sábado, 10 de julho de 2010
Notas da Copa: Análise da Final
Amanhã, às 15:30, horário de Brasília, Holanda e Espanha disputarão a final da Copa do Mundo. Como já dito aqui é uma final inédita em vários sentidos.Tratam-se de duas importantes escolas do futebol europeu que fracassaram em decisões ao longo do tempo. A Espanha, sem dúvida, muito mais que a Holanda. Essa é a primeira final espanhola contra a terceira final holandesa. Ambas fizeram campanhas lapidares nos últimos quatro anos, sendo que a Espanha, inclusive, é a atual campeã europeia, enquanto a Holanda tombou nas quartas-de-final daquele torneio.
A Espanha sempre pagou o preço das suas intempéries políticas, seja do seu processo de unificação ou, mais especificamente, quando o grau de violência teve uma escalada ímpar a partir da sanguinolenta Guerra Civil dos anos 30 que resultou em décadas de um regime fascista, cuja existência tardia se sustentava em um nacionalismo madrilenho que oprimia as diversas outras etnias que vivem em seu território. As feridas permaneceram e permanecem em aberto, com muitas vezes o futebol servindo para a afirmação política de certos grupos. Durante o fascismo, o único modo dos catalães expressarem sua cultura era torcendo e financiando o Barcelona. O Real Madrid, era o time que simboliza o poder central. A rivalidade entre ambos, superava, certamente, o que havia nas quatro linhas e se refletia na possibilidade de existir um time unificado da Espanha que funcionasse. Ainda que a duras penas e de modo acidentado, a integração entre as várias nacionalidades que vivem em território espanhol evoluíram sob a égide das eleições livres, do europeísmo e de progressos - ainda que questionáveis - nos instrumentos políticos de respeito às culturas locais. A base desse time espanhol é o Barcelona e boa parte desses jogadores são catalães. Nem o Barça, perdeu sua função junto à nação catalã, mas, de modo impensável, anos atrás, serviu de base para a seleção espanhola.
A Holanda, por sua vez, não era um futebol relevante na Europa até os anos 70. Muito embora não se tenha notícias de grandes conflitos internos no país, ele foi um dos que mais sofreram durante a Segunda Guerra Mundial. Sua destruição quase que total marcou o surgimento de um novo país, no qual, antes e mais do que qualquer outro país europeu, cresceu uma cultura laica e progressista - a Holanda foi o primeiro país onde houve algo que se pudesse chamar de tolerância religiosa e muito da sua organização político-social influenciou o que veio a ser os Estados Unidos, essas mudanças nada mais fizeram do que contemplar algo que estava em suas origens. O futebol holandês se destaca quando da revolução tática e física pela qual passou o futebol europeu; mais do que a evolução da medicina esportiva e da tecnologia, esse salto se deu sob o impacto da superioridade técnica que a Seleção Brasileira desfilou nos gramados em 70. A partir dali, o futebol nunca mais foi mesmo. E os holandeses saíram na frente. O time de Rinus Mitchel era algo muito a frente de seu tempo e, infelizmente, perdeu duas decisões contra os dois anfitriões - respecitivamente Alemanha Ocidental em 74 e Argentina em 78.
Time por time, o retrospecto nos últimos quatro anos é bastante alto: O espanhóis chegaram à Euro 08 com 77% de aproveitamento, foram campeões daquele torneio empatando apenas um jogo - contra Itália, a quem derrotou nos pênaltis -, mas foram eliminados pelos EUA na semi-final da Copa das Confederações, ficando com o terceiro lugar do torneio. Venceram todos os jogos das eliminatórias da Copa. Agora, na África do Sul, sofreram um revés inesperado logo na primeira rodada, na derrota para a Suíça (1x0), mas venceram os outros cinco jogos - ainda que só um por mais de um gol, contra Honduras (2x0) -, fez 7 gols e tomou 2. A Holanda se classificou para a Euro 08 com 72% de aproveitamento - mas ficou em segundo lugar no seu grupo, atrás da Romênia, a quem superou no seu próprio grupo na Eurocopa -, venceu todos os jogos da primeira fase na Eurocopa, mas sofreu uma inexplicável derrota para a Rússia de Arshavin nas quartas-de-final (3x1). Nesta Copa venceu tudo que disputou, marcando 12 gols e tomando 5.
