quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Novas Pensatas sobre a Disputa pelo Governo de São Paulo


(O Buraco do Metrô e a emergência da política de transporte -- Rodrigo Coca, Futura Press)

A campanha paulista segue em curso. Alckmin, depois de ter perdido bons pontos, foi covarde ao extremo no debate de anteontem contra Mercadante: Fugiu tanto do seu adversário que isso ficou claro para o público. Sua campanha é das mais horríveis que eu tenho notícia, ela varia entre uma cantilena de um programa estrambólico onde nossos sonhos irão se realizar nos próximos quatros anos que contrasta, curiosamente, com a argumentação de quem critica qualquer coisa o faz porque não gosta de São Paulo, afinal, tudo está bem - e só os anti-paulistas não veem. Isso beira o malufismo puro e simples. Qualquer análise minimamente ancorada na realidade não demorará a concluir que a educação pública de São Paulo está em grave crise, que a segurança está em conflito consigo mesma e quetais, todos ligados a uma política privatista que cobra pedágios absurdamente caros, assiste não só passivo a sobrecarga do sistema de metrô como toca projetos bizarros como a linha amarela - que liga nada a lugar nenhum ao mesmo tempo em que nos deu frutos como o célebre buraco do metrô, por exemplo. Isso sem falar no Rodoanel, ambicioso anel viário voltado para desobstruir o trânsito na capital e que tem o metro quadrado mais caro desde a construção do Palácio de Versailles. Ainda assim, Alckmin insiste em uma retórica do naipe "São Paulo ame-o ou deixe-o" ao invés de fazer uma autocrítica desses quinze anos de governo tucano-demista em São Paulo para colocar sua candidatura, ao menos, sobre bases racionais. Mercadante está enfrentando as agruras do PT ter construído sua candidatura para o Governo do estado com atraso, mas está se saindo bem. Sua atuação no debate de terça, por exemplo, foi primorosa. Debates produzem resultados inesperados e não têm grandes audiências - este, por exemplo, registrou 18 pontos, o que é um bom resultado para um debate - e, ainda que possam mais comprometer do que ajudar algum dos candidatos, nem por isso deixam de servir para criar algum efeito eleitoral.  Será um embate duro, mas como candidatos que crescem nos dias que antecedem as eleições costumam não parar de fazê-lo, a tendência é que aqui aconteça Segundo Turno mesmo. Meu voto em Mercadante é a expressão de que no momento, a única força capaz de produzir transformações é o PT, que sua figura pessoal é competente e, sobretudo, que existe uma urgência em cambiar os donos do poder no estado: Não, São Paulo não é, definitivamente, um lugar melhor para se viver do que era antes dos tucanos entrarem no poder.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Meu Voto em Dilma




Vamos começar do começo, como é de costume por aqui. Primeiro, convém acrescentar que não me pronunciei  aqui, até agora, sobre o assunto do meu voto não por ensejar qualquer espécie de neutralidade ou imparcialidade. Não é o caso, afinal, quem me acompanha aqui sabe que não sou o maior defensor dessa visão de mundo. Tampouco isso se deve ao fato de supor que exista alguma separação entre o blog e eu, o que seria tão absurdo quanto supor que eu e o produto de minha atividade inscrito nas folhas dos meus rascunhos são coisas diferentes. O ponto é que esse sempre foi um espaço de crítica, que parte de pressupostos como (I) Todo ponto de vista é visto de um ponto inserido em um plano, logo, não existe possibilidade de estar fora, acima ou neutro em relação àquilo de que eu trato, portanto, minhas posições sempre foram muito claras por aqui; (II) Manter um diálogo aberto e franco com quem viesse criticar, apoiar ou complementar algo; (III) Não fazer militância, embora respeite e não veja problema nenhum em quem faça isso nos seus blogs, a questão é que, simplesmente, essa não era, nem nunca foi, a ideia deste espaço. Portanto, uma declaração de voto aqui é só uma declaração de voto mesmo - como o cachimbo que no fim das contas só era um cachimbo mesmo.

