Meme contra Ana de Hollanda, ainda no início de sua gestão (Barbara Szaniecki) |
Ontem, Ana de Hollanda foi demitida do Ministério da Cultura (MinC) após uma reunião de meia-hora com a presidenta Dilma Rousseff, sendo substituída pela senadora Marta Suplicy (PT-SP). A escolha de Ana de Hollanda para o Ministério da Cultura, lembremos, foi a primeira grande polêmica de Dilma na Presidência. Não só pelo fato disso ter marcado um recuo e, de certa forma, o desmonte nas políticas inovadoras e libertárias de Gilberto Gil e Juca Ferreira no MinC como, também, pela própria torpeza da ocupante do cargo, uma irmã obscura, e com pouquíssimo traquejo político, do antológico cantor e compositor Chico Buarque.
Muito do que diz respeito à continuação descontinuada de Dilma em relação a Lula, sobretudo tudo no que toca ao giro Ordem & Progresso, é, não raro, ignorado ou relativizado pela competência dos ocupantes dos ministérios, o que não acontecia no caso de Ana: politicamente indefensável e odiada pelos militantes e especialistas da área de sua pasta, ela foi uma bola fora sob qualquer ponto de vista. Foi sob a gestão de Ana que o MinC deixou de usar a licença creative commons no seu site -- um belo simbolismo no que toca à capitulação ao lobby dos direitos autorais --, que voltou a rufar os tambores para o mito da "classe artística" -- em detrimento de pensar a produção cultural como multitudinária e plebeia -- além de manter sem ânimo e (quase) por inércia os programas da gestão anterior.
Poderíamos começar especulando o motivo que levou Ana a cair, mas seria melhor questionar, antes de mais nada, por que diabos ela não caiu antes. Não caiu porque Dilma teve problemas em ministérios demais em tempo de menos -- pois, paradoxalmente, se quase não há mais oposição neste país, também não parece haver mais do que alguns elétrons livres na chamada base governista -- e porque, no limite, o projeto de Ana não destoava do giro promovido pela própria Dilma em outras áreas. Depois, ela caiu porque roeu a corda, rompeu com aliados pesados seus como Antônio Grassi -- seu fiador junto ao lobby da "classe artística" no Rio de Janeiro -- e teve uma carta sua para a ministra do planejamento, Miriam Belchior, na qual fazia duras críticas ao "estado da cultura" no país -- isto é, o valor insatisfatório da verba da pasta -- repercutida pelo jornal O Globo.
Se Dilma sabia que, no fundo, só era ela mesma a segurar a ministra no cargo, por outro, imaginava que ela viesse a ter qualquer tipo de gratidão profunda por isso. A carta n'O Globo foi o fim da linha, como fica claro na declaração oficial de apaziguamento em meio à polêmica, tornando Ana uma ministra sacrificável no jogo político. Sua queda, contudo, talvez tenha sido adiantada pelas tensões relativas à disputa pela prefeitura paulistana, onde a tentativa de costurar apoio de Marta Suplicy à candidatura de Fernando Haddad, dentro do próprio PT, parecia impossível, tornando o oferecimento do MinC para a senadora -- a exemplo do que já tinha sido feito com Aloísio Mercadante e o Ministério da Educação -- uma possibilidade selar a união do partido da estrela. Foi o que aconteceu. A entrada "para valer" de Marta numa campanha na qual ela relutou até o último momento se deu junto de sua entrada no MinC.
Certamente, a entrada de Marta no cargo marca, por si só, a possibilidade de uma melhora na pasta, o que não quer dizer muito, mas não é de um todo ruim. Mas Marta não é da área e resta saber que direcionamento ela vai dar. Sua gestão na prefeitura de São Paulo (2001-04) foi marcada por iniciativas ousadas na forma de projetos que ela bancou -- embora nem sempre tenham sido de sua lavra pessoal, como os CEU's, criação do ora candidato Fernando Haddad -- e, por outro lado, aproximações com o mercado e a iniciativa privada, sobretudo no que diz respeito à área de moradia e urbanismo, cujos resultados práticos foram ruins. No entanto, Marta certamente foi melhor prefeita do que líder partidária. Fica o detalhe para a completa incógnita de Marta no MinC, uma vez que alheia à área da pasta, ela será o que os assessores que ela escolher -- possivelmente segundo o que partido orientar -- forem. Fora do eterno confronto Bahia x Rio na Cultura, Marta pode ser tudo e nada.
Essa articulação sela a paz no PT -- pelo menos até o ponto que demanda a presente eleição municipal paulistana -- em momento no qual Haddad cresce, possivelmente ultrapassa José Serra, mas precisa adquirir mais massa crítica para tirar de Celso Russomano um eleitorado que é petista, votaria em Marta, mas não está com ele agora -- embora a classe média e os mais jovens venham se aproximando de Haddad de um modo que não se aproximariam de uma nova candidatura Marta (como foi, aliás, nos pleitos de 2004 e 2008). Interessante notar pelo menos dois coisas: como a candidatura Haddad forçou o PT paulistano à esquerda, obrigando Dilma a compensar forças conservadoras, e em certa medida personalistas, com espaços no plano nacional -- Marta no MinC, Mercadante no MEC, Tatto na liderança do PT na Câmara -- e, é claro, o descompasso e a falta de diálogo de Dilma com os ativistas da área de Cultura, muitos dos quais seus fiés apoiadores em 2010; Ana de Hollanda terminou caindo por motivos diversos e até estranhos ao debate travado ao longo dos últimos vinte meses...
