sábado, 28 de novembro de 2009
A Crise no Movimento Estudantil
Dois posts muito bons recentemente escritos sobre o atual momento do Movimento Estudantil são "A divisão da esquerda entre os estudantes" do João Villaverde e "Eleições DCE-USP, Falência da Esquerda e o Fascismo" do Tsavkko - eles foram escritos separadamente e sem combinação prévia, mas se complementam incrivelmente bem, pois abordam os dois lados da moeda desse fenômeno bisonho que se abate sobre o ME brasileiro e é marcado tanto pela sectarização definitiva de boa parte da esquerda quanto pela ascenção de uma direita universitária com propostas à direita do liberalismo contemporâneo.
De um lado - aquele que o João abordou - temos os mesmo grupelhos de esquerda normalmente ligados a partidos políticos de extrema-esquerda que reproduzem uma leitura vulgar do Marxismo e da Política, remontando muito mais ao burocratismo soviético com pitadas de socialismo reacionário do século 19 º do que ao socialismo científico que eles se reivindicam como seguidores. Está tudo lá: A veneração religiosa da práxis política, desdém pelo debate teórico e pela reflexão, orientação das ações por dogmas e não por preceitos, alienação em relação às questões do seu tempo, fracionarismo pueril, clichês etc. Trata-se de uma espécie de filosofia idealista não-dialética que resulta em grupos oposicionistas à ideologia vigente, mas não antitéticos a ela - que, como frisa bem o camarada Villaverde em seu post, brigam entre si fazendo acusações malucas contra os outros quando estão defendendo as mesmas coisas; em suma, isso apenas retrata essa incapacidade em superar ideias que se manifesta apenas no mero oposicionismo ao que lhe parece errado.
Do outro lado - na parte que o Tsavkko abordou -, temos a ascenção da direita em cima dessa esclerose da esquerda e do clima de desinteresse democrático gerado em decorrência; surgem propostas demagógicas como a venda de ideias de apartidarismo que escondem nada mais, nada menos do que uma estratégia reacionária alinhada com os interesses das diretorias das faculdades e com as Reitorias, devidamente controladas por interesses político-partidários - ou até mesmo religiosos, dependendo do lugar.
Recentemente, na Faculdade de Direito da PUC vivemos algo parecido. É verdade que nunca existiu uma Esquerda propriamente dogmática na nossa FD, mas em um dado momento de 2007, ela se moveu para fora do CA por acreditar que aquela instituição não era exatamente o melhor instrumento. Vivemos um período de limbo em 2008 que abriu espaço para a vitória, há um ano de um grupo não muito diferente dessa Reconquista. Vivemos um longo ano de reformas meramente estéticas, palestras-show sem nenhum vínculo com um verdadeiro debate político, políticas alinhadas com a Reitoria e a Diretoria da FD e a sempre cômoda prerrogativa da neutralidade e do apartidarismo - o que durou até o Presidente do CA se filiar ao DEM.
Conseguimos reverter isso, mesmo cometendo alguns erros ao longo de um ano e vencemos as eleições para o nosso CA. A nossa vitória prova, de certa maneira que, hoje, o único caminho para a Esquerda é a busca pelo diálogo, a vinculação com preceitos e não com dogmas, a primazia pelo debate interno e pela reflexão. Não é um caminho fácil, principalmente porque nós estamos muito embebidos por certos vícios intelectuais e práticos que remontam a uma conjuntura acadêmica totalmente diversa dessa que vivemos; nos últimos vinte anos, a Academia foi simplesmente virada de cabeça pra baixo no Brasil e não há mais como operar politicamente com os paradigmas do auge do Movimento Estudantil - portanto, é necessário tocarmos a dura tarefa da nossa própria reinvenção.
Também há o fator da própria juridificação da vida dos últimos anos: Hoje, as dificuldades administrativas internas de um CA são tão grandes que chegam a um nível impensável há trinta anos atrás, seja porque alguns CA's - como o nosso - são pessoas jurídicas ou mesmo porque essa avalanche normativa que nos soterra também é capaz de engolfar e até mesmo paralisar organizações feitas para atuar politicamente.
