quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A Decadência do PSDB e as Eleições Paulistas




(Palácio dos Bandeirantes, a única via para o PSDB se manter vivo) 


Como debatíamos anteontem, a recente arrancada de Dilma Rousseff na corrida eleitoral não só reduziu - violentamente - as chances da candidatura Serra vingar, como também expôs uma gravíssima crise no PSDB: Uma coisa é perder com 40% do eleitorado e até ficar mais quatro anos fora do poder, outra totalmente diferente é correr o risco de perder de novo, por uma margem bem maior e já no Primeiro Turno. Isso pode simplesmente mudar a correlação de forças que já perdura há 16 anos na política brasileira. Não é pouca coisa. Aliás, a questão do processo de decadência tucano - e da oposição à direita ao Governo Lula - resultou em excelentes análises pela blogosfera, como há um bom tempo não se via. 


O NPTO abordou o fenômeno focando no aspecto do esvaziamento programático da oposição; o João Villaverde se ateve a particular situação tucana, apontando como a origem problemática do partido, somada à maneira como ele abraçou a ortodoxia financista nos anos 90, resultou na perda do bonde da história pelos tucanos, hoje; o Alexandre Nodari, narrando a desdita dos Bornhausen em Santa Catarina, nos ajuda a entender crise nacional do DEM e parte relevante da própria crise da oposição; por fim, o Idelber suscita uma hipótese interessante para isso, quando nos lembra que FHC, já nos anos 70, teorizava sobre uma transição conservadora para a democracia, explicando a ditadura militar como um golpe da burocracia do Estado brasileiro e não como uma decorrência do sistema capitalista e da luta de classes.


São todos textos riquíssimos e, embora não convirjam em certos pontos, eles são complementares na medida em que, de perspectivas - e com abordagens - diferentes, trazem à luz aspectos fundamentais pra a compreensão desse processo em curso. A minha hipótese para a crise do PSDB se aproxima bastante da que o Idelber levantou. O PSDB é um partido que nasce de uma articulação do MDB que, de certa forma, já vislumbrava uma transição para uma espécie de democracia afastada disso que chamamos de sociedade civil. Existe uma inegável conotação ideológica na teoria do autoritarismo de FHC, pois ela produz uma cortina de fumaça sobre os fatores econômicos que serviram de base para o Golpe de 64 - e cortinas de fumaça sobre o passado sempre são indicativos de que se pretende fazer o mesmo em relação a certas ações futuras. Creditar 64 a um suposto "gigantismo estatal" e confundir Estado grande - no sentido de indutor do crescimento - com autoritarismo é um belo álibi para, mais tarde, desmontar os espaços públicos garantidos pelo Estado sob o argumento libertador.


A hipótese que eu levanto para o momento atual PSDB é simples. Trata-se de um partido que, apesar do nome acidental - que se deve a Montoro e não a FHC, ainda que guarde certos aspectos da social-democracia - naseceu sob os auspícios de teorias de modernização conservadora, algo que se parece bastante com a função do Positivismo no Brasil dos fins do século 19º; o velho mudar tudo para não mudar nada, a incessante e paranoica busca de linhas de fuga para garantir a hegemonia de uma certa elite, o que demandava um projeto astucioso capaz de, ao mesmo tempo, construir um consenso entre as elites do centro-sul e do norte-nordeste e concretizar meios discursivos e práticos para manter o pessoal que estava no ponto mais baixo da pirâmide no seu "devido lugar", às custas da entrega do menor número de anéis necessários.


Há nos tucanos, no entanto, algo que os liga ao movimento socialista, que são certos elementos formais de organização comuns àqueles partidos que comungam da teoria do vanguardismo que serviu de base para o elo perdido do socialismo ocidental - a dita social-democracia - e o futuro bolshevismo: (I) A natureza economicista do discurso, o que se expressa pela omissão dos próprios elementos econômicos que geraram o Golpe de 64 - e sustentaram o regime militar decorrente -, o que transformava aquela esfera numa zona escura, habilitando os teóricos tucanos a construírem qualquer coisa nela sob a desculpa de estarem dirimindo o problema do estatalismo autoritário; (II) a  exaltação de uma razão transcendental, o que reduz a democracia a mero adorno na medida em que teóricos iluminados podem, através de decisões racionais, tomar decisões melhores do que aquelas que poderiam ser tomadas no debate público - o que, ao meu pensar, é ideológico mesmo e apenas servia para a legitimação da organização centralizada do partido; (III) o  economicismo prático - de natureza conservadora -, expresso na crença de que é possível estabelecer o Mercado como um meio de resolução de contradições reais, sem precisar se defrontar, de algum modo, com a questão da luta de classes ou com aspectos extra-econômicos - o que somado à omissão dos aspectos econômicos no discurso, temos um posicionamento que não é democrático definitivamente.


