A declaração racista do oportunista Bolsonaro, a tragédia do Realengo e a recente manifestação fascista na Avenida Paulista não são peças desconexas entre si, mas sim cenas do mesmo espetáculo macabro. Se, por um lado, os últimos anos foram marcados por uma ascensão social nunca antes vista em nossa história, por outro, vivemos às voltas com uma profunda crise de valores na política. Não resta dúvida de que jogo político brasileiro foi esquizofrenizado à última potência pela estratégia lulista; a pragmática sindical - e, agora, sua versão gerencial-estatista com Dilma - produziu transformações sociais para melhor maiores do que gerações inteiras de comunistas, nem ao menos, poderiam conceber, mas há um esvaziamento perigoso do debate na medida em que atores diversos foram articulados e rearticulados pela nova ordem - a ponto de não saberem mais quem são ou onde estão. Há tempos, tenho insistido por aqui que as transformações brasileiras dos últimos anos têm um caráter de esfinge, a fricção entre as classes aumentou e se tornou mais complexa ao mesmo tempo. Diante disso, bolhas perigosas se formam. A palavra esquizofrenia é a lei: Nunca antes fomos tão brasileiros - e ser brasileiro nunca foi tão intenso pelo mundo - e nunca antes fomos tão pouco - o processo de assimilação da "cultura global" é profundo no plano interno, inclusive com a reprodução de certo tipo particular de recalque. O avanço dessa forma de violência, que decorre de uma lógica de política francamente contrária à vida, se dá em ritmo alucinante nas frestas - jamais a despeito - desse enormíssimo fenômeno de mudança que se alastra e se aprofunda em nosso país. No meio desse cinismo atroz reside um agudo desprezo pela vida. Ser racista é uma forma de decidir sobre quem deve viver e morrer - como diria o velho Foucault -, é preciso já estar morto em vida para chacinar uma dúzia de crianças da escola onde se estudou, é necessário muito ódio para reproduzir no país da diversidade o programa teleologicamente assassino e purismo do fascismo - em sua face mais descarada. É preciso ter um instrumento capaz de costurar as partes e o todo e garantir a vida. Isso tem de ser para o aqui e agora.
PS: Vale a pena dar uma olhadinha nessa bela pensata que eu pesquei do twitter do Alexandre Nodari:
"Um par de tapas me ensinou o que era tolerância. Eles vieram de meu pai, que era o mais gentil e mais tolerante homem do mundo. Eu tinha seis anos. Eu estava na varanda de uma casa olhando o Isar, em Munique. Homens em camisas marrons marchavam cantando sob bandeiras com suásticas que eram balançadas. Estava lindo lá fora. Estava muito alegre. Hitler estava tomando o poder. As pessoas, na rua estavam saudando a procissão. De minha varanda, comecei a aplaudir. Meu pai me desferiu um golpe. Foi o único que recebi durante minha vida, foi o único que ele desferiu. Meu pai odiava a violência. Ele odiava a guerra. Ele odiava o ódio. Ele foi muito bem forçado a odiar Hitler e o nacional-socialismo. Eu aprendi aos seis anos que a intolerância é intolerável e que não há tolerância para os inimigos da tolerância" (Jean d'Ormesson)
Pois é, mais preocupante que o facismo que foi causa desses acontecimentos, é o que se apresenta nos debates posteriores. Como o que ouvimos quando a questão das armas entra em pauta, ou quando pessoas identificadas com o Bolsonaro o defendem...
ResponderExcluirMas eu não acho ruim que essas pessoas apareçam, porque se bolsonaros são eleitos, é porque essas pessoas existem. Então é melhor conhece-las, saber quem são, e nunca nos esquecermos de tudo de ruim que essa gente pode representar.
O fascimo está aparecendo, ou melhor,nunca deixou de existir, mas agora quer abocanhar as cabeças que sobraram...
ResponderExcluirÉ tudo tão sabido e arranjado na política que a "reforma" teria que minar a própria estrutura de onde se ergueu a atual "Democracia",mas todos sairiam perdendo,logo não vão mudar nada.
O pobre Wellington, pobre porque economicamente, pobre, porque não teve direito de resposta,pobre porque ele sempre foi invisivel pro corpo social, pobre porque nem depois de morto há paz...
O racismo é uma arma política, com bem diz a Hannah Arendt...
beijo
Como disse o blog:
ResponderExcluir"Não estamos falando de um movimento ou de ma onda que surgiu agora, com Bolsonaro, mas do reflexo das eleições, em que José Serra se aliou com forças conservadoras da/e ligadas à Igreja Católica (como a TFP), atraindo outros grupos de caráter fascista para sua campanha, abrindo espaço para uma campanha baseada no ódio, no preconceito, no racismo e na homofobia. Marina Silva, a neopentecostal, foi a outra ponta de lança que, mesmo com discurso carregado de preconceito e medievalismo, conseguiu atrair parcela da classe média way of life, vazia, sem ideologia, que adotou o ecologismo - sem sequer saber do que se trata - como bandeira.
