Battisti
Sem o voto de Toffoli que se declarou suspeito por conta da atuação da AGU no caso e com os votos de Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, a votação sobre a extradição de Battisti resultou em 5 x4 no sentido de reconhecer a legitimidade do pedido. Basicamente, com isso o STF reconheceu a legitimidade do pedido de extradição do governo italiano, restando agora a decisão final ao mandatário do país sobre a extradição ou não.
O voto de Marco Aurélio Mello foi perfeito, aponta para uma série de obviedades que eu mesmo, humildemente, elenquei neste blog há algum tempo - e se coaduna com o próprio parecer de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o caso em tela. A tese criada pelo relator do caso, César Peluzo, tem uma série de falhas, passa por cima do ato administrativo do Ministério da Justiça, desconsidera a prescrição e faz uma construção confusa para justificar que o crime de Battisti não foi político - tão político em sentido estrito (ou até mesmo partidarizado) quanto a Suprema Corte brasileira.
Antes de mais nada, não custa dizer que no Brasil, todo ato administrativo - o tipo mais comum de norma jurídica editada pelo Poder Executivo, uma ponderação autonôma sobre caso concreto - está sujeito a controle judicial; no entanto, isso diz respeito aos aspectos formais do ato administrativo, ou seja, aquilo que concerne a considerações de hipóteses como se a autoridade que o editou era competente ou não, se houve má-fé no processo (e má-fé suficiente para viciar o ato) etc.
O que o STF fez no caso Battisti, na verdade, foi interferir na materialidade do ato administrativo, o que foi sim uma invasão de competência flagrante do Judiciário no Executivo - haja vista que o Ministro da Justiça é sim autoridade competente para a concessão de status de refugiado e a avaliação disso está dentro de sua margem de discricionariedade, portanto, apenas se se comprovasse um vício muito grave nesse ato, ele poderia ser ignorado. Na prática, isso não aconteceu e o STF brasileiro entendeu como legítima a extradição de um refugiado político.
Enfim, isso foi mais um episódio da novela do estranho ativismo político que o STF brasileiro está protagonizando - como o grande constitucionalista português J.J. Canotilho fez questão de assinalar na sua última (e recente) visita ao Brasil. É todo um conjunto da obra, onde o STF tem tomado para si funções que não são suas; isso, no entanto, passa ao largo de ser um fenômeno aleatório: O Judiciário brasileiro, diante das falhas estruturais da Constituição de 88 - e da anuência dos outros poderes -, cresceu como um verdadeiro leviatã nos últimos tempos, fazendo um papel de mediação sobre a prerrogativa de uma dita neutralidade, mais ou menos como os militares fizeram em um dado momento dos anos 50 no Brasil.
A atuação partidária de Gilmar Mendes como Presidente do STF, a todo momento, segue um caminho duplo: O de afirmar essa concentração de poder por parte do Judiciário ao mesmo tempo em que procura criar uma crise institucional tendo em vista as posições político-partidárias dele. Isso ficou claro no caso Daniel Dantas e está claro agora no caso Battisti - e mesmo ministros razoáveis, como um Ayres Britto, compraram essa tese.
Neste exato momento, estamos diante de uma situação extremamente complexa, onde a maior parte do STF, pondo o Direito de lado, julgou a extradição de Battisti como legítima, o que deixa Lula contra a parede - afinal, a decisão última é do Presidente da República. Arcará Lula com o desgaste provocado por esse jogo de cena fazendo uso da sua enorme popularidade - a mesma que ele raramente tirou da manga para comprar brigas - ou se curvará diante desse absurdo? Temos um problema institucional, mas se o Presidente da República não for capaz de comprar essa briga e descontruir parte dessa situação - da mesma forma política que o STF a construiu -, estaremos dando um pesado passo para trás.
Hugo, eu lembro que na época do lançamento do filmes Olga, vi uma matéria jornalística (infelizmente, não lembro onde) na qual vários juristas discorriam sobre como seria diferente o tratamento a Olga no atual ordenamento jurídico, com o STF tal como ele é hoje. No final da reportagem, um professor de direito constitucional (eu não me perdoo por não ter gravado uma cópia dessa matéria!), dizia que o STF de hoje deportaria Olga do mesmo jeito. Foi um Deus nos acuda nos comentários. Mas os fatos mostram que ele estava certo.
ResponderExcluirPatrick,
ResponderExcluirDadas as devidas proporções, estamos diante de uma aberração jurídica semelhante. Desta vez, não estamos vivendo uma ditadura, mas o STF, tomando pra si funções que não são do Poder Judiciário está tocando adiante um cruzada política que se revela tanto pelo punitivismo contra Battisti quanto pelo fato de ter jogado Lula contra a parede - como em poucas vezes ele realmente ficou durante o seu Governo.
Agora vamos ver se ele se apequena ou se prova que é um estadista mesmo: Não nos esqueçamos que a famigerada Emenda Consitucional n. 45 data do atual Governo e foi o elemento que deu o impulso necessário para todo esse ativismo (ainda que de resto estejamos diante de um julgamento de fato que simplesmente ignorou a Constituição e o Direito Positivo Pátrio além de institutos elementares como a prescrição).
abraços
Sou ateu mas estou rezando para que o Presidente da República (que fez aniversário redondo, 120 anos, e ninguém deu bola - a baixa moral até 'combina' com a estapáfúrdia decisão do STF) faça a coisa certa e conceda o refúgio a Battisti.
ResponderExcluirLuis,
ResponderExcluirMas não é, meu velho: Eu fiz duas postagens no domingo e nem me ocorreu de escrever nada sobre o aniversário da República por conta de coisas como essas - E sim, o STF conseguiu pôr Lula em xeque, esperemos pra ver qual será a atitude dele, de um titular de um cargo que ele precisa fazer sucessor(a) ou de um estadista.
P.S.: Só um detalhe: O refúgio já foi concedido pelo Ministério da Justiça, o que Lula pode fazer agora é autorizar ou não a extradição de Battisti tendo em vista a decisão do STF de que o pedido feito pela Itália é legítimo.