Governo Lula conseguiu produzir crescimento com estabilidade e distribuição de renda, ainda que não tenha encaminhado algumas questões centrais como as Reformas Agrária, Tributária e a Política - além de ter tocado apenas lateralmente no problema da concentração da Mídia -, mas mesmo assim isso foi fatal para o esquema tucano e alterou não só a correlação de forças políticas como mudou o panorama social como nunca se viu antes. Mesmo que o PT sofra de males parecidos com os do PSDB, ele, no entanto, tem reais vínculos com a sociedade civil, isso muda tudo, o grau de democracia interno ao partido da estrela é consideravelmente maior e isso se expressa na efetividade de suas políticas. Um ponto é como o bolsa família, apesar das suas limitações, se tornou na medida mais eficaz já posta em prática contra o poder dos coronéis. Ele simplesmente acabou com influência do DEM, tornando ineficaz o seu clientelismo por conta do assistencialismo republicano de Lula. Como o PSDB, durante os anos FHC, destruiu as ramificações nordestinas do seu próprio partido - em prol de uma aliança cômoda com os coronéis, o que era perfeitamente natural para o seu projeto de poder -, ele eliminou suas chances de interiorização, deixando-o na dependência do DEM que ora se liquefaz.


Nesse aspecto, a manutenção do governo paulista é essencial para a existência do PSDB enquanto um partido grande. Além do Governo FHC, o privatismo em São Paulo foi um dos sustentáculos fundamentais do tucanato. Depois da desindustralização de bons nacos do estado e de sua estagnação econômica severa aguda nos anos 80 e 90, a privatização do aparelho público, seja pelo sistema de concessões ou pelo esvaziamento dos serviços públicos, tornou-se um meio interessante para o PSDB se manter no poder: Esse parasitismo público era o meio para manter a hegemonia, construindo saídas para grupos empresariais falidos - que giravam em torno da indústria - e assim produzir uma saída razoável para o Capital, o que deu incrivelmente certo pela falta de uma oposição no plano estadual e pela bem-sucedida máquina de propaganda local. Esses setores tornaram-se a mola propulsora do partido. Dilma já está em primeiro em São Paulo e o partido precisa garantir Alckmin contra Mercadante, senão é fim de jogo. Uma derrota parece difícil de acontecer, mas eleições estaduais têm variações na intenção de voto sempre bem voláteis  e os riscos são claros.

19 comentários:

  1. Hugo,

    tem um aspecto que é curioso nisso tudo. Quando da construção do PSDB, enquanto ideologia pretensamente "social-democrata" (inspirada, ou não, em modelos europeus), uma coisa tornou o escopo do que veio a se tornar o partido em meados da década de 1990, frouxo.

    Pra não ser muito prolixo, é bom que se diga de forma mais direta. O PSDB não cumpriu - nem cumpriria, por impossibilidade mesmo - uma agenda básica de qualquer coisa ideológica que se pretenda social-democrata. É que não houve bases sociais significativas na estabilização do partido.

    Grosso modo, partidos europeus sociais-democratas surgiram a partir de bases sociais assentadas nos sindicatos. A impossibilidade do PSDB cumprir essa agenda surge, de certa forma, na origem, e se estende nos anos seguintes.

    O elitismo (econômico, acadêmico, enfim) de sua formação elaborou uma agenda social-democrata sem ter, praticamente, qualquer base social (entidades sindicais e movimentos sociais) para isso!

    Foi nesse sentido que o PT, durante a década de 90, ocupou de forma bastante "natural" esse espaço - de uma espécie de social-democracia. Isso por causa de sua própria formação assentada em bases sindicais e de movimentos sociais.