É Hugo, essa troca de ministras foi um prato cheio pra quem adora ter um motivo para falar (mal) do PT, de negociatas, trocas de apoio por cargos (e aí vêm as lembranças do mensalão) e acordos espúrios. Foi o assunto do dia, ou melhor, da noite, no meu trabalho.
ResponderExcluirMoro num bairro periférico, longe do centro, uma pequena ilha com boa infra-estrutura urbana _sem áreas de lazer, claro!, cercada de caos por todos os lados. Votamos em massa no Jânio, lembro bem das vassourinhas. Maluf reinou por aqui também, por algum tempo, recentemente foi a vez de Serra portar a coroa, mas agora o povo daqui anda meio dividido e confuso, entre Serra, Soninha (moderna, descolada, ecológista, que fala a verdade doa a quem doer...)e, como não podia deixar de ser, Russomano, mas dá pra perceber que rola uma desconfiançazinha em relação a ele, mesmo entre seus eleitores assumidos. A ligação dele com o IURD incomoda. Ainda mais a gente acha que é classe média, sabe...
Também trabalho da periferia, na periferia do meu bairro, digamos assim, em uma comunidade bastante precária, onde a Marta é muito querida. É aqui que a Marta pisou na bola legal. Dos moradores com quem conversei (e nas conversas que ouço), boa parte eleitores da Marta e do PT, a maioria vai de Russomano. E é um povo decidido essa das periferias (aqueles que sabem que não são classe média). Aqui o Russomano é como massa da pão: Quanto mais bate, mais cresce. Ainda é cedo pra dizer, mas se Haddad não foi para o 2º turno, essa(ir)responsabilidade pode ser debitada na conta da ex-prefeita, em sua demora em desinflar um ego ressentido e apoiar o candidato do seu partido.
Abração!
Boa análise,Edu, é mais ou menos por aí: houve dois grandes realinhamentos eleitorais que incidem sobre essa campanha municipal, ambos ligadas a tensão de forças causada pela ascensão selvagem da classe sem nome -- que você retrata muito bem, diga-se -- sendo a primeira nacional, com o PT ocupando a posição de partido dos pobres e a segunda, municipal, com a candidatura Haddad se aproximando da classe média tradicional sem, no entanto, atrair de imediato os pobres que se converteram em base do PT. Nesse sentido, a hesitação de Marta e sua adesão agora produzem efeitos poderosíssimos, que se distribuem no futuro da política de cultura do país (que é foco deste post), na própria corrida pela Prefeitura e, por fim, num aspecto não analisado que é o equilíbrio de forças no Senado, uma vez que sua cadeira será ocupada por um vereador paulistano conservador e cujos posições em direitos civis lhe são opostas. Nessa brincadeira toda, melhoram as coisas no MinC -- o que, a julgar pela base de comparação, não significa muita coisa num primeiro momento --, melhoram na corrida municipal -- na qual Haddad e os indecisos cresceram hoje enquanto Serra e Russomano caíram -- e pioram na Câmara Alta do Congresso.
Excluirabraços
Hugo, só corrigindo...
ResponderExcluir(...) se Haddad não for para o 2º turno...
Veremos o que acontece nas próximas semanas!
ResponderExcluirSobre essa "nova classe média" eu ainda tenho um pé atrás. O que será que será essa nova classe média ou qualquer outro nome que derem a ela? Eu li o seu texto do post anterior. Muito bem escrito, como sempre. Um pouco denso de mais para mim, confesso _ :) _ mas muito bom.
Eu estou longe das discussões acadêmicas ou políticas em torno dessa tal nova classe média ou qualquer outro nome que deem a ela, mas ainda não me convenci de que ela exista. Talvez pela contradição do termo "Classe baixa alta" eu preferiria continuar usando o velho conceito de "classe média baixa", que praticamente desapareceu das análises econômicas e políticas. Pessoalmente acho que uma classe que não tem renda suficiente sequer para financiar um imóvel próprio e que depende dos servições públicos de saúde e educação, não pode ser chamada de classe média. Sem contar que essa consciência de classe, entre indivíduos tão heterogêneos, inexiste.
É inegável que houve uma melhora substancial no rendimento das famílias mais pobres, mas não acredito que tenha sido o suficiente para provocar uma ascensão de classe, no máximo tornou acessíveis alguns bens que antes eram considerados luxo. E eu acho que a ampliação do acesso ao crédito, aliada a queda de preço de alguns bens (importados) e serviços teve mais impacto nisso que o aumento da renda. Eu diria até que a estabilidade de uma situação de pleno emprego e baixa inflação, portando de maior segurança financeira, é fator mais importante e significativo para esse aumento do consumo _ e de aprovação aos governos Dilma/Lula que o aumento da renda em si.
Forte abraço!