Sim, é claro que eu vou votar em Dilma Rousseff - o que não é nenhuma novidade caso você vasculhe meus arquivos e leia meus posts, o ponto é que eu estou escrevendo este post para explicar os motivos e razões. Em um primeiro momento, não podemos perder de vista que estamos vivendo um momento histórico ímpar: Essas são as eleições gerais mais importantes da história do Brasil. Isso pode até parecer um clichê, mas não é - e não é mesmo. São as primeiras eleições nas quais faremos a escolha clara entre manter um projeto concreto e efetivo ou optar por uma outra saída. Não é mais decidir entre o que está aí - que sempre se defendia com o argumento de ser o mal-menor ou de ser a política do "pinga, mas não seca" - e algo novo e incerto, mas entre escolher algo que funciona mesmo e projetos que lhe servem de oposição - e que, infelizmente, me parecem mais anti-projetos, o que me incomoda muito, posto que todos eles se corporificam em sombras de todo ou de aspectos do projeto petista, mas não em alternativas a ele, seja no caso mais radical e violento, o de Serra, cujo cerne de seu programa é um antipetismo não raro paranoico e poucas vezes respeitoso ou no idealismo de Plínio ou na candura de vestal de Marina

O Brasil passa a ter eleições livres - e verdadeiramente abrangentes - apenas nos fins dos anos 80, o que coincide não só com o atoleiro intelectual e cultural no qual o mundo se encontrava como também com a estagnação definitiva do nosso (disfuncional toda vida) modelo econômico, cuja formulação última remontava aos anos 30, muito embora os militares tenham feito alguns ajustezinhos para pior nos seus 21 anos de Ditadura. Como o Brasil não seria ele mesmo se não fosse exótico, o resultado de décadas de luta social - pela mais elementares liberdades, frise-se - pode até ter resultado no fim da Ditadura e na retomada da Democracia - ou isso que denominamos por tal -, mas esse raio de sol desemboca, curiosamente, em um momento no qual se acelera a velocidade técnico-econômica de um Capitalismo em globalização, fenômeno que causa - ao passo que mascara - a letargia e o infantilismo coletivo e individual. 

Os anos 90 nos quais cresci foram uma época idiota. Se uma direita caquética ainda rufava tambores em prol de um autoritarismo cujo ranço deve remontar ao Medievo, por outro lado, um projeto de modernização conservador foi posto em prática no país já com a eleição de Collor. São tempos duros, nos quais o único caminho, verdade e salvação era qualquer coisa que variava entre o desumanismo - porém sofisticado e fofo - do livre-mercadismo e ainda algum rompante desenvolvimentista. Enquanto o Estado Varguista é desmontado para se colocar em seu lugar o descalabro, o PT - um partido socialista e de massas, inspirado no modelo Europeu Ocidental - era a única força relevante de resistência, disposto a pautar uma saída outra, embora fosse simplesmente esmagado pelo esquema clientelista-midiático, fruto da junção do que demais perverso e atrasado existia na política nacional com a mais alta tecnológica a serviço de uma mídia de massa. Isso foi o Governo FHC.

Não foram apenas os desequilíbrios gerais do Sistema Capitalista, as particularidades dos erros dos anos 90 ou a crise em que nos encontrávamos no início do século que geraram a eleição de Lula em 2002, mas sim, sobretudo , a atitude do PT como oposição ao caminho único naquele período e a sua guinada em prol do realismo no início do século, liberando-se de boa parte das amarras idealistas que lhe prendia. Entre erros e acertos, o PT conseguiu coisas que poucos partidos de esquerda conseguiram pelo mundo - ainda mais assumindo em condições desfavoráveis - como arrumar a economia - o que não se restringe a mera estabilidade monetária como também a geração de emprego, renda e inclusão -, bancar uma política externa precisa - seja na área comercial ou estritamente política - e a estabelecer uma política institucional que é sim melhor do que a de seus antecessores - muito embora seja onde mais vacilou, mas não imagine você que se os termos das alianças que os petistas fizeram fossem tão ruins quanto as de FHC, que seria possível ter implementado metade do que implementaram. 