    Não é por acaso que o PSDB, com a postulação do Da Costa como vice de Serra, tem dado essa guinada pra um ambiente mais conservador e brucutu (de certa forma, microfascista).

    Resta-lhe pouco espaço, porque essa máscara "esquerdista" dos intelectualóides tucanos já não se sustenta num rosto de pau.

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  2. Exato, Raboni. A questão é: O que será da direita se o PSDB inviabilizar-se? Isso, somado à questão da necessidade de realização das reformas que eu citei, por parte do PT, serão as duas questões centrais do início do provável Governo Dilma.

    saudações pernambucanas

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  3. Hugo, não vou negar não, me causa um certo enfado a leitura desses textos que considero por demais eivados de sociologuês. Mesmo assim, de todas as análises que vc citou as que mais se aproximam do meu modo de ver é a do Idelber e a sua. Não sabia por exemplo que foi o Montoro que escolheu inserir a expressão social democracia no nome do partido, quer dizer, mais artificial impossível. Nunca vi nada de social democrata no PSDB, ou melhor, vi sim, eles pegaram o pior momento histórico dessa vertente política, qual seja, a terceira via, e o usaram para modelo. Lá fora, nos países desenvolvidos, essa guinada à direita dos sociais democratas poderia até fazer algum sentido, aqui, precisaríamos primeiro ter um welfare state estabelecido e funcionando a pleno vapor para que porventura se pudesse cortar supostos excessos, o que evidentemente não era o caso. Conspícua pela ausência também é a menção à influência de atores externos poderosíssimos como o sistema financeiro internacional, Depto. de Estado americano etc…, tudo é analisado como se fosse apenas uma espécie de "family affair" no qual não haveria nenhum tipo de interferência externa, e o país desfrutasse de um grau de autonomia na implementação de suas políticas domésticas que definitivamente não existia àquela época.

    P. S. Tem um livro de um cara que trabalhou no Banco Mundial ou FMI, não sei ao certo, que põe a nu todas essas maquinações financeiras destinadas a por países subdesenvolvidos de joelhos de forma a que os grandes conglomerados financeiros internacionais potencializasse ao máximo a ordenha das riquezas dessas infortunadas nações.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Confessions_of_an_Economic_Hit_Man

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  4. Marola,

    A ala do Montoro fez questão - embora, no duro, fossem democratas-cristãos. Materialmente, sempre houve muito pouco de social-democracia no PSDB, mas existem certos aspectos formais que, sim, estavam dentro da tradição burocratizada da social-democracia do século 20º. Para falar a verdade, materialmente havia pouca coisa no PSDB, eles tinham quadros, tinham uma visão elitista, mas não tinham nem sequer um programa para executar isso - e FHC deu um jeitinho para colocar a ala mais à esquerda do partido na berlinda mesmo, eram minoritários em São Paulo, mas eram majoritários em alguns estados do Nordeste. A aliança do PSDB como a PUC-RJ foi, nada mais, do que um meio para realizar o projeto que o FHC teorizou lá atrás. O Imperialismo merecia até um destaque maior, mas o fato é que não chegaria a tanto: FHC se alinhou com os americanos por decisões racionais suas; quando Clinton quis repetir a Guerra do Paraguai propondo que o Brasil fizesse algo em relação à Colômbia, ele soube muito bem como tirar o seu (e o nosso) da reta.

    abraços

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  5. Sobre o PSDB, a melhor definição por centímetro quadrado é do Delfim Neto: "O PSDB é o único partido social-democrata do mundo sem trabalhador"

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  6. Bruno: Pois é. Tem mais, no duro, os eleitores do PSDB são, normalmente, avessos a ideias social-democratas, seja até aquelas mais moderadas - o que é curioso, pois nem falo de eleitores que votam taticamente no partido, como ultra-direitistas e liberais, mas do eleitorado fixo do partido mesmo. Se o nome, em si, já é um contra-senso, ele só guarda alguns aspectos social-democratas, coincidentemente, no que toca certos defeitos...

    abraço

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  7. Para mim as raízes do PSDB estão na UDN, não a dos anos 1960, mas aquela que emergiu do primeiro governo Vargas, em 1945, e de onde saíram os grupos da esquerda não-comunista (como o PSB da época).

