sábado, 26 de junho de 2010
O Prólogo de uma Eleição
A Copa do Mundo, como é sabido, trata-se de um período movimentado na política nacional. Os holofotes mirados para outro canto do planeta e uma capital que fica no meio de um deserto ajudam a completar esse script. Desde que as eleições gerais voltaram a ser disputadas de quatro em quatro anos, o que passou a coincidir com o ano da Copa, mais do que movimentações astuciosas do cotidiano do poder, passamos a assistir também às articulações eleitorais que demandam ausência de holofotes. Em suma, a campanha acelera e depois congela em Junho - os movimentos agora, meu caro leitor, são meramente inerciais -, enquanto se decide agora os últimos - e muitas vezes principais - detalhes do pré-campanha para a entrada definitiva em cena.
Isso se torna particularmente interessante se levarmos em conta as peculiaridades dessa eleição. Antes de mais nada, é o pós-Lula; boa parte do que aconteceu na esquerda e na disputa pelo poder desde o início da Ordem de 1988 girou em torno da figura desse ex-líder sindical, dessa vez, ainda que ele seja um dos principais agentes, ele está pessoalmente fora da disputa. Segundo, as relações na comunicação social sofreram uma verdadeira revolução com a Internet ganhando uma importância nunca antes vista na nossa História enquanto, por outro lado, a capacidade da mídia tradicional - corporativa, oligárquica e adepta do monólogo - influenciar decisivamente o voto virou fumaça.
O ponto é que o Governo Lula, apesar dos seus muitos erros, triturou o PSDB ao longo desses últimos anos, deixando aos setores conservadores da sociedade apenas o espaço dos meio de comunicação corporativo para reagirem, partindo para uma tática suicida de desqualificação e demonização da sua figura, do PT e de seu governo. Evidentemente, isso estava fadado ao fracasso, mas antecipou em pelo menos um ano as eleições. Do lado da esquerda, a formalização da aliança tácita com o PMDB de Temer - aquela mesma que serviu como sustentáculo do Governo Lula durante um período superior a sua metade - apenas ampliou sua perplexidade - e não há termo melhor para definir o sentimento atual do que perplexidade, como bem anota o Professor André Singer.
O ponto é que o Lulismo diminuiu consideravelmente a miséria do país com uma conjugação de políticas de desenvolvimento econômico com políticas redistributivas, o que fez com que a eficácia eleitoral do clientelismo diminuísse - mesmo que pela via da assistência - e, por tabela, poderosos esquemas eleitorais - como do DEM - virassem poeira. Simultaneamente, isso serviu para o fortalecimento de um núcleo duro, um centro de poder invisível e evidente que sempre existiu no PT ganhasse uma força descomunal e mesmo com o abalo dos primeiros anos do Governo, ele continua aí. Isso explica a aliança com o PMDB: Ela se encaixa com o projeto de poder desse núcleo duro seja no aspecto extrínseco - a disputa pela hegemonia do Estado - ou intrínseco - a disputa pela manutenção da hegemonia interna do Partido -, além, claro, de se coadunar com o interesse dos milhares de párocos de província que formam os quadros peemedibistas.
Se a direita foi desestabilizada em meio à sociedade civil pelo Lulismo, a aliança PT-PMDB marcou um novo equilíbrio nas estruturas do establishment político nacional. As formações dos palanques estaduais seguindo os ditames estratégicos-eleitorais arrebentaram com o PSDB. A formação do bloco PT-PMDB-PDT no Paraná com a candidatura Osmar Dias para o governo e a chapa Gleisi/Requião para o Senado ameaçam diretamente o único front onde o PSDB ainda leva vantagem além de São Paulo: O Sul do país. Somando isso com a última pesquisa do Ibope apontando Dilma seis pontos percentuais a frente de Serra e temos um problema. A única exceção à regra é o êxito inicial da candidatura Tarso Genro no Rio Grande do Sul, afinal, ela passa por fora do interesse do PT nacional, seja em termo de política de alianças ou política estratégica do núcleo duro, o que representa um movimento importante para a esquerda do PT na sua luta homérica - ingrata? - contra a conversão do partido em uma agremiação institucionalista e de centro.
Serra tentou dar um golpe de mestre escolhendo Álvaro Dias, senador tucano e irmão do pedetista Osmar Dias, como seu vice. O cálculo de poder era simples: Assim ele desestabilizaria a articulação do PT no Sul, formava uma chapa puro-sangue sem muitos riscos - e se livraria de uma associação com o DEM, mantendo-o na chapa pela necessidade de sobrevivência do referido partido. O resultado inicial foi que Serra desestabilizou sua própria - e pequena - base aliada. Ontem, Roberto Jefferson do PTB - aquele mesmo - anunciou, pelo twitter, que Dias seria o vice de Serra, o que provocou a ira de Ronaldo Caiado, estandarte da extrema-direita e vice-presidente do DEM, que passou a detonar a aliança com o PSDB - como se percebe pela suas últimas tuitadas -, o que fez o nosso inefável Bob Jeff reagir - "O DEM é uma merda", antológica - para depois se desdizer.
Enfim, as coisas vão mal para Serra e ele entrará Julho pior do saiu em Maio. O andamento das coisas também revela a acentuada crise do sistema partidário, cada vez mais incapaz de fazer outra coisa senão se retroalimentar e garantir o grosso da política econômica - com suas restrições, claro. Mais do que nunca, é hora para a Reflexão.
Atualização: O João Villaverde publicou uma interessante análise sobre a composição da chapa do PSDB
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