Alguém pode afirmar que poderia ter sido feito coisa melhor - o que pode ser verdade, ainda que eu não saiba por quem -, mas não que o Governo Lula deu errado, muito pelo contrário - assim como não há como surgir com uma simetria entre este Governo e o que lhe antecedeu, nem que existe equivalência entre o PT e o PSDB hoje em dia, pois até onde eu sei, o segundo jamais se prestou a fazer autocrítica em relação ao que concretamente errou, item que eu julgo, inclusive, fundamental para a consolidação da nossa Democracia. Votar em Dilma não dever ser enquadrado em qualquer forma de binarismo, especialmente aquele que nivela tudo necessariamente como perfeito ou horrível, trata-se apenas de um voto humano em seres humanos - cujo projeto que pretendem continuar não é apenas bom como também é o melhor que temos aqui e agora. Meu voto, portanto, é em Dilma Rousseff e se estende nos demais cargos para Mercadante, Marta e no Partido dos Trabalhadores nas eleições para o Legislativo. Simples - e convicto - assim.




segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Da Crítica aos Tempos Bicudos

Segue aqui um artigo do meu grande amigo Carlos de Lucca sobre a recente - e tragicômica - manifestação ocorrida em São Paulo contra o Presidente Lula - que, aliás, ilustra a capa da CartaCapital desta semana. Lula, para variar, foi acusado de autoritarismo e quetais, mas o pior do episódio é o caráter bisonhamente semelhante da referida manifestação com outra, realizada há 46 anos atrás - não por coincidência no ano do Golpe Militar. Isso é um recado claro: Não se trata apenas de um jogo eleitoreiro baixo, mas, sobretudo, de uma amostra do desespero que os setores de direita estão sentindo diante da liquefação de seu instrumento partidário, o PSDB, e de como a tensão de forças entre as classes sociais irá se expressar ao longo dos próximos anos, com o fortalecimento da classe trabalhadora diante das radicais alterações pelas quais passa a sociedade brasileira. Tal manifestação também contou com a inusitada (ou nem tanto) participação de nomes da "esquerda" como o jurista Hélio Bicudo que, estranhamente, assumem uma posição contraditória neste momento, deixando-se levar tanto por desavenças pessoais quanto por uma incapacidade analítica crônica - própria dos idealistas -, a tal ponto que acabam fazendo o jogo da direita - ou, no caso específico de Bicudo, unindo-se a extrema-direita - sob os auspícios de um delirante risco à democracia creditado, por sua vez, à ampla vitória petista que se anuncia no horizonte destas eleições gerais - confirmando uma das objeções deleuzianas à psicanálise: Não se delira determinações familiares, mas sim o Mundo, portanto, os delírios são geográfico-políticos. Bem, já me demorei muito neste intróito, segue o texto:

Bicudo como Todo Tucano

Quando a classe dominante começa a temer os dominados, o carcereiro se torna o prisioneiro, e seu medo gera consequências catastróficas ao mais fraco.


A cidade de São Paulo, na semana passada, foi palco de uma forte mobilização que manifestava o inconformismo de alguns setores de nossa sociedade com as declarações recentemente feitas pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com relação a alguns veículos de comunicação, acusando-os de comportarem-se como partidos políticos, em razão da oposição desregrada feita a ele, a seu partido e à candidata à Presidência, Dilma Rousseff. Neste ato foi assinado um manifesto - cujo "apartidarismo" é duvidoso - onde se dizia, dentre outras coisas, estar o Brasil marchando rumo ao autoritarismo.

Depois dessa cena lamentável, na qual intelectuais, juristas e religiosos, valendo-se do prestígio que tais qualidades conferem perante nossa sociedade, assinam um manifesto de conteúdo muito semelhante a outros que precederam, por exemplo, o golpe militar de 1964. Resta-nos agora a pergunta: Quem está em movimento de regressão? A atual política brasileira personalizada, pelo tal manifesto, tão somente em Lula e nos grupos que lhe conferem apoio, ou esta parcela de nossa sociedade que, sublevadas por interesses elitistas e golpistas, vão às ruas (muito embora sustentando um discurso em defesa da democracia e da liberdade [!]) para externar seu descontentamento com um presidente que goza de amplo apoio popular?

