O Cronos (Saturno) de Rubens |
A letargia resultante dos anos 90 - onde, com o fim da União Soviética, a hegemonia americana se tornou inquestionável - só arrefeceu à base do choque: Dois aviões acertando em cheio o coração da superpotência americana há quase dez anos atrás. Ainda que aquele atentado pareça ter sido ontem, o período de tempo de lá para cá parece ter durado uma eternidade. Aquele ato horrendo de repente se torna a deixa para que ultraconservadores - que desde os anos 70 insistiam em uma doutrina paranoicamente belicista - lancem seu país (e o sistema global) à guerra sem maiores explicações - tal como um Stalin e como o conveniente atentado que ceifou a vida de Kirov na União Soviética dos anos 30 serviu para exterminar seus adversários nos processos de Moscou. Do mesmo modo que da morte de Kirov seguiu-se a eliminação de toda a intelectualidade soviética não-alinhada, o atentado ao World Trade Center serviu para que os Estados Unidos invadissem o Afeganistão - sem, no entanto, encostar um dedo na Arábia Saudita, das maiores financiadoras do terrorismo internacional - e, mais tarde, falsificar provas para invadir o Iraque e derrubar seu desafeto Saddam Hussein. Tempos duros e assustadores. A crise econômica mundial é consequência direta do extemporâneo - e insustentável - imperialismo norte-americano sobre uma economia mundial, onde seus déficits gigantescos tornaram-se um ônus pesado demais para a economia mundial. A "guerra justa" das hienas kantistas como um Bobbio ou um Habermas segue em curso, enquanto o terrorismo torna-se álibi para que mecanismos de controle sejam não só aperfeiçoados como espalhados por toda parte. As poucas alegrias de um mundo em corrosão é o influxo democratizante na América Latina do mesmo período, apesar de todas as suas limitações e contradições - que agora vêm à tona com o decorrer dos anos. Desde que a crise estourou mesmo, a única boa notícia que tivemos foi esse efeito dominó no mundo árabe, que não apenas colocou a ordem mundial em xeque como trouxe em seus contornos o mais intenso devir revolucionário - a vida escapando da máquina paranoica que serve à sua captura numa luta (desigual), entretanto, ainda em curso. O nosso Brasil, no início de seu mais novo governo (de sempre) é outra esfinge; se por certo aspecto nunca estivemos tão bem, por outro lado, há algo que se opera debaixo do grande debate político, quem sabe apenas um cansaço - mas pode ser uma certa degeneração, por que não? -, algo que se viu materializado nas últimas eleições e acendeu um sinal amarelo em qualquer ufanismo. Há um refluxo normalizador muito forte em curso ao mesmo tempo em que a luta de classes está mais agitada do que nunca, para que lado isso apontará? É difícil dizer, mas eu diria que a experiência das ruas ajuda mais do que a simples teoria agora, embora uma coisa não exclua, de modo algum, a outra.
E não estaríamos pecando ao pensar que é possível um Novo Iraque no casa da Líbia. Já ficou clara a decisão imperialista de intervir. As consequências só mesmo a história dirá, assim como você ressaltou na questão sobre o Brasil, em que acredito estar mais para uma degeneração a um simples cansaço. O caso do Min. da Cultura é o mais evidente. Como se fosse mesmo um momento de retrocessos. A guinada é bem clara. Mas isto não é um problema para o Governo, sua poítica para o mercado. Estou falando de um problema para o cidadão.
ResponderExcluirAdorei a ferocidade para Bobbio e Habermas. Nunca li nada deles que justifiquem estes absurdos, mas qualquer linha já mereceria a alcunha que empregou a estes.
Abraços!
DanDi,
ResponderExcluirMinhas referências aos dois é uma cutucada em relação ao que se esconde por trás da cortina do cosmopolitismo kantista (e que eles defendem tão bem), em suma, o que se esconde sob o véu de candura da Paz Perpétua? Basta lembrar a posição de Habermas em apoio à guerra do Kosovo e sua ambiguidade em relação ao neo-imperialismo americano e, também, o apoio dado por Bobbio à guerra do Golfo - além da postura de ambos em relação a certo cosmopolitismo que, na verdade, não passa de um imperialismo regulamentado. Sobre a Líbia, é um caso preocupante sim, é um completo paranoico que está forçando um massacre para, assim, forçar a invasão do próprio país - e uma invasão de um país magrebino agora pelas forças da Paz Perpétua, antes de qualquer humanitarismo, seria uma forma de fazer cessar a Revolução Árabe.
abraços
Em tempo: Acrescentei links no próprio post sobre as posições "ambíguas" de Habermas e Bobbio.
