quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A Privataria Tucana, a Má Consciência e a Coisa Nossa

Privataria Tucana. É o sugestivo nome do bestseller da literatura política do momento, de autoria de Amaury Ribeiro Jr., ex-jornalista do Estado de Minas. Há anos atrás, Amaury esteve enfiado na investigação do processo de privatizações no Brasil dos anos 90, acumulou desafetos, tomou um tiro, juntou documentos. Eis que em 2007, ele foi incumbido de investigar a vida de José Serra, desafeto e rival direto de Aécio no PSDB, tarefa que ele executou com afinco - já munido do material que tinha -, adentrando no que há de mais profundo do terreno pantanoso nos bastidores da política nacional recente - até que a intervenção de forças ocultas impediram a publicação da reportagem e levaram a uma campanha de descrédito contra a figura de Amaury na mídia. Eis que agora tudo aparece compilado e na forma de livro.

Seu livro, apesar do nome escandaloso e aparência de factóide, é uma bomba.  E o é justamente porque traz uma quantidade incrível de documentos, provando grande parte do que fala. Mesmo as conjecturas, sobretudo a respeito da campanha de Dilma Rousseff  - o racha petista, a guerra interna etc - e o enriquecimento misterioso de figuras ligadas às privatizações durante os anos FHC, são, para quem acompanha a política brasileira de perto, no mínimo plausíveis... Não, eu ainda não cheguei a ler todo o calhamaço de 344 páginas - cuja edição eletrônica já gira pela Rede, uma vez que a primeira edição já se esgotou -, mas olhei seus pontos estratégicos e assisti às entrevistas do autor. É espantoso. Sobretudo como as pontas soltas entre os esquemas de favorecimentos com as privatizações, as empresas fantasmas, a espionagem de inimigos políticos internos de José Serra e o escândalo do Banestado se unem.

É curioso notar a reação das personagens centrais do livro. Até agora, todos acusaram o golpe, se fingem de desentendidos, soltam muxoxos ou, no caso dos jornais alinhados ao PSDB, silenciam. Dentro da cúpula petista, idêntico silêncio ou explicações confusas sobre as acusações contra Rui Falcão, atual presidente da sigla. Importante citar que durante a campanha, o PT foi acusado de usar Amaury para quebrar o sigilo da filha de Serra, Verônica, o que nunca foi provado, mas o fato é que o jornalista transitou pela campanha dilmista, possivelmente levado pelo mineiro Fernando Pimentel.  Tanto que Amaury tem informações da guerra interna no partido e acusa Falcão de ter vazado informações para a mídia com o intuito de destruir Pimentel - o que lhe vale uma queixa-crime do atual presidente petista. À época, os petistas, sob acusação, apontavam que o dossiê sobre Verônica tinha a ver com Aécio e não com eles - o que por uma questão cronológica faz sentido, mas é possível que o dossiê, e futuro livro, passou sim pelo furado "bunker" de campanha de Dilma.

Não resta dúvida que um enredo novelístico como esse desperta a atenção das nossas vidas monótonas. O que realmente importa no livro, entretanto, é que ele é o fecho de uma série de reportagens, acusações, bolas rolando na área e afins sobre o processo de privatização dos anos FHC  -o que o torna um quase Wikileaks, uma prova do óbvio - além de, também, desvelar a grande pasmaceira que se tornou a política nacional: o que há de mais interessante em termos de confrontos, hoje, se dá em guerras intestinas dentro dos grandes partidos, PSDB e PT, ainda mais no primeiro, cujos confrontos entre Aécio Neves e José Serra já beiram o cômico - para quem ainda duvida da decadência do partido tucano, como cantamos a bola aqui há tempos. A julgar pelos rumos de PSOL e PV, aliás, nos parece que esse último item pode ser visto até como tendência geral.