Em suma, a Esquerda tem uma dura tarefa: Com o perdão da polêmica, se ela não enterrar a múmia de Lenin e não aprender a ler Rosa Luxemburgo, sairá derrotada assim como todo o Movimento Estudantil - pelo menos em sua verdadeira acepção, ou seja, de espaço legítimo para a defesa dos interesses dos estudantes e de seu braço para atuar fora dos muros da Academia intervindo na realidade social que nos cerca. Nós temos de retomar o espírito de 68, não exatamente os mesmo métodos e caminhos porque isso é o oposto do que aquilo significou.
Hugo, será que o problema dos movimentos estudantis não é além destas questões? A falta de propostas parte de ambos os lados e a visão "caricaturizada" que se vê na esquerda, seja por desunião, seja por falta de renovação nos discursos, acaba por ser, infelizmente, um contrapeso para o reacionarismo da direita. Creio eu que o problema maior está no desinteresse geral dos estudantes pelas agremiações, não necessariamente por elas em si, mas por pensarem geralmente em si próprios, acima inclusive da própria qualidade do que estão cursando. E quando se encontra gente séria que ajudaria a transpor isto, a caricaturização citada anteriormente acaba por se tornar uma barreira, conseguindo espantar qualquer um.
ResponderExcluirPaulo,
ResponderExcluirÉ verdade que há um certo desinteresse dos estudantes, mas, como nos ensinava um tal Espinoza, é necessário conhecer pela causa: Quando eu falo que a Academia foi simplesmente virada de cabeça pra baixo nos últimos vinte anos, falo sobre uma mudança radical do relacionamento da Universidade com os estudantes.
Estou falando desde o surgimento de universidades puramente mercantis - Unibans, Uninoves etc - cuja estrutura - didática ou mesmo física - praticamente aniquilam a participação política estudantil. Seus estudantes são, em geral, pobres ou de classe média-baixa que se esforçam muito pra pagar as mensalidades; mesmo os bolsistas dessas instituições não vão participar da vida política do país porque não são estimulados a tanto e nem tem tempo livre para isso, tal é a maneira que o oligopólio mercadista do Trabalho engolfa e disciplina os estudantes hoje em dia.
Nas universidades privadas de ponta, as altas mensalidades e o surgimento da universidade mercantil chic - as FGV's, IBMEC's et caterva - também fazem o mesmo com os estudantes. A PUC-SP prossegue sendo exceção porque, mesmo com o estado de coisas nos movendo para essa direção, ainda há uma certa tradição política enraizada que faz muitos setores resistirem e saberem resistir de uma maneira que você não acredita.
Restam as estatais. Veja bem, a ausência de mensalidade, mesmo sem a devida assistência universitária - garantia de moradia e alimentação para os estudantes, o mínimo do mínimo -, gera um maior tempo livre que colabora para uma maior participação política.
Evidentemente, o fator mercado de trabalho também incide aí, como também a letargia dos movimentos sociais e essa sensação de que tudo foi institucionalizado, de que tudo já foi construído politicamente - o que é uma quimera. Daí entram vários pontos: A falta de uma crítica suficientemente profunda das gerações anteriores em relação ao momento atual; a impressão que eu tenho sempre que eu converso com o pessoal mais velho que atual no ME nos tempos da ditadura é o que de eles superestimam o momento atual porque, relativamente àqueles tempos, temos um grau de civilidade um pouco maior - só o fato do Brasil ser uma Democracia Formal faz com que muitos professores não estimulem ou simplesmente sejam contrários à participação estudantil na política (como se a luta já tivesse acabado).
Por outro lado, entra aí a crise nas instituições de esquerda, sejam partidos ou movimentos sociais. Depois do fracasso do ornitorrinco alado chamado Collor, a direita acabou no Brasil. Ela teve de se organizar como pôde em uma série de espaços improváveis, se mascarar o máximo possível - direita x esquerda, isso não existe mais! - e, no duro, a esquerda poderia ter se usado melhor disso, no entanto, faltou visão e isso tem um motivo: Uma parcela muito grande da esquerda brasileira sempre se espelhou muito no socialismo bolshevista e quando ele acabou, essa gente simplesmente paralisou, alguns foram para a direita, outros se tornaram idealistas desvinculados da realidade, alguns social-democratas envergonhados, mas ninguém se preocupou em construir uma teoria socialista original tendo em vista a singularidade da nossa realidade. Isso teve um custo muito alto.