Juntos, estes dois candidatos consequiram quase metade dos votos, e também deram espaço e voz aos grupos mais conservadores da sociedade. Junte isto a uma mídia oligárquica, controlada por pouquíssimas famílias (ou por igrejas evangélicas, o que é ainda pior), com interesses próximos, senão os mesmos, que fez o possível para espalhar as mensagens de ódio o mais longe que podiam.
Assim que a eleição terminou, supostamente derrotados, os grupos oligárquicos voltaram a se mexer.
A Folha de São Paulo, o grupo de mídia mais sujo do país, em conjunto com a eternamente golpista Rede Globo, logo de cara passou a abrir espaço para que a extrema-direita manifestasse todo seu ódio contra nordestinos, pobres e afins. Não bastou a Ditabranda ou a Ficha Falsa da Dilma, Otavinho queria sangue.
Hoje, somos forçados a aguentar o mesmo discurso fascista da mídia, com um governo que nada faz para mudar a situação e com uma esquerda extremamente dividida. Enquanto isso, a direita se organiza, os neopentecostais desfilam o máximo de preconceito, racismo e homofobia que podem, e Bolsonaros ganham fama.
É hora de abrir o olho! Estamos diante do que pode ser o começo da reorganização da direita e da extrema-direita no país. Enquanto o PT caminha para o Centro e flerta com parte da direita (PSD, PP, PR, cia), a esquerda fica perdida, se batendo, sem ação."
Tá na hora de abrir o olho!
O Hugo está olhando o caldeirão cultural (como muitas vezes, suspeito que ele enxerga mais que eu), e acho oque ele tem razão que tende-se a produzir efeitos americanizados como o massacre em escolas.
ResponderExcluirIsso é culpa do pensamento individualista que o capitalismo estimula. Já que Marx já "patenteou" o termo "Fetiche da Mercadoria", vou improvisar uma outra expressão (até porque quero exprimir outra ideia): que tal "fetiche do poder de compra"?
Sim, eu quero dizer que quando o poder de compra aumenta, as pessoas gostam de se iludirem pensando que estão num outro nível, uma coisa de ter fetiche mesmo, no sentido de tesão (ora, a publicidade não explora justamente isso?).
Procurem por "Bentley Ad" no Google Imagens: um cara ricaço mostrando o dedo do meio: "eu tenho, você não tem". Essas coisas vão quebrando o senso de comunidade, vão inflando o ego, o individualismo, e o outro? Que outro? (E no Google Vídeo, parece que o resoltado é um vídeo de uma gostosa de biquini se esfregando num carro da Bentley e comendo cheeseburguer, já que falamos em fetiche, vou admitir: só pela descrição já e nojento - em muitos sentidos - mas deu uma vontadezinha de assisitir, para embarcar num mundo-fetiche onde as gostosas se oferecem para gente se a gente dirige um Bentley, em que podemos tratar as mulheres como objeto, e onde cheeseburguer não engorda!)
E se Bolsonaro defendesse a pedofilia?
ResponderExcluirHá duas distorções nos argumentos dos defensores de Jair Bolsonaro: uma visa proteger seu mandato; outra, a sua primariedade penal. Nenhuma delas tem a menor solidez. E ambas são terrivelmente hipócritas.
Durante o mandato, em manifestações públicas, um deputado federal jamais fala como “cidadão comum”. Ele representa o Congresso Nacional e, numa extensão simbólica, as próprias instituições democráticas do país. A imunidade parlamentar impõe responsabilidades que não se restringem ao ambiente do plenário. Caso contrário, o tal “decoro” ficaria restrito a etiquetas cerimoniais. Bolsonaro não usou sua baba retrógrada para discutir leis ou políticas públicas. Ofendendo as coletividades que odeia, ele insultou princípios constitucionais que é pago para preservar.
Ninguém defende o cerceamento da liberdade de expressão do imbecil. Tanto que ele pôde externar publicamente seu pensamento excrementício. Mas agora deve responder pelo gesto de expô-lo, daquela forma e naquelas circunstâncias. É sempre útil reafirmar que o pronunciamento racista e homofóbico do deputado não surgiu num contexto fictício, dramático, especulativo ou mesmo irônico. Ele tampouco foi flagrado numa conversa particular. Em pleno acirramento dos crimes motivados por raça e sexualidade, a fala do deputado ganha característica de incitação à delinqüência.
A hipocrisia dos defensores de Bolsonaro sobressai nas comparações com outros episódios que também precisaram de uma boa dose de ponderação e espírito democrático. Quando cassaram José Dirceu, não houve na imprensa corporativa quem o defendesse com base na sua representatividade ou na separação dos atos de ministro, parlamentar e líder partidário. O mesmo silêncio envolveu a absurda decisão de proibir a Marcha da Maconha em certas localidades, mesmo que os inúmeros argumentos favoráveis à legalização destruam a autoritária tese da “apologia ao crime”.
Caso Bolsonaro não tivesse atingido os negros ou os homossexuais, as reações da mídia conservadora seriam menos “tolerantes”. As boas famílias ficariam indignadas se ele dissesse, por exemplo, “tem umas garotinhas por aí, de onze, doze anos, que são umas delícias.” Notem que esta hipótese também expressaria um juízo individual. Mas será que alguém viria defendê-lo, ponderando que existe uma “pedofilia do bem”?
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