Desta feita, é muito oportuno colacionar o manifesto do general Odílio Denys, do almirante Sílvio Heck e do brigadeiro Grum Moss, publicado quando da possível volta ao Brasil de João Goulart, que assumiria a cadeira de presidente deixada por Jânio:

“No cumprimento de seu dever constitucional de responsáveis pela manutenção da ordem, da lei e das próprias instituições democráticas, as Forças Armadas (...) manifestam (...) a absoluta inconveniência, na atual situação, do regresso ao País do vice-presidente João Goulart (...) As Forças Armadas estão certas da compreensão do povo cristão, ordeiro e patriota do Brasil.” (grifamos alguns termos desse curto trecho do manifesto militar que são utilizados, também, ao longo do “manifesto Bicudo”)

Como se sabe, mais tarde esse grupo militar, com apoio de outros setores conservadores, marcharam rumo ao golpe de 64. Convém, também, registrar quem são algumas dessas forças de mobilização constituídas à época e que se assemelham muito com as que se unem contra Lula, quando não são as mesmas: a classe média alta, a Igreja Católica (à exceção de católicos de esquerda), a Ordem dos Advogados do Brasil que, pasmem, aprovou uma moção em que proclamava a necessidade de se preservar e garantir o livre funcionamento dos poderes constituídos da República, diante da situação (ainda bem que os todos “juristas” são os arautos da liberdade no Brasil... Que saudades de Francisco Campos, o “Chico Ciência!). Dentre outras.

Antes do golpe, também, o centro de São Paulo assistiu, nas imediações da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, uma manifestação aos moldes desta da semana passada. Foi a chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que reuniu milhares de pessoas que eram contra as chamadas “reformas de base” de João Goulart; dentre elas, a reforma agrária. Era apenas a direita tentando conservar seus interesses, sem pretensão alguma...

O que temiam? A mesma coisa que temem hoje: um governo que possivelmente irá cercear a liberdade de imprensa. Leiam bem: possivelmente. Assim como a motivação da invasão do Iraque se baseou em indícios de posse de armas de destruição em massa, as declarações de Lula sobre a mídia de oposição não passam de declarações enquanto não existentes no plano concreto do mundo dos fatos, como ocorre na Venezuela de Hugo Chávez.



No início deste texto referi-me ao “manifesto” como de "apartidarismo" duvidoso. O que evidencia tal afirmação é o trecho: 

“É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses. 










É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.”

Ora, este trecho se refere também a um veículo de comunicação cujo nome não escreverei, mas da mesma forma como existem revistas e jornais que fazem oposição ao atual presidente da república, há quem concorde com atual governo em alguns pontos, tendo a total liberdade para discordar em outros, como fez Mino Carta, da Revista CartaCapital (que é evidentemente de esquerda), quando da discussão judicial sobre extradição de Cesare Battisti, em que se posicionou a favor da embaixada italiana. Mas, olhem bem, o “manifesto bicudo” acusa o veículo de comunicação ao qual não dei nome de ter sido mobilizado para “reescrever a História procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.”

Ora, o “manifesto” se refere ao governo Fernando Henrique Cardoso! Tais atos de governo foram praticados por ele, quando foi presidente pelo PSDB! O que dizer sobre ser esse “Movimento pela Democracia” apartidário? Estamos há pouco menos de duas semanas do pleito eleitoral e sabemos a desvantagem do candidato do PSDB frente à candidata do PT. Parece-me mais um movimento inspirado pela direita conservadora brasileira, tal como no momento pré-golpe militar com a finalidade de, para dizer pouco, manipular o povo brasileiro a se posicionar contra o partido que ora governa o país e, numa tentativa de buscar apoio popular para o caso de um eventual Golpe de Estado à guisa do de 64, mas nesse caso, um golpe civil. Sabemos que a direita brasileira sempre se socorreu em golpes toda a vez que viu seu Poder sofrer a possibilidade de ser enfraquecido. Mas tudo pela liberdade de democracia, é claro. É só fazer uma remissão à história republicana. Não há necessidade de reescrevê-la para provar tal tese.

Ao ler este texto, podem dizer que aqueles eram outros momentos. Estávamos vivendo a Guerra Fria; havia o medo do comunismo. Bom, hoje não vivemos a Guerra Fria, mas temos como vizinhos governos socialistas sustentados com apoio popular. E o que a direita teme, no momento, é que o Brasil venha a ser como a Venezuela, por exemplo. E esse medo é suficiente para levar intelectuais, juristas, artistas, dentre outros a apoiarem manifestos como o do “Movimento pela Democracia”, uma versão mais atualizada do finado “Cansei”, onde a elite paulista foi à Praça da Sé protestar dizendo, “fora Lula” e que cansou de pagar para o avião do Presidente ser seguro e o dela não.