O time espanhol, na atual Copa jogou todos os jogos no 4/2-3/1, alternando mais para um 4/3/3 do que para um 4/5/1. Casillas foi o goleiro, perfeito no gol, tomando apenas quando da falha de Piqué contra a Suiça e de um chute de fora da área do Chile - que resvalou ainda na zaga -; Sérgio Ramos e Capdevilla são os laterais e compensam suas limitações jogando para o time e atuando na marcação, no miolo de zaga, Piqué e Puyol fazem o mesmo e ambos têm jogado melhor do que poderia se imaginar. Busquets foi o primeiro-volante de forma sóbria enquanto Xabi Alonso - alternando como um segundo-volante e um meia-armador - e Xavi - o maestro do time - marcaram o compasso da equipe com boa qualidade no passe, disciplina tática e ofensividade. Na frente, tivemos uma configuração consideravelmente mais rotativa, sempre da direita para a esquerda como centroavante no meio, contra a Suíça o ataque foi Silva-Villa-Iniesta, contra Honduras Navas-Torres-Villa, contra o Chile Iniesta-Torres-Villa, nas oitavas no clássico contra Portugal o time alternou um pouco no 4/4/2, mantendo Iniesta-Torres-Villa e recuando o primeiro para o meio de vez em quando, contra o Paraguai novamente Iniesta-Torres-Villa e, por fim, no jogo contra a Alemanha Pedro entrou pela ponta-esquerda para tirar a responsabilidade de Villa acompanhar Lahm, deixando-o no comando de ataque - onde não rende tão bem -, enquanto Iniesta repetiu a função de ponta/exterior-direito do jogo contra Portugal. A experiência mostra que o ataque mutável e mutante da Espanha dependeu demais de Villa, o time cria, cria e cria, mas depende na maior parte das vezes da conclusão ou da assistência do atacante - a exceção à regra é o último jogo - e ele rende bem melhor como ponta-esquerda, vindo de trás e entrando em diagonal. Se Fernando Torres seria uma escolha lógica para centroavante, sua atual fase o desabilita a tanto. Iniesta, ainda que não tão cortante pela direita, traz mais inteligência para o ataque. Fala-se que Vicente del Bosque irá entrar com o mesmo ataque do jogo passado - Iniesta-Villa-Pedro -, mas não me parece muito certo. A equipe, via de regra, está apresentando mais estabilidade defensiva do que poderia se supôr, o meio apresenta um toque de bola refinado, mas o ataque está dependendo demais das atuações individuais de Villa - que, quando não anotou, criou problemas.
A Holanda, inventora do 4/2-3/1 joga nesse sistema como ninguém, só que com que uma proposta muito mais operária do que ofensivista - como ainda era há dois anos atrás. Nada de perder jogando bonito, o objetivo é levar a Taça - essa é proposta de jogo de Bert van Marwijk. Stekelenburg faz uma boa Copa, apesar das falhas do último jogo contra o Uruguai, mas não tem uma defesa tão segura quanto a de Casillas. Pelas laterais, Van der Wiel sempre foi sóbrio na marcação, sem mais ímpetos ofensivos - mas teve sérias dificuldades contra Robinho, no primeiro tempo contra o Brasil - e Boulahrouz é o mesmo, Van Bronckhorst pela esquerda compensa suas limitações com sobriedade e experiência e fez um golaço contra o Uruguai, no miolo de zaga, a velha prática - nem sempre bem-feita - de fazer linha é a marca de defensores baixos, sem muita impulsão e que já falharam bastante neste Mundial: os titulares foram Heitinga e Mathijsen, mas Ooijer jogou contra o Brasil. No meio, De Jong e Van Bommel são os dois cães de guarda e suas atuações tem sido eficientes, mas nada espetaculares. Sneijder é o diferencial do meio - e do time: Meia completo, sabe como ninguém armar o jogo, distribuir a bola, fazer lançamentos e ainda chegar de trás como um meia-atacante. No ataque, Robben voltou, atuando bem pela ponta-direita, mas fazendo lances surpreendentes e gols, junto com ele jogam Van Persie, que faz o mais uma função de pivô do que de centroavante e Kuyt, pela ponta-esquerda, que compensa a falta de técnica com muita entrega em campo.
Ainda que o desempenho holandês nesta Copa seja melhor do que o da Espanha, sinto mais firmeza do time ibérico. Quando ele realmente precisou jogar, ele jogou - e venceu. Isso não quer dizer que a Holanda não tenha jogadores que não possam desequilibrar, mas no conjunto, a Espanha vence. O problema, claro, mora no fato que até agora ninguém parou Sneijder e Robben e que os gols laranjas não dependem apenas dos pés deles - enquanto a Espanha prossegue com seus problemas ofensivos e a dependência do excepcional David Villa. A aposta d'O Descurvo é na Espanha - ainda que o futebol holandês mereça muito um título mundial, não sei se o time atual faça jus a tanto.
P.S.: Decisão de terceiro lugar sempre é complicado, a Alemanha é muito mais time, mas o Uruguai está mais animado. Pela prostração do time alemão ao fim do jogo contra a Espanha, eu fico mais com o Uruguai.
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