domingo, 4 de dezembro de 2011

A Partida de Sócrates

Sócrates, à direita, nas Diretas Já
Hoje, dia de encerramento do Brasileirão, acordo com uma notícia das mais tristes:  faleceu, pela madrugada, o Dr. Sócrates, dos maiores jogadores que este país já viu jogar. Magrão, diga-se, não foi apenas um grande jogador, foi também dos raros boleiros pátrios que, dentro e fora dos gramados, sempre se colocou contra o esquemão que decide, cada vez mais, os rumos da paixão nacional - e sempre o fez da forma mais intransigente, insistente e até mesmo mais chata possível. 

Aliás, o silêncio deste blog sobre o mundo do futebol, ora rompido, se explica: estou triste com o rumo das coisas, desde a maneira como essa Copa está sendo articulada, com todos os teixeirismos possíveis, até as desditas cada vez mais angustiantes do meu Palmeiras, passando pelo processo de erosão do esporte bretão, engolido pela máquina e banalizado - olhem só para essa Seleção Brasileira, por exemplo, é possível torcer com prazer para ela?

Dessa forma, o evento Sócrates precisa ser visto historicamente: ele remonta à Democracia Corintiana e sua participação no movimento pelas Diretas Já!, ainda nos anos 80, passando por sua postura de resistente, enquanto cronista futebolístico, coisa que estava exercendo.

Nesse sentido, se a notícia da morte do Doutor nos afeta negativamente, ela é, ao mesmo tempo, um estalo: a nossa passividade é, justamente, o que pretende todo o aparato discursivo tirânico do futebol, e ela sequer é colateral - quando um tirano como Teixeira vomita sua verborragia em entrevistas, ele o faz justamente com esse propósito; ele precisa nos ver tristes, logo, imóveis

É claro que a morte do Sócrates homem, por osmose da nossa cultura transcendentalista e ascética, nos provoca essa sensação dolorosa. Exigir algo diferente seria desumano. Ainda mais depois dos problemas de saúde pelos quais ele passou, que o levaram para a UTI, e da sua recuperação dolorosa. Mais parece que ele só se recuperou para ter tempo de se despedir.

É preciso, pois, ver o lado sublime disso tudo: a morte não é nada - ou é, justamente, enquanto inexistente. O que há é uma vida que, do ponto de vista fantasioso da duração, se extinguiu - o que, na verdade, não passa de uma ilusão, uma vez que os afetos que aquela vida produziu, em sua intensidade, não podem ser apagados e estarão inscritos para sempre na Existência. 

Toda vida, no fim das contas, é eterna - e só não desfruta da eternidade quem não se descurva diante da morte. Superemos, então, a desdita, pensemos o evento Sócrates como um todo, sobretudo em sua dimensão política - o que certamente é a maior homenagem que pode ser prestada para ele - e, assim, tomemos sua vida como inspiração para as lutas que nos aguardam. 
 

4 comentários:

  1. a melhor geração literária do Brasil era louca por futebol: de Zé Lins a João Cabral, de Nelson Rodrigues a Sergio Porto, de Drummond a Gustavo Corção. A direita e a esquerda, a hiper-letria amava a aletria da bola - não entendo porque...

    Não obstante, Socrates é um elo perdido disso: jogava tão bem quanto escrevia. E jogava politicamente - o que não podemos dizer nem mesmo do genio dos genios que é Garrincha.

    (como você sabe que eu detesto futebol, isso é um elogio maior do que eu costumo ser capaz. A você e a ele. E indiretamente ao que o futebol foi: um letramento do corpo. Como Pastinha e Bimba queriam que a capoeira fosse. Mas, industrializado, não é mais).

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  2. Estou de luto por meu ídolo futebolístico. Se meu Timão levar a taça hoje, será em homenagem ao grande doutor Sócrates.

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  3. Lucas: sim, com essa industrialização - mais até, com essa mercantilização - não é mais mesmo, mas podia ser, é isso que me alenta.

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  4. Estamos de luto, sim, Luis. Teria sido uma tragédia o Corinthians ter perdido essa taça hoje, embora o Vasco de Dinamite esteja mais perto daquilo que Sócrates sonhou para o futebol do que o Corinthians de Andrés...

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