segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Estado da Arte na Avenida Paulista



vídeo acima pode até ser auto-explicativo, mas vale a pena refletir um pouco mais sobre ele. Tratava-se de um happening, no qual o artista aparecia como um terrorista islâmico que subia em dois orelhões - logo ali na frente do Conjunto Nacional, na Paulista - e disparava seu fuzil de brinquedo, do qual saía uma flor. Eis que a polícia militar bandeirante surge e resolve participar da intervenção, derrubando-o com um soco para depois dar-lhe bons pontapés. Foi a partir daí que meus amigos Lucas e Marcela resolveram filmar o que se passava, o que deu origem a este post do blog do nosso coletivo no Direito puquiano, o Disparada - lá, uma pequena tentativa nossa, e de mais alguns outros esquizos, de romper com certa polaridade que perpetua a mesmice da política estudantil no nosso ambiente, operando por meio de pequenos agenciamentos rizomáticos, por dentro do Direito, mas tanto por fora quanto por dentro dos muros da Academia.

A situação em questão é toda absurda, mas o artista - que seguiu adiante, discursou e continuou a intervenção, sendo preso em seguida para sair de cena até o presente momento - cumpriu seu papel; happenings são intervenções artísticas em lugares públicos, imprevisíveis e que buscam afetar as pessoas presentes naquele meio.  Trata-se de uma espécie de intervenção artística primorosa, pois rompe de maneira radical a cisão capciosa entre plateia e palco, esvaziando o discurso da representação por dentro dele, rompendo, também, com a cortina de fumaça (não à toa) estabelecida entre o Drama e a Política - ; não é por acaso que falamos e vivemos sobre uma democracia dita "representativa", a noção de representação está no Drama e dele foi vertida para a Política como tantas outras coisas, o Teatro e a Praça Pública cumprem funções parecidas e o Palco inacessível onde se representa está para o Drama como o Estado está para a Política. 

Diógenes de Sínope, o cínico -- o pai de todos os happenings (Waterhouse)
O fato é que do mesmo modo que a inacessibilidade do Palco não é um limite real - fictício, ou melhor, deslocado -, o mesmo pode se dizer da representação política no palácio de cristal do Estado. Vem o happening e tudo é embaralhado e esquizofrenizado: Coloca-se fim à divisão entre atores e plateia, à hierarquização própria da representação e, nesses termos, também é desfeita a divisão entre Drama e Política. Portanto, quando o Governo Kassab resolve proibir manifestações artísticas na Avenida Paulista - mesmo sem fundamento legal ou constitucional, por meio de sua exótica e preocupante Operação Delegada -, ele pode estar cometendo um ato absurdo, mas não é, em absoluto, incoerente com o projeto que ele representa. A questão é se ele, com isso, é capaz de neutralizar os efeitos de intervenções como essa, o que eu duvido: uma performance dessas produz, de um modo ou de outro, rizomas, desdobramentos que escapam à captura do tirano; um happening envolve as pessoas e se desdobra por suas vidas, mesmo que seja reprimido, torna-se um vídeo, um post, outro post, inúmeras tuitadas - o pesadelo do sistema em pessoa, o fluxo indecodificável, algo que seja permitido ou seja reprimido irá se desdobrar e desdobrar a própria Vida sem Saída.


*Meu amigo André Paschoa, em fina ironia, deu de letra à la Agamben: Não existe Estado de SP, mas Estado de (S)SP.
** Não sabemos para onde foi levado ou o que aconteceu com o artista em questão depois que ele foi levado pelo camburão -- não lute contra a tirania do passado, ela se foi e jamais voltará, olhe para o aqui-agora.

4 comentários:

  1. Desculpe o Godwin latino-americano, mas tenho que dizer: e depois é em Cuba que 'não existe liberdade de expressão'.

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  2. Alguém lembrou da Virada (no twitter). De fato tem algo errado quando gastam 1/3 da verba da cultura num dia (e nesse dia as intervenções artísticas são liberadas), os outros 364 dias ficam com outros 2/3. Essa proporção era no começo da Virada, agora com esses shows de grandes artistas talvez tenha ficado ainda mais caro essas 24h de cultura!

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  3. Se a PM age assim na Av. Paulista, imagine na periferia.

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  4. Luis,

    Pois é - ou como diria Gil: O Haiti é aqui.

    Célio,

    Exato. É a mesma política de cultura que deixa cinemas de rua históricos fecharem, a mesma que persegue artistas e não incentiva as artes de forma alguma - e não vejo problema em gastar dinheiro na Virada, desde que não se volte necessariamente ao complexo industrial midiático e, sobretudo, que não importe no corte de investimentos na área.

    Bruno,

    Na periferia o bicho pega, meu velho - mas antes mesmo da questão socioeconômica e da problemática permanente da sociedade disciplinar, o caráter militar da nossa polícia, por si só, já é um problema prévio a se enfrentar.

    abraços coletivos

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