    Não acho um partido ruim. E o FHC construiu seu poder contra a tradição do partido, inflando o peso do DEM no governo, mais ou menos como o Lula faz com o PT. Em ambos os casos, são estratégias personalistas e autopromotoras.

    Vejo boa perspectiva de acontecer o seguinte: o PSDB perder em São Paulo (as curvas das pesquisas permitem essa previsão) e ganhar em Minas e Paraná.

    Isso faria emergir um novo PSDB.

    Aliás, acho que está na hora de a esquerda democrática começar a pensar em salvar o PSDB e evitar um aumento dos poderes do PMDB. Essa é a grande ameaça no Brasil hoje.

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  8. André,

    Eu não creio na relação entre o nascimento do PSDB e na UDN, isso veio depois, com algumas posturas que o partido assume uma determinada postura moralista e anti-nacional nos anos Lula. O PSDB tinha alguma coisa janista - no democrata-cristão Montoro - e um eco trabalhista em Covas que era do PST, uma facção do PTB. Quem dá substância programática ao partido, no entanto, é mesmo FHC - como também foi o seu grande articulador político nos termos que eu expus no post.

    Formalmente falando - isto é, tomando a categoria "partido político" como premissa válida e partindo da análise do seu modo de atuação, estrutura organizacional etc -, não se trata mesmo de um partido ruim. Agora, avaliando o seu conteúdo programático, eu não posso dizer o mesmo. Ele serve a uma particular e desastrosa perspectiva do projeto capitalista. Considero isso péssimo.

    Creio que o PSDB vença no Paraná e em Santa Catarina - e em mais algum estado pelo norte ou centro-oeste -, mas não deve vencer em Minas. Ainda assim, isso não fará diferença no domínio paulista do partido. Para mim, isso é uma inerência sua e não um mero acessório.

    Agora, um ponto que eu discordo mesmo do seu argumento é sobre o papel da esquerda democrática em relação ao PSDB. Penso que temos coisas mais importantes para fazer. Nesse ponto, minha visão converge com a do Idelber: Existem diferenças estruturais e programáticas entre PT e PDSB que impossibilitam uma verdadeira aliança entre ambos.

    O PT está errado em se aliar ao PMDB? Eu penso que na esfera da política institucional, não. Ele poderia, desde o início do Governo Lula, ter compensado isso trabalhando mais firme na politização da população e se aproximando mais dos movimentos sociais - como já coloquei aqui -, mas o problema da maioria parlamentar é real e entre se aliar com uma federação de oligarcas sem ambições nacional e que aceitam se submeter a um projeto transformador - moderado, que seja - é melhor do que se aliar com o parceiro do DEM e das políticas anti-civilizatórias dos anos 90.

    A grande ameaça para o Brasil de hoje é que crescemos, mas estamos nos aproximando de um teto baixo, que existe, justamente, pela não realização das reformas de base - agrária, política, midiática (que aparentemente já tinha sido resolvido na Constituição de 88, mas não houve regulamentação de lá pra cá), tributária etc. O PSDB, por exemplo, ou é contra essas reformas ou propõe algo que não me parece bom para o funcionamento do país.

    abração

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  9. "Ele poderia, desde o início do Governo Lula, ter compensado isso trabalhando mais firme na politização da população e se aproximando mais dos movimentos sociais..."

    Hugo, o grande mérito político do Lula foi não ter feito isso que você coloca como uma opção no trecho acima! Tivesse ele feito isso seríamos uma Venezuela hoje. E não acho que isso seria muito legal...

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  10. Hugo,

    Alguns pontos de discordância, para incentivar o debate:

    (i) Ninguém precisa ser neoliberal para se opor ao tipo de estatização da economia promovido pelos militares. No limite, alguém poderia ser favorável à privatização de TODAS as empresas estatais e, mesmo assim, defender uma PRESENÇA forte do mercado na economia, induzindo o desenvolvimento em direções determinadas e atuando pesamente na redução das desigualdades geradas pelo capitalismo. Faltou política social ao governo Fernando Henrique? É claro que faltou. Isso é decorrência de sua posição crítica em relação ao modelo de estatização defendido e (enormemente) magnificado pelos militares? É claro que NÃO. É essa a falácia que você e o Idelber cometem. Não é preciso defender a existência de empresas estatais para se defender um Estado forte e atuante. Você é favorável à reestatização de parte da economia? Tudo bem. Mostre-me os argumentos, que a gente discute. Eu sou contra. Nem por isso estou no mesmo barco que o Marco Maciel. Deus me livre e guarde.