No entanto, a Privataria Tucana alimenta mais as más consciências desocupadas do que suscita algum debate efetivo sobre os rumos da nossa política, portanto, nos apropriemos das informações valiosas que ele traz, mas, por favor, isso não é O debate. O primeiro ponto é que a corrupção não foi, de longe, o maior problema das privatizações, mas sim o processo em si, fosse limpo ou não, na medida em que marcou quase uma lápide no tardio e ainda infante welfare que a Constituição de 88 tentou implementar - o ônus das privatizações, com empréstimos sendo tomados no mercado externo, a altas taxas de juros, para capitalizar as futuras compradoras e a maneira como, uma vez findo o processo, não só o Estado brasileiro estava mais preso ainda à dívida infinita como a gestão dos serviços mais elementares estavam nas mãos do capital, ponto quase um termo final na democratização do país. O segundo ponto é que o tom novelístico, e a repercussão dada, foge a outro aspecto central: a necessária crítica à democracia representativa, essa mistura de salvacionismo messiânico, chantagem e comportamento de manada que, pelo visto, chegou ao limite de suas potencialidades positivas aqui e em qualquer parte.

Sim, José Serra é pior do que parecia - e olha que, à época, quando eu apenas o acusei de ser um pretende a Collor cheguei a ser criticado - e o PSDB está esgotado, completamente esgotado - direi por aqui pela centésima vez. Sim, podemos dizer que o PT é ainda o pior partido do país com exceção de todos os outros, muito mais pelo (grande) esforço dos seus concorrentes do que do seu - uma vez que bons nomes como Paulo Teixeira precisam conviver com os falcões e seus projetos pessoais. Seja como for, essa é apenas uma parte do debate, longe de ser, sequer, a maior dele. A corrupção não é uma entidade maléfica que está em fulano ou beltrano, tampouco paira por aí, mas é, se muito, uma consequência óbvia do funcionamento dessa forma de fazer política. Não estamos em busca de pecadores nem de salvadores, mas de saídas para um mundo em crise, esse sistema, tal como está, é insustentável e precisa ser confrontado de todas as formas possíveis.



8 comentários:

  1. "o que o torna um quase Wikileaks, uma prova do óbvio".

    Perfeito. Hoje eu peguei a "edição eletrônica" para ler, mas duvido que encontre algo que me surpreenda. Nada que eu já não soubesse há 15 anos atrás.

    Mas as consequências estão interessantes.

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  2. É o que eu não canso de dizer, Ândi: o óbvio nem sempre é evidente, mas ele é sempre revolucionário.

    abraços

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  3. Bom, eu discordo da sua conclusão, até porque acho que o mais importante das verdades comprovadas no livro não é a questão da corrupção.

    abraços,

    Mauro

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  4. O foco do livro é esse, Mauro. O que não deixa de ser importante, mas, não resta dúvida, que o centro do debate sobre privatizações não é exatamente aí - a corrupção que grassou aqui ou acolá (Rússia, Argentina etc) -, mas sim as privatizações em si. Também não é um debate apenas sobre o PSDB, embora, como qualquer coisa bem escrita sobre a política brasileira contemporânea, ateste o poço sem fundo que virou o partido azul e amarelo.

    abraços

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  5. Hugo, vc pode falar mais sobre o que pensa dos rumos do PSOL?

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  6. Manuel,

    A referência ao PSOL aqui diz respeito que ele, tal como PT, PSDB e PV - isto é, os partidos com as chapas presidenciais mais bem votadas em 2010 - está rachado. É um processo interessante. É claro, se a forma Estado está em xeque, a forma partido não poderia estar em situação melhor, mas é estranho que partidos de esquerda como ele também estejam nessa situação, uma vez que o papel deles era, precisamente, ser contra-partidos e fazer contra-governos. Se está é porque há algo seriamente errado na sua relação com o Estado - por uma perspectiva de esquerda -, o que se ilustra em uma crise de seu relacionamento interno e na definição de uma política comum.

    abraços

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  7. Não sei bem se contra-partidos ou contra-governo, mas anti-partido e anti-governo certamente. Como o Partido Pirata Alemão tem feito, não sem sucesso.

    (é que anti- não é contra- nem é des-. Deveriamos todos saber, desde Franco Basaglia).

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  8. Reparo aceito, Lucas. Mas é justamente por não assumir essa atitude de anti-partido e anti-governo que o PSOL se perde. Ele quer ser governo sem ser governo - como se fosse possível...

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