Dito tudo isso, o que temos que temer e quem está em movimento de regressão? O “manifesto Bicudo” ou a remotíssima possibilidade de um governo que venha a cercear a liberdade de imprensa? Sabemos que a liberdade de expressão é um direito fundamental, cravado como cláusula pétrea em nossa Constituição, direito de que sou e sempre serei defensor. E quando me deparar com uma concreta violação dele, certamente estarei escrevendo um texto como esse para preservar essa liberdade, assim como neste momento defendo a soberania do povo brasileiro em escolher, por si mesmo, quem será o responsável pelos rumos da nação, como quis o parágrafo único do primeiro artigo de nossa Carta Magna quando declara que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Carlos Augusto de Lucca Batistela. 25 anos. Estudante de Direito do 3º ano da Faculdade de Direito da PUC-SP.

Frente pela Legalização do Aborto no Brasil

Segue aqui um informe sobre a Plataforma para a Legalização do Aborto no Brasil. A minha posição sobre o assunto é clara, você pode ser contra ou a favor do aborto, mas não pode esperar que sua objeção pessoal e privada sirva de medida para determinar a vida das outras pessoas e do corpo social como um todo. Do contrário, caímos aqui em um autismo normativo-policial que pode transformar as já não pequenas limitações do nosso sistema político em uma contradição indissolúvel.


Plataforma para a Legalização do Aborto no Brasil será lançada no dia 28 de setembro
A Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto vai novamente às ruas, no próximo dia 28 de setembro, para reivindicar o direito ao aborto legal e seguro. A data vem sendo marcada nos últimos 20 anos por manifestações de mulheres em toda América Latina e Caribe, conhecida como Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto. Atualmente, são realizado mais de 1 milhão de abortos ilegais por ano no Brasil, o que coloca a prática como a terceira causa de morte materna no País, segundo o Dossiê do Aborto Seguro, lançado pelo instituto IPAS, em maio deste ano. O aborto ilegal e inseguro também é causa da violência institucional e discriminação das mulheres no sistema de saúde.
Além da defesa da legalização do aborto no Brasil, a Frente Nacional volta às ruas este ano para denunciar o processo de criminalização que as mulheres vem enfrentando no último período, como o caso da clínica do Mato Grosso do Sul que supostamente fazia abortos. Cerca de 10 mil mulheres tiveram suas fichas médicas violadas e outras 2 mil ficaram sob ameaça de indiciamento. No início de abril deste ano, as profissionais que trabalhavam na clínica - três auxiliares de enfermagem e uma psicóloga - foram levadas a juri popular, sendo condenadas sem nenhuma prova. Foram condenadas ainda, também sem provas, a trabalho comunitário, outras mulheres que supostamente praticaram aborto nesta clínica.
Acreditando que a saúde da mulher necessita ser discutida de forma séria, respaldada na realidade e em uma política coerente, principalmente em ano eleitoral, as organizações que compõe a Frente Nacional Contra a Criminalização de Mulheres e pela Legalização do Aborto elaboraram uma Plataforma para a Legalização do Aborto no Brasil, que será lançada, em São Paulo, no ato do dia 28 de setembro. Em defesa da vida e da liberdade das mulheres, a plataforma aponta as necessidades não apenas relacionadas a discussão do aborto legal e seguro, como ao atendimento da saúde da mulher pelo SUS, a garantia de uma saúde pública e à maternidade plena.

A Frente - Após o fechamento da clínica de planejamento familiar do Mato Grosso do Sul, em 2008, a Frente Nacional Contra a Criminalização de Mulheres e pela Legalização do Aborto foi articulada por mais de 100 entidades feministas ou não, espalhadas por todo território nacional. Teve importante atuação na desarticulação da CPI do Aborto e agora lança sua Plataforma para a Legalização do Aborto no Brasil.
28 de setembro - Importante data do calendário feminista em defesa da saúde da mulher, 28 de setembro é o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto. Neste ano, o ato acontecerá na semana anterior ao pleito eleitoral, o que ressalta a necessidade de nós, mulheres de luta, sairmos as ruas em defesa do que já nos é assegurado e propor avanços nesta pauta.