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  11. (ii) Você atribui ao presidente Fernando Henrique a "exaltação de uma razão transcendental, o que reduz a democracia a mero adorno na medida em que teóricos iluminados podem, através de decisões racionais, tomar decisões melhores do que aquelas que poderiam ser tomadas no debate público". Eu não entendo o que você imagina que seriam decisões tomadas "no debate público". Você não quer se referir, naturalmente, a decisões tomadas diretamente pelos cidadãos. Acho que você reconhece a necessidade de mediações - parlamento, etc. (Se não for esse o caso, deixe isso explícito, para que a argumentação possa evoluir bem.) Você deve estar se referindo à participação da sociedade civil, e à permeabilidade do governo às pressões e contrapressões vindas dali. O nó da questão, se não me engano, é a postura do governo em relação ao MST e às invasões ilegais de terras. Novamente, não acho que seja necessário se transformar em neoliberal para defender a convivência entre o diálogo e a repressão civilizada das infrações à lei. Houve excesso em Eldorado? É claro que houve. Aquilo foi um massacre, fruto da atuação de uma polícia despreparada para aquele tipo de confronto. Nós precisamos criar protocolos de ação para casos desse tipo. Esses protocolos devem deixar claro, por exemplo, o que fazer em diversas situações. O que fazer quando manifestantes atiram na polícia, por exemplo? O que você sugere?

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  12. (iii) Você diz que o neoliberal não pode ser um democrata no sentido pleno da palavra. Ele abandonaria a solução de todos os conflitos às forças do mercado, ignorando "a luta de classes" e "aspectos extra-econômicos" - suponho que você esteja pensando aqui em desigualdades simbólicas, num sentido amplo (cultura, educação, acesso à informação, e por aí vai). Mesmo tendo restrições quanto à expressão "luta de classes" (usada aqui como um sinônimo de "desigualdade social"), eu tendo a concordar com sua postura em termos gerais. Acho que uma posição mercadista de tipo puro redunda numa restrição de fato das liberdades democráticas. A liberdade passa a ser valorizada do ponto de vista puramente formal. É o que faz (de modo caricato e relativamente pobre) o Reinaldo Azevedo. Eu só não acho que o governo Fernando Henrique seja um exemplo de liberalismo puro, ou extremado. A ênfase estava posta na consolidação da estabilidade econômica, isso é verdade. Mas também é verdade que, sem essa estabilidade, o Estado não teria condições de conduzir políticas sociais minimamente eficientes. Sem esse solo de estabilidade fornecido pelos dois mandatos de FHC, as políticas sociais de Lula seriam impensáveis. São duas épocas diferentes, com desafios diferentes, que foram muito bem enfrentados. Veja o que está acontecendo na Venezuela: as políticas sociais são efetivas, mas a economia está indo pelo ralo. Não é muito mais sábio fazer as coisas como fizemos no Brasil? Eu acho que é.

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  13. Arthur,

    Eu não me refiro à experiência de Chávez, talvez porque eu a enxergue de uma forma diferente daquela que eu propus - aliás, essa é uma das razões pelas quais eu não me ufano pelo chavismo, muito embora reconheça que ele cumpre uma função histórica importante. Lá, a organização do tal bolivarianismo sempre se deu, no limite, em termos militares - verticalizado, decididamente hierárquico - e com certa permissividade em relação ao culto à personalidade do líder. Ainda assim, tem o lado bom, de saber que espaços públicos foram, bem ou mal, construídos em um país - que assim como o Brasil - sempre esteve debaixo da regra do "manda quem pode e obedece quem tem juízo". Não, democracia não é aquilo que saiu do pacto de Punto Fijo e que jamais incomodou a mídia brasileira ou certos intelectuais, ela importa em participação real das pessoas - com espaços de debate e garantia de que suas deliberações serão cumpridas. Hoje, os venezuelanos têm espaços que não necessariamente são bons, mas eles pelo menos existem - mas reitero, o que está propondo é algo um tanto diferente.

