Nos últimos tempos, vimos espantados o gigantesco crescimento econômico chinês. Sem embargo, um dos mais intensos e espetaculares surtos de prosperidade da História, principalmente se levarmos em conta as dimensões do país sobre o qual estamos falando.
Como é de conhecimento comum, a China viveu um período no minímo complicado nos séculos que antecederam a queda de sua monarquia - coroada pela sua capitulação ao colonialismo ocidental no século 19º -, sendo que a República, conquistada em 1911, não significou a resolução de seus problemas na medida que país prosseguia no atoleiro econômico, dividido em breve por uma guerra em suas entranhas entre os inúmeros senhores da guerra regionais ao mesmo tempo que se via às voltas com o imperialismo japonês.
O país que resta ao fim da segunda guerra mundial está arrasado e em 1949 as forças comunistas realizam a Revolução que criou a China moderna inspirada no socialismo soviético, ainda que mais tarde tenha seguido seu caminho próprio. As próximas décadas, sob a liderança do líder revolucionário Mao Tsé-Tung (ou Mao Zedong se preferir), são marcadas por um misto de avanços e retrocessos decorrentes da enorme instabilidade política do país.
Já nos ano início dos anos 70, ocorre a famosa visita de Nixon ao país, fruto de uma reaproximação por meio da qual os americanos esperavam expor e agravar o racha no bloco socialista (a China já não tinha relações com a URSS naquele tempo e se contrapunha ao Vietnã que ainda guerreava com os EUA) para minar mais eficientemente ao poder soviético. Isso é um marco, pois inicia um movimento ainda tímido que, após a morte no Mao no fim da década, cria as condições para a abertura econômica do país e para o surgimento do "Socialismo de Mercado".
O projeto chinês que se inicia ali, capitaneado por Deng Xiaoping, o novo líder do país, altera consideravelmente as bases do que havia sido instituído pela Revolução. Com a abertura da economia, a China passa por um processo que a converte gradualmente num país capitalista selvagem governado por um Partido Comunista, algo um tanto único, convenhamos.
A conversão chinesa e a sua adequação ao sistema mundo ocorre da seguinte maneira: O país cria zonas econômicas especiais onde passa a produzir mercadorias baratas - devido ao uso de mão-de-obra barata e super-explorada - para os países ricos e para o ocidente de um modo geral, o que impacta nos anos seguintes em um grande desenvolvimento industrial voltado para fora. Isso mesmo, a China nos anos 80 e 90 é construída para fora. Isso se expressa até mesmo pela desvalorização de sua moeda no início dos anos 80, o que é válido como arma para exportar seus produtos, posto que o país não possuia - nem possui - dívidas externa relevante.
Apesar dos abalos nos fins dos anos 80, que o país logo supera, os anos seguintes são de prosperidade, ainda que com um pequena desacelerada em meados dos anos 90 para depois ver a economia deslanchar até a presente crise mundial.
No período de prosperidade, milhões de pessoas saem da pobreza, outras tantas são incluídas na sociedade mundial de consumo - cuja proporção hoje seria algo em torno de 15% de sua população -, mas ao mesmo tempo a desigualdade social e regional salta aos olhos; a China desse período, se tornou um país mais forte, mas houve quem vencesse mais que os outros, beneficiados pelos negócios das exportações e de uma produção voltada para fora - cujos excedentes em maior parte iam para duas frentes: Uma delas para investir na modernização e consequente desenvolvimento do capital, outra para comprar títulos do tesouro americano, o que resultava em crédito mais barato nos EUA e consequentemente em mais consumo dos competitivos produtos chineses nesse mercado.
Some estabilidade econômica, câmbio subvalorizado, mão-de-obra barata, ausência de direitos trabalhistas, ausência de legislação ambiental, prática constante de dumping, um Estado gigantesco e autoritário usando sua mão forte tanto para pôr trabalhadores "na linha", quando para deslocar seus melhores burocratas para pensar e executar políticas pró-exportação, política monetária voltada para a exportação e nós temos a maior farra do capitalismo mundial talvez desde o desenvolvimento americano do pós-Guerra Civil.
Isso acaba no momento em que os EUA perdem o controle dos seus déficits ao mesmo tempo que a baixa regulamentação dos últimos ano gera bolhas de oxigênio gigantescas no sistema sanguineo da superpotência. Explode a crise financeira, que vira crise econômica e que se converte em crise social. O porto-seguro dos burgo-burocratas de Pequim e de Shanghai afunda, restando a China com suas enormes reservas, várias indústrias e trabalhadores e um mercado externo que há tanto tempo lhe parecia um céu de brigadeiro, agora tomado por nuvens negras.
As últimas medidas do governo chinês em relação à crise - que já desacelerou o crescimento do país - são em sentido inverso àquilo que o país vinha fazendo nos últimos anos; se o desenvolvimento do mercado interno era secundário e muito mais voltado para arrefecer eventuais tensões internas, agora ele se torna prioritário, estradas de ferro e rodovias são construídas num arroubo de keynesianismo anti-crise à chinesa assim como algo que me chamou verdadeiramente a atenção: A criação de um sistema de saúde universalizado que ficará pronto até 2011, o que não é uma medida de natureza ética-humanitarista de Pequim, mas, sobretudo, de natureza econômica, que pode sem dúvida aumentar a produtividade e o consumo dos trabalhadores rurais e urbanos mediante a ampliação da qualidade de vida, externando uma preocupação com o seu povo que parecia inexistente nos últimos anos.
Até agora o trabalhador chinês esteve inconsciente de seu protagonismo em relação ao milagre econômico que se operou em seu país, tanto é, que se beneficiou apenas lateralmente dele - algo fácil de manter enquanto você tem uma economia voltada para fora. Com a burgo-burocracia pequinesa tendo, pelas circunstâncias, de se voltar para dentro, incia-se um movimento no qual o trabalhador local poderá se tornar destino e fim de sua produção, o que pode operar uma mudança muito grande na China nos próximos anos, algo semelhante com o que vivemos nos anos 30 no Brasil. Acredite, Vai ser divertido.
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