(Foto: José Cruz/ABr)
Hoje de manhã, recebi um e-mail- via uma das milhares de listas de e-mail nas quais eu estou incluído - falando da recuperação da popularidade do Governo Lula. O fato é que ela retornou aos patamares gigantescos em que se encontrava antes da Crise econômica mundial. A que se deve isso? Em primeiro lugar - e obviamente - porque o impacto de Crise no Brasil foi irrisório se comparado ao resto do mundo assim como as medidas do Governo foram vistas como exitosas pelos brasileiros. No entanto, há mais coisa no caldo, portanto, pensemos juntos.
Antes de mais nada, o que diabos seria uma crise? Encontrei algo bastante interessante no Afirmação Histórica dos Direitos Humanos do Professor Fábio Konder Comparato: A palavra tem suas origens lá atrás entre os gregos; ela vem do radical kri que dá origem ao verbo krinô e que, por sua vez, possui um significado ambivalente, implicando tanto na ideia de separar/distinguir quanto na de decidir/solucionar. Krisis, portanto, seria o substantivo que decorre desse verbo; trata-se do divisor de águas, o momento zero onde as coisas acontecem. Essa concepção vai ser trabalhada com mais propriedade por Hipócrates de Kós, o Pai da Medicina (460 a. C.-377 a.C.), que, define tal conceito como o momento preciso em que é possível discernir a doença e desvendar a sorte do doente (Comparato, op. cit., p.533).
A Economia, por sua vez, segundo os meus próprios - e humildes - conhecimentos na língua helênica, é o conjunto de regras (nomos é, na verdade, um falso cognato, e significa "lei" e não "norma", mas aqui tem um significado mais próximo de "regra" mesmo) que rege o ambiente comum (o oikós, que pode ser traduzido como "lar", mas é, na verdade, o ambiente em que se convive). Nada mais atual, principalmente se formos ponderar a dialética entre a nossa segunda e primeira natureza - que são cada vez mais indistinguíveis como nos joga na cara, cada vez mais, a problemática ambiental. Claro, é um conceito bastante complexo, talvez tomada hoje em dia muito mais pelo aspecto substancial (as relações de produção e de troca) do que pelo aspecto formal e material que o conceito, originalmente, expressa (as regras que estruturam essas relações). A grande dificuldade na análise econômica se materializa em dois fatores basilares: Nunca sabemos o tamanho e as características exatas do ambiente (oikós) sobre o qual falamos - ele é sempre uma estimativa, uma projeção - e apenas deduzimos as regras (nomos) que o regem.
Eis aí o significado do que é a Crise Econômica Mundial que esse pobre escrevinhador tem repetido incansáveis vezes nos últimos tempos sem os devidos pormenores: Ela é o momento zero, onde a velha ordem deixa de ser, mas ainda não há uma nova sendo - apenas se consubstanciando - enquanto os agentes - velhos e novos - estão em fermentação; essa ordem diz respeito àquela que decorre das regras que estruturam as relações de produção e troca em escala mundial. Crise, portanto, nunca é necessariamente "o fim" do ser, mas sim do estar, é a hora da metamorfose, a saída dolorosa do casulo.
Voltando para o quadro político-partidário brasileiro de hoje, a Oposição, talvez enganada, talvez enganando-se, viu nessa Crise Econômica a materialização da queda de Lula - coisa que ela nunca conseguiu promover por meio de uma agenda propositiva, mas que, quem sabe, o acaso pudesse fazer. Esqueceu ela que a Crise, por excelência, é uma faca de dois gumes; Lula poderia cair como poderia sair fortalecido, uma análise conjuntural mediana, no entanto, levava a crer que a primeira hipótese era um tanto mais improvável do que a segunda. É o que está se consolidando nesse momento. Novamente, a Oposição, à esquerda e à direita, apostou todas as suas fichas na Fortuna por lhe faltar Virtù e se submeteu aos seus imponderáveis ditames.
As coisas, claro, não são tão simples. O PT de hoje é um partido pior do que era há sete anos atrás. Partidos nem sempre pioram porque governam, mas o PT piorou por conta das suas profundas contradições internas, onde seus componentes, mecanicamente integrados, praticaram autofagia diante no afã de conquistarem a hegemonia - mais do que partidária, estatal. Lula, nesse momento, é a pedra angular tanto de seu partido quanto do nosso frágil sistema político; é o líder que colocou de maneira mais convincente a máscara do patriarcalismo bragantino; é o líder benevolente que paira sobre um sistema instável, onde os demais agentes se perdem ao invés de acharem os caminhos.