    O Brasil ainda é um país onde as pessoas se comportam de forma passiva em relação ao Poder - o que não se encaixa em um projeto democrático - e o PT tinha (e tem) sim o dever de aumentar seus espaços de discussão internos - na verdade aconteceu o contrário - e de criar espaços para além do próprio partido, alguns até com caráter oficial. Isso não é demagógico, é exatamente o contrário: É resolver certos nós górdios do nosso sistema permitindo que os cidadãos tenham lugares onde possam se expressar, dividir suas experiências e deliberar sobre seu destino - sem hierarquizações ou cultos à personalidade, aliás, independentes até do Governo. Pensemos nos EUA, toda vilazinha tem lá seus conselhos de moradores, apesar dos pesares - e a democracia americana tem enormes problemas - ninguém questiona sobre o caráter disso. Da omissão de consolidar o processo de democratização surgiu a necessidade de depender exclusivamente do esquema político-partidário clássico que é isso daí mesmo. Como sabemos, num primeiro momento, deu no que deu, depois, em termos mais razoáveis, houve o governo de coalizão com o PMDB - e a estratégia atual de montar a chapa presidencial com os caras é até melhor que as outras duas opções, mas ainda assim, poderia ser melhor.

    Enfim, Democracia não é sinônimo de institucionalismo e até mesmo conservadores como Tancredo sabiam disso: Ele fez sua campanha presidencial, que ainda foi por via indireta, como se direta fosse e o modo como ele fomentou o debate na sociedade brasileira daquela época obrigou os parlamentares a tomarem uma posição sabendo que o povo - ou melhor, a multidão - não estava alheia àquele processo. Claro, argumentar que um governo de melhores poderia ser o caminho não é imoral - embora eu me ponha contra essa ideia desde já -, mas isso tem um nome e já existe há muito tempo: Aristocracia. Dada a experiência soviética, não me pareço convencido de que seja a melhor via.

    abraços

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  14. Jotavê,

    Vou por pontos assim como o nobre polemista propôs:

    (i) A questão não é essa. O que o Idelber colocou - e eu concordo cá no meu humilide cantinho - é como FHC construiu uma cortina de fumaça em relação às reais causas do Golpe de 64. De repente, o fator econômico some e o golpe brota da burocracia estatal como se ele pudesse se autonomizar em relação ao plano econômico - que na verdade a sustenta. Quem constrói um dualismo estanque é o próprio FHC, nos deixando "escolher" entre "Estado grande e autoritário" e "Estado pequeno e democrático" - na verdade, a concretização histórica disso foi um cadinho pior porque acabamos nos deparando com um Estado grande em custou e no aparato normativo-policial da nossa vida que era, simultaneamente, um Estado pequeno nos serviços públicos e na promoção do desenvolvimento. Por isso eu questiono o conceito de "neoliberalismo", tema que tratarei em melhor oportunidade.

    (ii) Permita-me explicar: Parte dissso eu já coloquei na minha resposta para o Arthur logo acima, mas quando eu falo em "exaltação de uma razão transcendental, o que reduz a democracia a mero adorno na medida em que teóricos iluminados podem, através de decisões racionais, tomar decisões melhores do que aquelas que poderiam ser tomadas no debate público", trato de algo que está extremado no PSDB - e em certo grau existe no PT também, como coloquei num comentário que fiz a uns meses no Nassif, como você deve ter lido no link - que é o espírito vanguardista que, ao meu ver, arruinou grande parte do projeto da esquerda: A estruturação da movimento numa organização partidária centralizada por uma elite, que se legitima por sua capacidade de ver coisas que reles mortais não veem, e que, por isso, é a legítima condutora do povo. Eu não estou falando do esquema de mediações do Estado, mas sim de algo anterior a isso, estou falando do próprio modo do partido ver a democracia e como ele irá se portar caso assuma a hegemonia, reduzindo-a a uma declaração de boas intenções.

