Em artigo exclusivo para O Descurvo, Lucas Portela, do excepcional blog O Último Baile dos Guermantes, sobre o significado profundo da premiação de Ricardo Castro com o título de membro honorário da Royal Philarmonic Society.
Esta semana, pela primeira vez um brasileiro recebe o título de Membro Honorário da Royal Philarmonic Society, me refiro ao pianista bahiano de Vitória da Conquista, Ricardo Castro. Com seu nome singelo, o título é no entanto mais importante do que parece: sua primeira atribuição foi a ninguém menos que Carl Maria von Weber, o elo perdido entre o alto barroco, o romantismo e o modernismo de um século depois; Clara Schumann, a mulher de Schumann ao meu ver mais importante do que ele (uma espécie de Ana Magdalena Bach ao contrário: se esta passivamente levava Johan Sebastian a escrever pérolas, Clara praticamente empurrava Robert para fora de sua depressão moralmente covarde), recebeu em meados do século XIX; a última sinfonia de Beethoven foi uma encomenda da Royal Philarmonic Society para a entrega deste tipo de título. Não é pouco.
Esta semana, pela primeira vez um brasileiro recebe o título de Membro Honorário da Royal Philarmonic Society, me refiro ao pianista bahiano de Vitória da Conquista, Ricardo Castro. Com seu nome singelo, o título é no entanto mais importante do que parece: sua primeira atribuição foi a ninguém menos que Carl Maria von Weber, o elo perdido entre o alto barroco, o romantismo e o modernismo de um século depois; Clara Schumann, a mulher de Schumann ao meu ver mais importante do que ele (uma espécie de Ana Magdalena Bach ao contrário: se esta passivamente levava Johan Sebastian a escrever pérolas, Clara praticamente empurrava Robert para fora de sua depressão moralmente covarde), recebeu em meados do século XIX; a última sinfonia de Beethoven foi uma encomenda da Royal Philarmonic Society para a entrega deste tipo de título. Não é pouco.
Antes de Ricardo, o único latino-americano a receber esta honraria foi José Abreu, criador do venezuelano El Sistema - a mãe e o pai de todo e qualquer modelo de sinfônica jovem atual que não queira ser nem caridoso nem colonialista, nem tutelar. Aliás, neste ano de 2013 todos os novos membros honorários receberam a graça não por suas qualidades estéticas, mas por seu intenso compromisso político com a música erudita como meio de transformação social, empoderamento e autonomização: um ex-piloto de avião comercial, e músico autodidata, que fundou uma orquestra sinfônica em Kinchasa, Congo, África Central (orquestra que seria humilhante para qualquer outra do mundo, quanto mais se se considera que seus membros ainda padecem de fome física e toda sorte de misérias); um mantenedor de orquestras jovens nos guetos negros e latinos das cidades ricas norte-americanas;uma senhora que mantem um conservatório instrumental de cordas em Soweto, África do Sul; e o fundador de uma escola de música em Kabul, Afeganistão, em plena guerra de ocupação; e o Neojibá.
O Neojibá é algo de que todos os brasileiros deveriam se orgulhar, admirar, e contribuir. Não porque seja uma "orquestra de meninos pobres" - não tem coitadismo, e se moradores de Alto de Coutos tocam nela, também a neta de Smetak e meninos da velha aristocracia de Salvador da Avant Gard. Não tem tutelismo: quem sabe, ensina ao próximo, horizontalmente, vigotskianamente. Não é um orquestra bonitinha, apenas: é de excelência invejável ao ponto de construir e revelar o sem dúvida grande maestro da geração vindoura, Yuri Azevedo; não é Estatal, embora seja um projeto do Governo Estadual de Jacques Wagner: ela é pública, de todos que com ela queiram participar - e eu mesmo me sinto meio padrinho dos meninos, também. O último suspiro da era Gilberto Gil / Juca Ferreira, através do então Secretário da Cultura do Estado da Bahia, Marcio Meirelles - suspiro que é um sopro de vida, com força de furacão.
Embora seja uma dádiva, e não uma dívida, ninguém acha que a Neojibá choveu, como um dom: ela é fruto de muitas mãos, uma alegria construtiva e em marcha, um longo carnaval, uma total sandice milagrosa - e como agora seus pares na talvez mais longeva e importante sociedade de fomento a música erudita do mundo, reconhece e articula as potências produtivas dos pobres. É curiosíssimo notar que a música de concerto, clássica, europeia, vem fazendo esse devir-sul: é daqui, antropofagicamente, inserindo marcação de samba-reggae num Bolero de Maurrice Ravel, que as sinfônicas têm se modificado, potencializado, ampliado público - redivivendo enfim.
E é neste sentido que gosto de pensar que os pares diletos de Ricardo Castro, em seu pertencimento honorário à Royal Philarmonic Society, não são os seus colegas com ele agraciados com o convite este ano, nem é José Abreu anos antes; nem a excelência de Verdi e Richard Wagner, no século passado. Gosto de pensar que Ricardo ao mesmo tempo ocupa o lugar de alguém que teria mérito para isso: não tanto Vila-Lobos, mas Leonard Bernstein - que bem antes viu a potência dos pobres imigrantes em West Side Story, filme-balé que coloca o amor como parte do direito à cidade, subvertendo e radicalizando Shakespeare; e de um que também supriu a falta de Bernstein antes: Aaron Copland, e sua Fanfarra do Homem (do) Comum.
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