domingo, 1 de julho de 2012

A "Classe C", Católicos & Evangélicos, O Novo Brasil

Os recentes dados sobre as transformações sociais no Brasil pós-Lula continuam a sair, sempre acompanhados de certa atenção e gravidade por parte da intelectualidade brasileira e global. A denominada Classe C perturba, seja nos impactos meramente econômicos, culturais ou políticos que sua ascensão resulta ou pode resultar. Quando você for pensar em "Classe C", "Nova Classe Média" ou, como preferimos, Consumitariado, esqueça simplificações. Se você consegue ver na Classe C apenas tecnobrega, novelas ou extremistas evangélicos, sua perspicácia é a mesma de quem só vê arcos e flechas, cocares e "atraso" quando pensa em índios.

Um dado interessante acerca desse fenômeno são as transformações no credo dos brasileiros. A tendência histórica de decadência do catolicismo e crescimento do neopentecostalismo, sobretudo do último quarto do Século 20º para cá, prossegue, só que agora de forma acelerada. Como nos lembra o próprio Rudá Ricci, de quem tomamos a liberdade de linkar o post, saídas fáceis como dizer que o crescimento do neopentecostalismo no Brasil remete necessariamente à consolidação do Capitalismo, ou mesmo de seu redesenho por conta da correção de forças sob Lula, é simplório - inclusive por uma cartografia da realocação dos credos no Brasil.

Uma dessas constatações, sobretudo em relação aos neopentecostais, é que as regiões que experimentaram um considerável aumento do crescimento econômico em Lula remetem a áreas pouco evangélicas como o Nordeste e Minas Gerais. Outro ponto a se notar, é que se o avanço do neopentecostalismo tem muito a ver com a nova realidade urbana brasileira - coisa que o catolicismo não soube se adaptar - por outro lado, as novas fronteiras agrícolas, abertas em caráter hiperagressivo pelo agronegócio, são marcadas pela penetração de um neopentecostalismo 2.0, com implicações políticas  conservadoras e reativas às transformações atuais. O que não o evento Lulo-Dilmista nada tenha a ver com os evangélicos.

Em outras palavras, não é que o Capitalismo leve ao neopentecostalismo, ou que o neopentecostalismo nade na mesma direção do evento produtor da ascensão da Classe C ou coincida com ele, é mais complexo do que isso - inclusive porque o Brasil é um país cada vez mais laico, feito de "católicos não-praticantes", que só não estão mais bem organizados politicamente porque partes relevantes da esquerda insistem em uma retórica de ateístas contra teístas, quando o que poderia ser pautado (e o que interessa, afinal) é a laicidade e o anti-clericalismo.

Há algo que perpassa o fenômeno do Lulismo - e sua continuação descontinuada em Dilma -  é a crise do catolicismo tradicional. Não à toa, Lula é filho da Teologia da Libertação e é a partir das comunidades eclesiais de base e das pastorais que o novo-sindicalismo e o PT ascendem. Mas a Igreja reage a esse catolicismo renovado e prefere se trancafiar em bases conservadoras, incapazes de compreender o Brasil do final do século 20º - um misto de hecatombe urbana com a desagregação social do capitalismo 2.0 que as igrejas neopentecostais, flexíveis e ramificáveis soube bem se aproveitar.  

A aliança que conduziu Lula à Presidência, no já distante 2002, dava pistas do que poderia ser o resultado final do seu governo. Porque o PT, majoritário entre os setores organizados da sociedade, percebeu que esses setores, em vista do tamanho da sociedade brasileira, era insuficiente, portanto, era preciso abraçar o povão, os pobres - na sua linguagem, na sua estética, em seus desejos. Para um partido de esquerda, no qual o marxismo tradicional ocupava um papel importante, isso sempre produziu uma certa crise, uma inquietude senão de personalidade, ao menos de como agir.

A guinada da Igreja ao conservadorismo - e seu consequente recuo depois do avanço do Vaticano II - leva o PT, um movimento fortemente católico - aliás, o maior movimento político vinculado de algum modo ao catolicismo a surgir no Brasil - a ser jogado na berlinda e precisar se agenciar com setores evangélicos para chegar, e se manter, no poder. O que é tão paradoxal quanto as lideranças evangélicas precisarem de um força de esquerda no governo para ascenderem, embora a ascensão dos pobres, mais dos quais seus fiéis, se por um lado representa mais ganhos para seus negócios, por outro lado, é uma ameaça vindoura, pois eventuais laços de solidariedade e segurança social estimulam a laicidade.

A questão é que o Consumitariado não é conservador, mas querem - porque precisam - que ele seja. Ele é o precariado - o bolsão da  classe média empobrecida e dos pobres errantes - autorizado a desejar e com meios para satisfazê-lo; sua explosão é polifônica e multicolor, justamente pela sua potência, sua errância e sua propensão a ser quase inominável - e inordenável, por tabela. A armadilha da economia da dívida é um caminho para tanto.  









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