    (iii) Se você voltar ao texto, perceberá que a palavra "neoliberal" não está grafada em momento algum. É um conceito problemático, mas também não estou tratando da questão nessa oportunidade. Estou falando em economicismo e isso, no meu entender, é a causa eficiente seja para a crença no livre-mercadismo - ou a fé ortodoxa no Plano econômico. Quando se joga uma cortina de fumaça sobre as causas econômicas de um evento que mudou a história nacional, na verdade, está se jogando uma cortina de fumaça sobre o futuro - ainda mais se o meio para resolução das contradições reais for identificado em instrumentos de política econômica que visem dar proeminência ao Mercado e, assim, jogar na sua esfera a resposta para essas demandas como se ele fosse algum demiurgo ou coisa que o valha. Independentemente do mérito, a forma que está posta a relação discurso-prática pelo PSDB se assenta sobre uma dissonância entre os dois elementos, onde o discurso aparece como elemento voltado para encobrir parte relevante da prática futura e a prática, por sua vez, é construída numa zona cinzenta, num invisível evidente, do discurso - o que é sim uma forma demagógica do exercício do poder político.

    abração e obrigado pela visita

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  15. Não adianta ficar brigando em torno dos adjetivos "grande" e "pequeno". A questão é o formato desse Estado. Vamos diretamente ao assunto, Hugo. Estamos falando de empresas estatais. É aí que está a linha divisória. Você acha que o processo de privatização foi um erro. Quero dizer o seguinte - a sua crítica não se dirige apenas ao MODO como a privatização foi feita, mas ao FATO de que ela foi feita. O modo, do seu ponto de vista, só piorou as coisas. Mesmo que tivesse sido conduzida por Madre Tereza de Calcutá, a privatização teria sido um erro, e essa perspectiva não teve que esperar a turminha da PUC do Rio para se impor. Já estava contida, lá atrás, na visão que Fernando Henrique tinha das empresas estatais brasileiras e de suas relações com o regime militar. Até aí, estamos de acordo, veja bem. Estava, mesmo. Só que isso não basta para explicar a guinada à direita do PSDB. Não é isso que faz o partido, sob o comando de Fernando Henrique, a dar um peso apenas secundário a políticas sociais, entregando-as nas mãos (hábeis, mas impotentes) da primeira-dama. Não é isso que explica a política econômica conservadora de seus dois governos. A única coisa que a crítica do "Estado empresário" gerou foi... a crítica do Estado empresário. Ele pensava assim lá atrás, e continuou pensando assim lá na frente. Até aí, morreu o Neves. Isso não diferencia o Fernando Henrique do presidente Lula, por exemplo. Quem é que fala seriamente em reestatização, hoje em dia? Quem é que acha que a telefonia deve voltar para as mãos do Estado, por exemplo?

    Nós temos que falar com clareza. Podemos ser a favor da criação de empresas estatais, e podemos achar que a burocracia estatal não tem por que começar a se comportar como uma classe social, portadora de interesses e perspectivas. Mas, quem se posiciona assim, deve estar preparado para ver situações muito mais matizadas do que as que cabem nessa oposição pobre entre "Estado mínimo e democrático" e "Estado inchado e autoritário". Eu desafio você a me citar um único texto em que Fernando Henrique advogue uma oposição exclusiva entre essas duas coisas. Toda a sua tentativa (MESMO depois da "guinada à direita" subsequente ao Plano Real) foi EVITAR essa dicotomia. Preconizava um Estado enxuto (sem estatais, e sem cabides de emprego) que pudesse ser mais EFICIENTE.

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  16. Jotavê,

    Os adjetivos em questão dizem respeito à forma - se eu digo que algo é grande ou pequeno, refiro-me à natureza da forma e não à sua materialidade, o que torna sua crítica sem sentido. Ademais, como coloquei, o Estado não diminuiu sob a égide de FHC, muito pelo contrário, a concretização histórica da sua produção ideológica resultou em um Estado maior - e até mais centralizado -, mss que era um amontoado de instrumentos voltados à mercantilização da vida - e não vejo as coisas por uma perspectiva de estatal x privado, mas sim de público x mercantil, é essa última tensão que expõe a oontradição real da nossa sociedade e do nosso tempo e ela que deve ser resolvida delimitando corretamente os espaços (afinal, ambos são necessários). Evidentemente, o processo de mercantilização do que era público foi vendido como a ideia de "privatização" e esse termos que eu utilizei pelo seu uso corrente, embora seja, de fato, um significante vazio.

