(Juramento da Péla - Jacques-Louis David)
Bem, pessoal, essas são algumas reflexões sobre a questão da dicotomia entre Direita x Esquerda que eu andei ruminando nos últimos dias.
Da História
Desde a Revolução Francesa, sempre que se debate Política, o espectro da dicotomia Esquerda x Direita, cedo ou tarde, acaba sendo incluída na conversa. No entanto, quando a conversa evolui, os debatedores tendem a cair em um maniqueísmo bem elementar caso foquem demais nessa questão, afinal, não há uma definição clara do que significa realmente "Esquerda" ou "Direita" no que concerne à Política. A Ciência Política trabalha mal esses conceitos e poucos se interessam em disseca-los com o mínimo de distanciamento crítico. No fim das contas, o debate é reduzido ao Bem x Mal mesmo.
Em um primeiro momento, temos o surgimento dessa dicotomia simultaneamente ao da materialização da forma de organização humana denominada Sociedade Civil na França dos anos 1790. Não é mera coincidência, acreditem. A Revolução acontecera e em decorrência dela a organização política do povo francês passou a espelhar o que os chamados contratualistas já haviam esboçado séculos antes. Se antes de Hobbes o conceito de "sociedade" em sentido lato significava parceria mercantil, a partir dali, passou a significar, a priori, a forma de organização humana segundo a qual cada indivíduo está vinculado a cada um dos demais outros membros da Pólis por meio de um vinculo jurídico solidário - que obriga cada indivíduo a proteger a vida dos demais e, em caso de perigo, possa invocar de qualquer um outro, a proteção da sua própria vida.
Isso, claro, em termo gerais. A compreensão do que é realmente a Sociedade Civil até hoje nunca ficou muito clara, muito pelo contrário, existem pelo menos duas perspectivas predominantes e que polares entre si: A primeira, hegemônica, que entende ser o indivíduo atomizado a mola propulsora da História e uma segunda, contra-hegemônica, que entende ser a coletividade a produtora do mesmo processo. São lógicas antagônicas que espelham os confrontos que nascem junto com a Sociedade Civil: Os indivíduos que se organizam dessa maneira não estão iguais entre si, existem grupos que exploram e outros que estão explorados mesmo após o processo revolucionário
Nesse contexto, na Assembleia francesa se sentavam à esquerda da Casa aqueles que, naquele momento, defendiam as classes populares, a República e uma Democracia verdadeiramente participativa, enquanto à direita se sentavam os defensores da monarquia parlamentarista, dos interesses da burguesia e do individualismo. Mais do que uma mera divisão física, tratava-se de uma posição ideologicamente antagônica; os dois grupos discordavam veemente sobre os rumos de uma forma de organização que mal havia acabado de nascer.
Essa contradição permanece - e se acirra - nas décadas posteriores até chegar em patamares verdadeiramente altos nos anos 1840, o que culmina com o Manisfesto do Partido Comunista em 1848, quando Marx e Engels estruturam cientificamente as bases e estruturas desse antagonismo; até os dias atuais, o debate da Política Ocidental - que se tornou hegemônica mesmo no Extremo-oriente gira em torno disso: Assim como todos os contratualistas, por mais que negassem alguns conceitos hobbesianos - ou mesmo se contrapusessem veementemente a eles -, o debate gravitava em torno das linhas mestras que o pensador inglês havia esboçado. Ocorre o mesmo conosco em relação a Marx e Engels - mesmo que muito do que eles escreveram já tenha sido superado e outra parte seja questionável, as linhas gerais continuam lá esperando sua refutação, o que não houve com a atual Crise Mundial demonstra.
Sobremais, os valores da Revolução Francesa rapidamente se espalham pela Europa e depois pelo Mundo e essa dicotomia evolui e se diversifica. A Esquerda deixa de se resumir aos jacobinos franceses e a Direita faz o mesmo em relação aos Girondinos; Tal divisão se torna sobretudo um modo de representar graficamente as inúmeras organizações, ideologias e correntes políticas nascidas do século 19º em diante. Isso se torna complexo na medida em que a quantidade de pautas se multiplicam pelos arredores do Globo e já não é mais tão fácil identificar quem é o que.
Do sentido Lógico
Um problema lógico que se apresenta nessa forma de classificação é o seguinte: À luz dos dias atuais, diante dos números movimentos existentes - ou que já existiram -, qual o traço distintivo fundamental entre Esquerda e Direita? Seria essa uma classificação ainda válida? Ela foi válida algum dia? O que uniria, por exemplo, Nazistas a Liberais na Direita e Socialistas Stalinistas a Anarquistas na Esquerda?