ResponderExcluirNão sei, tenho alguma confiança no Obama (li uma opinião de um cara da banda REM dizendo que a midia dos EUA é que estão interessados em propagar as derrotas do Obama).
ResponderExcluirSe fosse o Bush já teria invadido Líbia, ou melhor, pensando bem não, por falta de coerência propagar a "democracia". Todo mundo sabe que os EUA não invadiram Afeganistão/Iraque para propagar a democracia no Oriente Médio.
É só jogo de interesse, da mesma forma que todo mundo já sabe que as pressões sobre Irã não eram para evitar que o Oriente Médio tivesse armas nucleares pois eles deixaram Israel tê-las.
Célio,
ResponderExcluirQuase isso. Bush não invadiu o Irã e a Coreia do Norte não por falta de vontade, mas sim por falta de dinheiro e de apoio político. Com Obama, claro, as coisas são um pouco melhores, mas não muito: A invasão da Líbia só não está em curso agora por falta de recursos mesmo.
abraço
Salve, prezados,
ResponderExcluirObama representa uma força viva nos EUA, que estava se tornando minoritária dentro do Partido Democrata, cada vez mais orgânico, aparelhado e "sindicalizado". A campanha de Barack Hussein à presidência, em 2008, tem muito a ver com a mobilização de trabalhadores precários no mundo árabe, e também com o atual enxameamento contra o ministério mais reacionário, nesse consenso governamental de 2011.
Contudo, a diferença entre a campanha de Obama e o presidente Obama é a mesma entre movimento e governo. Uma vez empossado, toda aquela agenda positiva tem de lidar com a governamentalidade, com os "compromises", com a "política dura" que opera, sob enormes pressões, na brecha aberta pela dissociação entre fins e meios. Dissociação esta que constitui o estado moderno, como objeto de delegação, como pacto social representativo.
Destarte, o governo Obama se vê numa contingência aguda de um estado-crise neoliberal, de um descompasso entre formas econômicas fluidas e mundo corporativo, um abismo entre uma política externa pautada pelo golpe de estado na ordem imperial (anos 2000, com Bush) e a produtividade global de resistência. Toda a crise por que passaram os EUA em 2008, e nisso concordo totalmente com O Descurvo, foi causada pela resistência global à ação unilateral, à tentativa de reinstaurar um imperialismo novecentista, num mundo em que não funciona mais, porque há um forte movimento articulado contra ele.
Mas como escapar desse dilema? só aprofundando a crise, levando-a às últimas conseqüências, saindo da armadilha óleo-e-armas, mas isso paradoxalmente alimenta as forças contrárias a ele, que manipulam o medo da insegurança econômica, e se fortalecem no ressentimento e na baixa autoestima decorrente de problemas no crédito (a colonização dos desejos por um capitalismo pós-industrial).
Então qual a saída? O movimento, ora! e é isso que está acontecendo agora mesmo, embora a grande imprensa contorne. Um movimento que rompe essa dialética estado x sociedade civil, onde a luta já está perdida, pois prepara a cama aos representantes, que necessariamente, por estarem implicados, realizarão a mediação entre as esferas.
O movimento está em Madison, Wiscosin, e crescendo. Sugiro o artigo publicado ontem na UniNômade Itália:
http://uninomade.org/another-us-is-happening/
Esse debate que o Hugo coloca é sensacional, coisa que não se vê muito na grande imprensa (à deriva entre noticiários e agências dominantes).
Abraços,
Bruno.
Grande Bruno, fico grato pelas palavras. Sim, de fato existe um corte entre a campanha Obama e seu governo. No primeiro momento, tivemos um movimento de base - há muito não visto na política americana - contra as estruturas do Partido Democrata e, uma vez vitorioso internamente, ele partiu para a vitória contra o reacionarismo republicano. No entanto, para além das dificuldades práticas de governar, eu diria que Obama fracassou ao tentar conciliar, ao contruir um consenso em relação ao qual só ele - e as minorias - iriam ceder - e teriam o que perder também.
ResponderExcluirHoje, sua situação é lastimável e isso respinga no mundo inteiro expondo as fragilidades do Projeto Europeu, jogando um ônus pesado demais sobre a China e tornando insuportável a vida nos países pobres. Agora mais do que nunca, a articulação passa a despeito do cada vez mais inviável EstadodeDireitoDemocrático; sim, a saída é o movimento; é hora de colocar essas pequenas máquinas de guerra que são nossas cabeças para funcionar e, juntos, tecermos uma rede.
No quadro americano especificamente, você fez bem em lembrar Madison: Falamos da chave que irá determinar como as coisas se desenrolarão no fim do mandato de Obama e, sobretudo, qual o clima em que as eleições americanas de 2012 serão pautadas.
saudações carnavalescas