    Reitero o ponto que eu levantei lá em cima, FHC insistiu, por via meramente ideológica, em colocar as coisas nos termos do estatal x privado, estabelecendo uma bifurcação totalmente arbitrária entre o estatal-autoritário e o privado-democrático: A natureza ideológica dessa afirmação se expressa de forma clara na medida em que vimos que, na prática, a teoria foi outra (eis aí, com o perdão do sarcasmo, uma maneira fácil de entender a concretização da ideologia na história). Isso está demonstrado de forma clara no próprio Autoritarismo e Redemocratização como o próprio Idelber bem expôs. A questão é: FHC sustenta que é foi da burocracia de Estado que nasceu o Golpe de 64, eu sustento que foram certos fatores reais de poder - que sustentavam também eessa mesma burocracia - que fizeram, de acordo com a tensão de forças existentes da sociedade, o golpe e o regime subsequente. A questão aqui não é "eficiência do Estado" ou se o problema é o "modo como as privatizações foram feitas", mas sim o ato de jogar uma cortina de fumaça sobre a causa próxima de um fenômeno para expor, com propósitos político-hegemônicos, que ele veio de algo que, na verdade, se constitui como um de seus efeitos apriorísticos.

    Evidentemente, os burocratas tinham seus próprios interesses - isso não foi contestado aqui -, mas eles não se sustentatavam por si própios porque (i) É preciso lembrar que o grosso do sistema empresarial estatal foi desenvolvido durante a ditadura e não antes dela e ele, ainda por cima, servia aos agentes privados que deram sustentação ao próprio golpe; (ii) mesmo que por engano se sustente que o sistema empresarial-estatal pré-64 fosse capaz de gerar 64 - e que ela servisse à sustentação do pós-64 - não há como sustentar uma autonomia desse porte de uma burocracia de Estado em uma economia que nunca foi planificada.

    A aplicação prática desse discurso serviu a uma modernização conservadora assim como o Positivismo o fez nos anos 1890: A construção de uma linha de fuga para a mesma elite burguesa de sempre, que lutavam pelo controle das estatais como seus instrumentos e, depois, comprou a tese de FHC para se posicionar inteligentemente no Mercado quando boa parte dos serviços essenciais foram diluídos nele - no outro caso, o das empresas estatais, de certo modo, elas sempre tiveram certa inserção no Mercado, embora seu controle não fosse privado. Você pode argumentar que a maneira como esse sistema empresarial-estatal foi usado no seu início deveria ser modificado - o único argumento que encontro é a maneira como seus recursos eram direcionados e quem se beneficiava disso -, mas o caminho da "privatização" não serviu para essa modificação, ele apenas concentrou a renda dessas empresas mais ainda. Esse Estado foi razoavelmente eficiente, por um curto espaço de tempo, para concretizar o fim ao qual se prestava desde o início: Manter a distância material relativa entre as classes sociais.


    abraços

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  17. E só para terminar, meu caro, Jotavê:

    A grande diferença entre FHC e Lula está no fato de que o segundo voltou, pragmaticamente, todo esse arcabouço econômico que herdou para gerar utilidade social, ampliando renda salarial, emprego além de executar uma política de redistribuição de renda, cuja amplitude e profundidade está fora de discussão no governo de seu predecessor.

    abração

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  18. Ney de São Paulo,
    Adorei o debate, afinal, debate é isso cada um defender o seu ponto de vista...Achei a "coluna do Hugo muito pertinente, aliás vai servir de estuto para minha pesquisa no meu curso de PEDAGOGIA, para a disciplina (Fundamentos das Línguas Oral e Escrita). E também adorei o posicionamento do Jotavê para dar ai uma apimentada no debate....

    Parabéns para ambos ilustres escritores e muito obrigado pela oportunidade que aqui tive de me intererar um pouco mais sobre o tema "Política no Brasil", confeso que sou bem leigo no assunto,porém, bastante curiso em debates....

    Abraços

    Ney estudante do 4º semestre do curso de Pedagogia.

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  19. Olá, Ney, muito obrigado pelo elogio e sinta-se bem-vindo a comentar nos posts que você achar interessante - aliás, ande pela blogosfera, você vai encontrar coisa muito boa.

    abraços

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