quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O Liberalismo, os Brasileiros e o Muro de Berlim

Uma coisa tem me intrigado muito ultimamente: Um fenômeno que eu chamaria de "Liberalismo do Inimigo". Trata-se de mais uma patologia psicosocial profundamente arraigada em nossa sociedade. O Bruno Pinheiro, aliás, já dissertou sobre isso no blog dele. Funciona mais ou menos assim: O seu defensor geralmente é uma pessoa de classe média pra cima, membro de um grupo social minoritário, porém barulhento, se sente oprimido pelos tributos, acha que o Governo Lula "privilegia demais" os pobres, quer que os filhos ingressem na Universidade Pública - que deve se manter o mesmo círculo fechado de e para uma determinada classe social -, recorre aos hospitais públicos de excelência quando precisa e assim por diante. Na verdade, isso se trata da expressão de um padrão moral falacioso e recorrrente, construída pela ideologia dominante - um moralismo.

Você pega auto-intitulados baluartes do liberalismo brasileiro como, por exemplo, a revista
Veja e descobre que grande parte da sua receita é referente à publicidade estatal - enfim, um belo oximoro brasileiro: Um semanário que se presta a pregar - com todas as suas forças - pela diminuição do Estado em prol dos agentes políticos oriundos do mercado, mas que, ao mesmo tempo, tem como uma das suas maiores fontes de receita a bendita publicidade estatal.

Nas faculdades de Direito brasileiras tal fenômeno também não é estranho: Normalmente predomina um pensamento que tende ao Liberalismo - de forma até bem extremo, em certos casos. No entanto, paradoxalmente, o desejo de passar em concursos para o funcionalismo público é algo bem frequente. O mesmo defensor do liberalismo extremo é o mesmo aspirante a juíz, promotor - ou melhor: Aspirante à carreira segura da Magistratura - ou do Ministério Público - devido a sua boa remuneração, o status isso gera asim como o seu belo plano de aposentadoria.

Boa parte dos setores de alta renda do país, que adoram chamar denunciar a hipocrisia dos seus pares que se afirmam socialistas são, eles mesmos, hipócritas na medida em que são liberais no discurso e social-democratas na prática - o welfare state para mim e os meus amigos e o livre-mercado para os meus inimigos...Essa incongruência entre discurso e prática desses setores pertencentes gerou a progressiva desmoralização do canônes do Consenso de Washington no Brasil - mesmo que eles nunca tenham sido exatamente populares: O brasileiro médio oscila entre uma posição de direita pró-Estado ou mesmo de uma esquerda socialista ou filo-socialista como levanta uma pesquisa da BBC recentemente divulgada no Blog do Nassif:

"O percentual de brasileiros que disseram que o capitalismo “tem muitos problemas e precisamos de um novo sistema econômico” (35%) foi maior que a média mundial (23%).

Enquanto isso, apenas 8% dos brasileiros opinaram que o sistema “funciona bem e mais regulação o tornaria menos eficiente”, contra 11% na média mundial.

Para outros 43% dos entrevistados brasileiros, o livre mercado “tem alguns problemas, que podem ser resolvidos através de mais regulação ou controle”. A média mundial foi de 51%."


Em suma, a nossa sociedade, conscientemente ou não, tende a posições que variam da direita pró-Estado na economia até a esquerda que entende que nem isso basta e é necessário um novo sistema econômico. O brasileiro médio é social-democrata - como a maior parte das pessoas do mundo, é verdade -, mas numa proporção muito maior; Liberais clássicos, pela vez deles, são uma minoria em extinção.

É particularmente engraçado avaliar isso numa semana como essas, na qual a queda do Muro de Berlim completa 20 anos; nós, brasileiros, vivemos numa sociedade ciosa por liberdades individuais, mas é consensual no sentido de que o Capitalismo desenfreado não é uma via - e essa maturidade intelectual difere do inocência europeia oriental que ainda existe em relação ao liberalismo dezenovista.

Nos anos 90, o Brasil enfrentou a dura missão de desmontar o anacrônico Estado Varguista, mas o fez de maneira errada sob a equívoca direção do PSDB - o que, ainda assim não resultou numa diminuição do Estado, muito pelo contrário, suas falhas residiram na maneira como isso organizado; seu fracasso, todavia, produziu a experiência petista O povo brasileiro ansiava por uma reforma no Estado, mas não aquela produzida pelos tucanos que onerou por demais a população comum; a percepção desses erros levou Lula ao poder sob a égide da social-democracia - e as questões de inclusão social, redução das desigualdades e geração de renda continuam sendo pautas claras no país.

Enquanto isso, os russos sob a égide de
Yeltsin - e como boa parte dos europeus orientais -, pensaram que iam chegar ao paraíso com um sistema totalmente desregulado - a chamada teoria de choque -; depois do fracasso adotaram um modelo mais nacionalista de capitalismo com Putin/Medvedev, mas não conseguiram produzir uma solução efetiva para isso, prosseguindo vitimizados por uma exclusão social gigantesca, desemprego e deterioração dos ganhos sociais decorrentes do socialismo bolshevik.

Num novo corte para as eleições de daqui a um ano, é uma pena ver o PSDB, escravo de um Serra desesperado para ser presidente - por sua vez, nas mãoes dos piores interesses econômicos -, não saber aproveitar esse momento para dar uma guinada no partido e voltar às suas origens; o PT sai fortalecido com isso porque cada vez mais se aproxima das aspirações médias do seu povo, ainda que tenha perdido bastante do seu potencial transformador no processo. Ainda assim, quem se prestar a entender mais esses fenômenos poderá se sair muito bem nas eleições do ano que vem.

2 comentários:

  1. Ra, ra, ra, "liberalismo do inimigo" é uma ótima denominação - e o exemplo da Veja foi impecável: conheço um de seus leitores, muito rico, que é, ele mesmo, um liberal fervoroso, sempre contra o Estado e a favor da livre-iniciativa. Detalhe: ele vive do quê? De vencer licitações para construir obras para o Estado.

    Ah, mas assim não vale...

    Um abraço,
    Maurício

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  2. Maurício,

    Pois é, o meu exemplo dos estudantes de Direito liberais e a magistratura é de um amigo meu, gente boa, mas vive pregando o livre-mercadismo e coisas do tipo. Dia desses, ele se abriu comigo e disse que "se via cada vez mais como juiz no futuro", daí eu perguntei o motivo e ele me citou a estabilidade, o rendimento que "não dá pra enriquecer, mas é muito bom" e o plano seguro de aposentadoria - eis o Brasil, o país da piada pronta, como diria o Macaco Simão...

    Essas incoerências entre o discurso e a prática dos liberais brasileiros tem minado esse ideário em nosso meio, é questão de sabermos aproveitar isso daí...

    abração

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