Vamos por pontos: A priori, classificar tudo isso em "Direita" e "Esquerda", para além do simbolismo da Assembleia Nacional, significa adotar uma classificação por meio da qual é possível representar graficamente as ideologias políticas em um plano. Se você acha que isso não é possível, abra mão dessa classificação e adote outra. Se você acha que é possível, há de concordar comigo que um plano não se limita a uma linha horizontal - e mesmo que só um eixo horizontal, o eixo vertical é imediatamente pressuposto, afinal, como você poderia discernir o que é "direita" e o que é "esquerda" em um eixo horizontal sem pressupor um eixo vertical - que lhe seja perpendicular - como referência? Então, o que o pessoal do Political Compass faz não é de um todo sem sentido. Esse dado, apesar de aparentemente tornar a discussão mais complexa, na verdade ajuda a explica-la melhor como veremos.
Voltando à Filosofia Política, o que temos em comum nos mais variados movimentos de Esquerda ao longo do tempo é, justamente, a luta pela igualdade humana como dever-ser necessário e inescapável. Na Direita vamos encontrar uma posição alheia ou contrário à Igualdade. Nazistas são defensores de um Estado grande e de um igualdade estética, mas a razão de ser da sua organização gravita em torno de uma verticalidade extremada na qual a Ditadura Soberana do Führer é um fim em si mesmo. A Igualdade não é meta nisso. Liberais, por sua vez, enxergam uma igualdade natural entre os homens e entendem que a busca pela Igualdade a posteriori é desnecessária e condenada a resultar em um autoritarismo - exceto no que concerne a isonomia e alguma equidade. O eixo horizontal é, portanto, aquele que mede o quanto cada grupo enxerga quão importante é a questão da Igualdade, portanto, ele mede a gradação de cada um - e é esse o traço distintivo histórico entre grupos de esquerda e de Direita.
Mas resta a pergunta: E o Eixo vertical que eu citei, onde entraria nessa história, afinal de contas? Simples: A crença na Liberdade é variável dentro dos dois lados da política. Liberais defendem a Liberdade assim como Anarquistas o fazem, mas os primeiros são de Direita e os segundos são de Esquerda. Stalinistas e Nazistas desprezam a questão da Liberdade, mas possuem projetos cujos fins são mutuamente excludentes. Esse eixo, portanto, diz respeito ao método.
Da Importância Prática
Basicamente, escapar ao senso comum político vigente, eminentemente dogmático e maniqueísta, que coloca a questão dos espectros políticos como uma questão aprioristicamente de moral - apelando, inclusive, para a muleta da acusação de que o adversário pertence, necessariamente, a um lado do espectro político ontologicamente contrário à Liberdade, quando, na verdade, existem em correntes em ambos os lados que estão pouco se lixando para essa questão. Isso não quer dizer que os dois lados estejam certos, que há uma simetria de efetividade entre ambos à luz do processo histórico, mas simplesmente que existem pelo menos quatro combinações de posições quanto à Igualdade e à Liberdade possíveis - o que suscita a validade dos valores consagrados pela Revolução Francesa e que apenas levantam a bola de se e como a tão esquecida Fraternidade poderá um dia ser materializada formal, material e substancialmente.
Embora a terminologia tenha se consolidado após a Revolução Francesa, a dicotomia esquerda x direita sempre existiu, de certa forma, na História - o episódio dos irmãos Graco é o exemplo mais emblemático dessa dicotomia em tempos pré-modernos.
ResponderExcluirVocê fez um balanceamento do papel dos ideais da Revolução Francesa nas forças de esquerda e direita. E a Fraternidade, Hugo?
Luis,
ResponderExcluirMuito bons os pontos que você levantou. Eu, pessoalmente, prefiro restringir a dicotomia Direita x Esquerda à realidade pós-Revolução Francesa, afinal, estamos falando de uma polarização que decorre da contradição elementar que gira em torno do conceito de Sociedade Civil - conceito o qual só se materializou naquela ocasião; é muito difícil falar em conflito de interesses na comuna medieval ou mesmo na Cidade Antiga, pois o indivíduo não era considerado em si na medida em que era apenas uma parte da coletiividade engolfado pelo todo.