Diante do fracassos do PSDB e do PT também, Lula é quem resta. Até que ponto isso é bom?
Só o tempo poderá dizer se o fato de Lula pairar além e acima da desordem partidária do país é bom ou não. Mas, por ora, é difícil negar que, com todas suas hesitações, sua realpolitik por demais elástica, sua irresponsabilidade cambial e ambiental, Lula tem sido capaz de administrar de forma eficaz não apenas uma economia periférica - e, portanto, mais sujeita aos efeitos deletérios de uma crise econômica de grandes proporções -, mas um governo que tem contra si toda a mídia corporativa. Não são feitos desprezíveis.
ResponderExcluirConcordo Maurício. Por ora, acho que o lulismo é mais postivo do que negativo - na medida em que os setores à esquerda do PT se comportam de maneira irracional e aqueles que estão à direita...bem, sem comentários sobre eles...
ResponderExcluirHugo, tudo bem?
ResponderExcluirO problema do capitalismo é o mesmo de sempre. As crises se sucedem porque essa é a natureza desse sistema econômico. Não há conserto dentro do sistema. A saída heterodoxa do governo brasileiro mostra isso. Quem ficou preso ao Consenso de Washington quebrou. Infelizmente, o capitalismo sempre consegue se reerguer fazendo pequenas concessões durante um breve período. E, depois, chicote de novo! Vide Estado de Bem-estar Social e seu sucessor, o Neoliberalismo.
Quanto a Lula, acho que talvez fosse possível fazer mais, mas no atual contexto é difícil. Como o Maurício lembrou, não é fácil ter contra si toda a mídia, além do próprio sistema capitalista. Além disso, teve que consertar (ou está consertando) 500 anos de governos voltados para uma minoria (tire aí a Era Vargas e o breve governo Jango).
Abraços. Marcelo Costa.
Tudo bem, Marcelo,
ResponderExcluirSó pra provocar um cadinho mais: Será que o capitalismo se reergueu por si próprio em uma dado momento no fim do século 19º ou será que ele não se estruturou no século 20º com a participação do Estado gerenciando-o? Até que ponto há, de fato, um neoliberalismo, sendo que a participação do Estado em todos esses processos é marcante (como no Brasil)?
Ah, sim. Você tem razão. É claro que essa história de "Estado fora da economia" é conversa fiada. O capitalismo não sobrevive sem ele. O negócio é: de que lado o Estado está? A serviço de quem? Abraços. Marcelo Costa.
ResponderExcluirMarcelo,
ResponderExcluirÉ esse ponto que eu gostaria de chegar. Sábado estive num debate meio acirrado com alguns amigos sobre essa questão: Será essa coisa em que nós vivemos o dito cujo em pessoa (com todas as suas contradições e cortinas de fumaça) ou será que a própria ideia do neoliberalismo não é tão falaciosa que ele sequer existe concretamente? A alegoria do Estado Mínimo esconderia o fato que ele só o é para os pobres ou, na verdade, não seria um Estado máximo empenhado na manutenção do Capitalismo?
É um debate interessante e longo. Eu, cá do meu ladinho, por conta das minhas concepções de Mercado e Estado, penso que o Estado nunca esteve fora do processo de construção do Capitalismo, nem mesmo na sua fase mais liberal - claro, eu penso o Estado como o núcleo político normatizador de um grupo humano, portanto, para além do Estado oficial se alongando para as pessoas e organizações que extra-oficialmente promovem tal tarefa. O que teria mudado, claro, é a sua configuração de acordo com as demandas decorrentes das condições materiais e objetivas.
O Mercado, tomado aqui enquanto esfera material ou imaterial onde os homens realizam as trocas materiais, também sempre esteve lá, nas suas mais diversas configurações.
Esse debate toma rumos profundamente complexos na medida em que os dois conceitos são caleidoscópicos. Para incia-lo, antes de mais nada, é preciso indagar qual é o entendimento que a outra parte tem de ambos.
No fim das contas, é só uma maneira de expressar que a ideia de 'liberalismo' é falaciosa mesmo do ponto de vista ideal - o que dá mais pano pra manga ainda...
abração
Hugo,
ResponderExcluirconcordo totalmente. Tanto que os burgueses tiveram que tomar o poder de Estado (porque o econômico eles já tinham) com suas revoluções para concretizar o liberalismo. Eles sabiam que isso não seria possível sem o Estado.
Abraços. Marcelo.