Kassab visita Congresso Nacional -- AE |
Se historicamente a esquerda costuma rachar quando ocupa o poder, a direita, por seu turno, racha quando passa muito tempo fora dele. Talvez isso explique o surgimento do mais novo partido brasileiro, o Partido Social Democrático* (PSD), um racha do DEM que, no entanto, encontra também dentre seus fundadores alguns ex-tucanos e ex-membros de variados partidos.
Temperado ou não, o clado que forma o novo partido é mais uma divisão da antiga ARENA, partido de sustentação da ditadura militar - dentro da democracia farsesca mantida pelo regime -, ele se junta ao PP (ex-PDS, ex-PPB) e ao DEM (ex-PFL, do qual se desgarrou) como decorrências de uma tradição da direita nacional fundada, a bem da verdade, à sombra dos tanques que puseram fim à democracia do pós-Guerra no 1º de Abril de 1964.
E o PSD já nasce de forma ambígua, demonstrando a crise pela qual passa a direita brasileira: ao mesmo tempo em que Gilberto Kassab, o prefeito paulistano e idealizador visível da legenda, orienta o jovem partido a não fazer "oposição sistemática" ao Governo Dilma no Congresso Nacional - dentro do qual sua bancada embrionária já votava a favor do Governo antes mesmo da ratificação do partido junto à Justiça Eleitoral -, nem por isso ele deixa de declarar apoio a José Serra, candidato derrotado nas últimas presidênciais e a voz mais agressiva da oposição, caso ele se lance candidato a prefeito de São Paulo ano que vem.
O papel de José Serra no processo de formação do PSD, aliás, é dos grandes mistérios da política nacional contemporânea: sim, a legenda teve facilidade para nascer não só porque isso interessa ao Governo Federal, mas também porque ela agrada aos interesses serristas, uma vez que marca a desidratação do DEM, o que põe na berlinda os grupos de ACM Neto e César Maia - ambos mais propensos a apoiar Aécio em vez de Serra como candidato da coalizão conservadora para as eleições presidenciais de 2014.
A figura do PSD, portanto, se mostra anódina não por não declarar no espectro político - como se isso importasse -, mas, precisamente, por sua prática (que é o que sempre interessa mesmo), que consiste em ocupar - e dilatar - uma zona morta dentro própria representação: se a democracia representativa é uma grande encenação dramática convencional, o PSD se encarrega em separar mais ainda a distância entre plateia e palco, atuando na parte não capturada pela iluminação.
No quotidiano da política nacional, na dureza da (sur)realpolitik palaciana, o PSD atrai uma gente bem distante do projeto que levou Lula à Presidência - ou mesmo do que Dilma ainda representa -, mas que não pode viver sem estar próxima ao Poder e, depois de oito anos apostando no bloco PSDB/DEM/PPS, agora prefere adotar uma linha de apostas mais pragmática. Para o Governo, isso é ótimo.
Isso tudo, ainda, satisfazendo Serra, como informalmente já foi o esquema transpartidário que elegeu o próprio Kassab prefeito de São Paulo em 2008 (contra o candidato oficial tucano Geraldo Alckmin) - o pré-PSD -, pois quebra o principal sócio tucano - e de Aécio - e, ao mesmo tempo, amortece as derrotas serristas no interior do PSDB. Agora, o jogo parlamentar muda e torna-se mais complexo.
* e não "social-democrata" como colocado originalmente, o que só torna tudo mais curioso...
Hugo,
ResponderExcluirTendo em vista tudo o que você explanou, somado ao que vem embutido na notícia abaixo, sou obrigado a rever minha posição e concordar com você no que tange a parte do que tratamos dois posts atrás, a Constituinte Exclusiva:
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/psd-propoe-constituinte-para-2014/n1597245876469.html
Pois é, mestre. É claro, também, que parte disso é estardalhaço para tirar o foco do fisiologismo e dar uma razão mais nobre para o surgimento da sigla, mas não há como escapar do fato de que o PSD é um DEM com agenda rebaixada - o que não muda o fato dele ser sim um DEM.
ResponderExcluirMais preocupante ainda é a história recorrente da Constituinte Exclusiva, como já lhe disse. E eu critiquei essa pasmaceira quando foi dita pela própria Dilma - em quem eu votei, declarei voto e ainda apoio.
Seja por desconhecimento, idiotice útil ou malandragem, uma Constituinte Exclusiva não deixa de ser um sofisticado método de exceção: a exceção internalizada no próprio processo de emenda à Constituição.
Em Portugal, algo semelhante - embora o sistema constitucional português, ao contrário do nosso, preveja mecanismos de revisão periódicos (quinquenais) - está em curso e ameaça, veja só você, os direitos sociais em nome de emergência econômica.
Não acho, no entanto, que o PSD vá comprar essa briga logo de cara - ou vá comprar muitas brigas, esse não é o estilo de Kassab -, mas esse é um risco que está posto, somente a espera de alguém abrir a caixa de pandora.
E o Governo Dilma, com seus recorrentes ataques de economicismo, pode acabar abrindo as portas da Pólis para o Cavalo de Tróia.
abraços