Daí pegamos a tradição brasileira de pecadificação da Política, a hipercompetição no mercado de trabalho já citada e esse esgotamento paradigmático da esquerda e temos esse quadro de limbo. A Política é feita de barreiras e nada cai do céu nela, você tem de construir e negociar a todo momento, mas sem condições materiais e ainda uma cultura de desistência a cada dificuldade - e sim, quando se trata de Política há uma cultura no Brasil que faz valer essa máxima - ocorre um esvaziamento em setores permanentemente essenciais: A Política é um permanente construir, ela jamais ficará pronta, mas seu esvaziamento pode fazer as coisas ficarem obsoletas.
abração
Os problemas do movimento estudantil já estão bastante claros, e você conseguiu, com seu texto e comentários (tanto aqui quanto em outros blogs), esmiuçá-los com precisão. Mas creio que os próximos passos seriam debates sérios, que fujam do "fundamentalismo" dos atuais, que busquem resolver os problemas já esclarecidos e, o mais difícil, buscar ser ouvido, mostrar o quanto é prejudicial a ausência deste aspecto político dentro do meio acadêmico. Infelizmente me encontro dentro de um desses "Mercados de Diplomas" (ou seria fábrica de ferramentas?), onde a agremiação "luta" por uma academia de ginástica, enquanto na biblioteca o tamanho e beleza impressionam tanto quanto a ausência de livros básicos (devem ter entendido mal quando dizem que é preciso lutar pela academia). Enfim, mesmo quem conheço de universidades públicas ou até a própria PUC, têm a consciência de todos estes problemas, mas quando não são conformados com a situação, são descontentes e desesperançosos em mudar esta política. Quem dirá então implantá-la onde não há. E diante disso tudo, o futuro assusta mais que o presente.
ResponderExcluirPaulo,
ResponderExcluirSem dúvida, trata-se de um longo caminho, no qual a falta de uma elaboração de uma teoria de interpretação da realidade suficientemente efetiva - para orientar a práxis política - colaborou nos últimos anos para que as coisas degringolassem feio.
Creio que há um binairismo, não estranho à nossa cultura, do "cruzar os braços" ou "agir de qualquer jeito", "do não tocar no assunto" ou "bater boca", que tem de ser superado: Temos de desenvolver uma forma de pensamento que seja contraditório a essas oposições limitadoras da ação política.
O futuro, confesso, também me assusta mais do que o presente, mas se não fizermos nada - e existe muito pouca gente disposta a comprar as brigas necessárias e inevitávais para tanto - não serão os deuses que chegarão até nós e em um passe de mágica resolver tudo isso.
abração
Conforme postei no meu blog te respondendo:
ResponderExcluir"O modelo está superado, a esquerda sectária deve ser superada, enfim, o sectarismo. Seu post é referência, assim como o do João. É o retrato do sectarismo e esvaziamento total da política universitária.
Dê uma olhada na votação, nem 10 mil votos num universo de quantos? 30 mil, 40 mil alunos ou MUITO mais?
Ninguém se importa mais, se ganha algum sectário ou a direita. A situação está péssima!"
Obrigado pelos elogios, Tsavkko e quanto às suas constatações, tendo a concordar com praticamente tudo. A nossa luta no Direito-PUC pelo Construção Coletiva sempre se deu permeado por um debate muito forte em relação a essa conjuntura - como o antigo Liberta, em grande medida e pioneiramente o fez antes de nós. Essas eleições para o DCE da USP, no entanto, são emblemáticas e isso merece uma reflexão muito grande.
ResponderExcluirabração
Maravilha de post, Hugo, as always.
ResponderExcluirAbraços
Valeu, João, mas sem o seu não seria possível este daqui ;-)
ResponderExcluirabração