quarta-feira, 13 de abril de 2016

Na Era do Impeachment: Estar em Minoria

(Da esquerda para a direita: Paulo Arantes, eu, Laís Bodanzky e Cibele Forjaz/foto Mídia Ninja)



Texto base da minha fala apresentada na mesa  Arte pela Democracia do Ocupe a Democracia.


Retomar a Arte Política & Performance Democrática

Boa noite a todas e a todos, agradeço ao convite da Rosana e me sinto muito honrado em comparecer a este evento neste momento crucial da nossa História, cumprimento também os demais integrantes da mesa

Esta fala é sobre a dimensão sim artística da política como forma de produzir democracia e construir saídas, mas é, para começo de conversa, sobre estar em minoria e a sensação de assombro que isso gera – sobretudo quando uma minoria não é democrática. É um pouco da minha pesquisa de mestrado, recentemente aprovada na PUC, sobre as tensões entre maiorias e minorias em uma democracia.

Em um primeiro momento, é preciso considerar o seguinte: não é digno de qualquer espanto o fato de estarmos em minoria quando o assunto é a democracia. São as minorias que tomam a iniciativa de mudar o mundo ou de conservar o que nele é importante para o bem comum. Sempre.

O movimento da maioria é de manada ou de matilha, ele ignora o que precisa mudar ou se conserva ou quais as consequências disso. Pegue qualquer revolução ou reforma e não raro estaremos diante inclusive da tragédia de sonhadores. Só que como bem sabemos mais vale uma boa morte do que uma má vida.

Diante disso, é perfeitamente normal que a maioria esteja a favor de um impeachment que, por sinal, se configura como um golpe. Mesmo em uma democracia. A democracia não é o estado de coisas em que estamos, mas o movimento real que permite antagoniza-lo para criar uma vida melhor.

Mas não seria a democracia o governo da maioria? E o desejo da maioria não seria o mais justo? 

A verdade, a dura verdade, é que não. A democracia convoca instrumentalmente maiorias apenas naquilo que lhes pertinente, o sufrágio universal, por sinal, serve para equiparar o voto dos fracos e dos fortes, dos ricos e dos pobres, não para gerar qualquer linchamento. Do mesmo modo que naquilo que diz respeito às minorias ou aos indivíduos valem as instituições. Maiorias não podem deliberar sobre o interesse de minorias ou dos indivíduos, sua deliberação minorias étnicas, pessoas com orientação sexual fora dos “padrões”. Para isso existem as instituições. Um processo de impeachment, como um processo penal, não pode ser guiado pelo instinto de linchamento.

Não é pela decisão da maioria que podemos ser ou não inocentados ou multados, mas pelo direito. Por isso, decisões do júri assim como aquelas referentes ao impeachment podem ser anuladas judicialmente. Mas nem sempre essas instituições garantidoras funcionam, a única coisa que pode fazer garantia os próprios garantidores é sempre a  multidão – a multidão insolente de Negri e Hardt, que não se confunde com a massa.

A democracia é o regime das minorias, a bem da verdade, um antigoverno ou o governo do qualquer um à moda de Rancière. A Maioria é que existe enquanto quantidade e padrão, a minoria é o que existe por si mesmo, como nos lembram Deleuze & Guattari.


Contudo, mas não precisaríamos de votos para deter um processo de impeachment, vencer eleições, aprovar leis? Ou como contornar isso?

A história universal é sobretudo irônica. Entre ser uma obviedade dize que a terra é redonda e gira em torno do Sol e ser linchado por dizer isso, houve um longo caminho. Ninguém cogitaria pôr em votação uma discussão sobre a terra ser ou não quadrada ou sobre quem gira em torno de quem, o Sol ou a Terra.

O caminho entre um e outro é a produção de uma narrativa que naturalize na vida comum as coisas como elas são. Não foi nem a ciência, em seu aspecto teórico ou empírico, que fez tal verdade prosperar sobre as superstições. Uma narrativa que conseguiu fazer tais verdades não apenas parecerem verdade, como realizarem o desejo humano: de conhecer, de navegar, de atravessar o mundo.

É, retornando à Rancière, no momento em que se produz um regime estético e narrativas ancoradas nisso que se é possível contar certas histórias. É a mesma fórmula, só que às avessas, do que fizeram déspotas ao longo de toda história humana: aqueles, mediante narrativas fantasiosas que serviam à criação de superstições, sempre nos dominaram.

Antes da verdade, produziram narrativas fantásticas, usaram a imaginação humana contra a própria humanidade. Mentiram várias vezes até que tais mentiras se tornassem a verdade da sua dominação. Eles mentem hoje da mesma forma. Mentem copiosa ao naturalizarem um processo golpista como um impeachment.

Fazer e retomar a arte política – como propõe Zé Celso Martinez Corrêa – é urgente. É construir narrativas capazes de neutralizar aqueles que usam a democracia contra ela própria. Fazer, como está sendo feito, movimentos, redes, produzir polifonia, fazer carnaval.

Só isso é que começou a reverter a morte por definhamento da nossa jovem democracia, que permite sonharmos em impedir a derrota no impeachment ou a viabilizar desde já uma resistência democrática.

Não faremos maioria no Congresso. A maioria é sempre do poder. Mesmo que o impeachment seja barrado foi, sem dúvida, por termos produzido verdades comuns que possibilitaram a resposta – e só assim podemos mudar isso.

Mesmo que seja uma vitória em número de votos será uma vitória da naturalização da democracia na sociedade. O tempo, contudo, conta contra a democracia. O que exige nosso esforço máximo, sem perder de vista que ocorra o que ocorrer, não podemos esmorecer por qualquer um dos cenários.

                                              






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