Muitas vezes, fazemos uma leitura um pouco viciadas de como eram as relações intersubjetivas no plano coletivo na Idade Média ou na Antiguidade - de certa forma, Marx fazia isso -, o que dá a impressão de que essa dicotomia poderia ser possível. De tal forma, a questão dos irmãos Graco - ou mesmo da dicotomia entre democratas e aristocratas em muitas das cidades helênicas - acabam tomando contornos parecidos com a confrontação Direita x Esquerda atual, mas a pergunta que essas polarizações buscavam resolver, mesmo tendo a causa econômica como fundo, não era a mesma.
Já a Fraternidade se trata de uma questão bastante complexa: Assim como as duas outras partes do tripé que constitui a essência da Sociedade Civil, ela possui uma dimensão dupla, situando a primeira no mundo do ser e a segunda no mundo do dever-ser; a sua primeira dimensão implica no simbolismo correspondente ao vínculo jurídico solidário que une os indivíduos e assim produz o tecido social; por sua vez, sua segunda dimensão - a deôntica - implica na hipotenusa necessária cujo fim seria unir os vetores da Igualdade e da Liberdade, impedindo o esgarçamento da Sociedade Civil dando-lhe a integrididade necessária atinja sua finalidade - em suma, seria essa questão-chave que motiva toda essa confrontação maluca que remonta aos fins do século 18º e em relação a qual estamos bem longe de achar uma solução.
abração
Em geral, para definir a diferença DIREITA x ESQUERDA resumimos tudo ao embate INDIVIDUAL x COLETIVO. Em alguns eixos é verdadeiro, como na Economia (neoliberalismo x intervencionismo estatal) ou na Participação Política (mesmo os anarquistas consideram que o interesse coletivo se sobrepõe ao individual neste caso).
ResponderExcluirRessalto que tal simplificação não cabe em um eixo em particular: o eixo dos Costumes (exatamente o que embasa o conceito americano CONSERVATIVE x LIBERAL). Em geral a Direita se apega aos valores tradicionais e reacionários (coletivamente aceitos), enquanto a Esquerda prefere os valores modernos e transformadores (da liberdade individual).
Existe uma simplificação bem rasteira: a Esquerda é quem defende os oprimidos, a Direita é a que defende o status quo. O que seria válido numa sociedade capitalista estabilizada, mas apenas nelas. A repressão aos monarquistas em 1917 colocaria os bolcheviques na Direita e o Exército Branco na Esquerda? Obviamente que não!
Esse debate é longo, e estimulante!
Abraço!
Taquaral,
ResponderExcluirSim, sim, os pontos (I)intervencionismo x livre-mercadismo e (II)defesa dos valores tradicionais x valores modernos são normalmente elencados como traços distintivos entre esquerda e direita, o que, no entanto, eu questiono:
(I)Acho que a forma de lidar com o Estado não é uma constante nos dois lados, existe uma esquerda estatista (socialistas bolsheviks) e existe uma esquerda anti-Estado (anarquistas) enquanto existe um direita estatista (fascistas) e o contrário (libertários, liberais);
(II)O Manifesto já falava em "socialistas reacionários" ao mesmo tempo em que os postivistas no Brasil passavam ao largo de serem de esquerda, mas eram modernizadores. o fato é que ser "reacionário" ou "modernizador" é, sobretudo, um posicionamento em relação ao processo histórico e não ao espectro político - o que não nos serve como traço distintivo eficiente.
Por ora, eu fico mesmo com a relação em relação à Igualdade mesmo - tendo ambos os lados posicionamentos libertários e autoritários. Claro, é um debate muito longo e estimulante.
abração
A questão do Estado é o meio. O objetivo dos classificados como Esquerda é o bem coletivo e o objetivo dos de Direita é o bem individual.
ResponderExcluirOs bolcheviques usam o Estado para forçar a coletivização. Os anarquistas querem derrubar o Estado em prol da coletivização. O fim é coletivo, o meio os afasta.
Os nazistas queriam o Estado para garantir os interesses particulares dos alemães. Os neoliberais querem o Estado sem atrapalhar seus interesses individuais. O fim é o indivíduo.
De fato os positivistas passam longe de serem de Esquerda, mas todo mundo que é de Esquerda torceu pelos Positivistas durante essa aula de História do Brasil! By the way, usei o exemplo dos costumes para questionar o critério anterior, do INDIVIDUAL x COLETIVO.
Abraço!
Exato, Taquaral, aí chegamos num denominador comum. Assim, resta apenas a questão das liberdade x autoritarismo - vale a pena pensar nela.
ResponderExcluirabração