Serviço: 
Ato da Frente Contra a Criminalização de Mulheres e pela Legalização do Aborto
Dia 28 de setembro às 16h na Pça do Patriarca


Contatos:
Luka 8752-2369


domingo, 26 de setembro de 2010

Eleições Paulistas: O Avanço de Mercadante

O atual cenário da disputa política em São Paulo decorreu de uma construção perturbadora. As incertezas internas no PT - e um processo atabalhoado de escolha do candidato governista em São Paulo - confluíram com um racha no PSDB, expresso na escolha de Alckmin a contragosto da ala serrista do partido, e diante do seu próprio desgaste, provocaram um quadro curioso. Os tucanos, com a vantagem de controlarem a máquina há quinze anos e de uma certa popularidade em São Paulo, procuraram esvaziar o debate com o auxílio da sempre mui amiga mídia corporativa: Esfriava-se o debate no sentido de focar nas eleições nacionais e, também, para deixar o eleitorado menos preocupado possível com as eleições estaduais e, assim, deixar a decisão sobre quem votar para Governador para última hora, fazendo prevalecer o voto no candidato mais conhecido, portanto, Alckmin

Não era interessante levantar a questão logo porque Mercadante levaria vantagem sobre o candidato governista na medida que lhe supera na oratória e, sobretudo, porque se num debate frio o fato de Alckmin o eleitor tende a votar por repetição de memória, num debate quente, quem tem mais desgaste - e Alckmin tem, para além dos defeitos dos vários governos tucanos - leva desvantagem. O ponto, como levantamos por aqui há um mês, é que vários fatores da campanha presidencial expuseram - e aprofundaram - as falhas do PSDB - e falo de itens como o esgotamento do seu projeto e seus rachas internos -, tendo impacto sobre as campanhas estaduais. Isso teve a ver com os méritos de Dilma e os deméritos de Serra, mas o fato é que há um mês, o candidato tucano à Presidência foi deixado só com seu staff na disputa enquanto a estrutura tucana se voltou para garantir vitórias nos estados - sobretudo em São Paulo.

São Paulo, ao contrário do que se supunha fora do estado, ainda estava - como está mais do que nunca - em disputa. O programa eleitoral de Mercadante, no início de Setembro, no entanto, não conseguiu esquentar o suficiente a corrida para o governo do estado. Isso começou a mudar com seu bom desempenho nos debates, muito embora o resultado de debates seja a espécie da coisa cuja transmissibilidade em intenções de votos seja não só lenta, como incerta. Ademais, o PT falhou em construir uma oposição firme ao PSDB no plano estadual, o que fez com que a candidatura Mercadante chegasse precisando compesar certo "atraso". A afirmação da candidatura Dilma, no entanto, produziu efeitos interessantes ao conseguir romper certas barreiras em São Paulo - o que foi surpreendente, apesar e se esperasse seu desempenho fossem bom -, o que ajudou a puxar votos em Mercadante e a pôr na ordem do dia o debate sobre as eleições estaduais.

Somado a isso, veio interferência direta de Lula em favor de Mercadante, o que assustou assustou Alckmin e fez com que o candidato petista passasse a se impor até melhor. A campanha de Alckmin que se já não é boa, ainda conta com a má vontade de parte expressiva do partido - e de seus aliados - no estado teve de partir para o ataque para segurar o adversário e aí o jogo começou mesmo - talvez um pouco mais tarde do que deveria. O resultado é que ontem uma pesquisa Vox Populi confirmou um movimento que a IPESP já tinha antecipado: Alckmin caiu de 49 pontos para 40 e Mercadante passou de 17 para 28; A soma geral dá 40 a 40, ou seja, está pintando um Segundo Turno no estado - o que é uma hipótese com a qual eu trabalhava e não é nada anormal levando em consideração que Dilma está com 43% no estado enquanto Marta e Netinho para o Senado têm algo em torno de 35% das intenções de voto. 

A disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, como já disse, é chave para a sobrevivência do PSDB, mais até do que o eventual resultado para a Presidência da República pelas atuais circunstâncias, portanto, esse debate é digno das maiores atenções. O ponto é que agora, o PT está mais vivo do que nunca na disputa.





sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Rússia, Setembro de 93


(Setembro de 93-- a morte prematura da democracia russa)

Há dezessete anos atrás, estava em curso na Rússia o episódio que ficou conhecido pelo eufemismo de "Crise Constitucional" - na verdade, um Golpe de Estado clássico e manjado, promovido por Boris Yeltsin quando ele se viu diante de uma reação institucional à sua terapia de choque; o  termo "crise constitucional", além de pomposo, é um falseamento do que aconteceu: simplesmente o Presidente decidiu passar por cima da Constituição e do Parlamento para exercer o seu mando, a despeito dos custos humanos que isso representasse. Se havia crise ali, ela era de natureza econômica e social -  e com o golpe, se tornou política também. Como quem tem padrinho não morre pagão, o aliado do ocidente Yeltsin, tornou-se apenas um chefe de Estado envolvido em uma reles "crise constitucional" - fosse um secretário-geral da União Soviética fazendo o mesmo e seria transformado em pária internacional, acusado de genocídio. 


Não, aqui não se encontra nenhuma apologia ao sistema soviético, muito pelo contrário, o ponto é outro porque o buraco é mais embaixo: Estou fazendo uma condenação incondicional do autoritarismo, seja lá sob qual bandeira sobre qual ele se encontre - ou em que aliança -, o que é sim, sobretudo, uma crítica de como as ideologias - e as cortinas de fumaça pelas quais elas operam - levam as pessoas a relativizarem aquilo que está de acordo com os fins do plano maior que elas defendem. Isso não é um fenômeno exclusivamente russo, mas aquelas terras sofreram como poucas por conta disso; a origem, claro, está na tradição filosófica hegemônica do Ocidente: Existe uma razão transcendental em relação a qual só alguns iluminados têm acesso e isso, em maior ou menor gradação - de uma forma mais ou menos tosca -, lhes autoriza a designar a Ordem.


Existe uma tese, cujo argumento central é que houve um ponto de inflexão histórico na Rússia com a queda da URSS, o que teria alterado substancialmente as relações entre Estado e a multidão, o que eu discordo. A mudança ocorrida na Rússia pós-soviética foi nos acessórios de dominação na medida em que os meios do Poder Político designar a ordem do sistema econômico mudou, mas isso não alterou em essência aquela forma de pensar e executar projetos: Os iluminados simplesmente chegaram à conclusão que a economia planificada é uma má ideia e que o  mercadismo conduziria a Rússia ao paraíso, daí, aplicaram o projeto a qualquer custo. Nada de novo sob o Sol. É uma lógica muito parecida com aquela que Stalin e seus burocratas executavam as metas dos planos quinquenais. Se adotarmos a representação como paradigma, ficaremos presos em um debate falso sobre qual foi o verdadeiro mal necessário na história russa, quando, na verdade, as políticas econômicas soviéticas e a terapia de choque de Yeltsin/Gaidar nutrem um viés identitário quanto ao que realmente importa: Os procedimentos de elaboração e aplicação do projeto. Sim, são as duas faces da mesma moeda.


Antes que se diga qualquer coisa, a rebelião que opôs o então Soviete Supremo à Presidência da Federação Russa foi liderada por duas figuras insuspeitas de stalinismo: O líder do Parlamento, o economista Ruslan Khasbulatov - um cara que já criticava duramente o modelo econômico soviético enquanto Yegor Gaidar ainda era um intelectual do Partido, não só reproduzindo a linha oficial como censurando seja lá quem fosse quando comandava um naco importante da imprensa soviética - e o vice-presidente Iury Rutskoy, um militar popular e herói da Guerra do Afeganistão que depois se aventurou na carreira política. Ambos foram contra o Golpe da Linha-Dura e ambos faziam parte do staff - ou melhor, do balaio de gato - que girava em torno de Yeltsin até ele decidir um lado para onde imbicar - e não foi o da democracia, certamente.


A Terapia de Choque russa, como o Rutskoy bem definiu, tratava-se de genocídio econômico: O Governo russo resolveu praticar um "ajuste econômico ortodoxo", o qual consistia em uma singela mercadificação total - e acelarada - da vida posto em prática por meio de privatizações fraudulentas - o que produziu, entre os ex-burocratas do partido, uma boa quantidade de bilionários -, acabando com a rede de proteção social abruptamente, o que desembocou em uma súbita diminuição da expectativa de vida - e das condições de vida de um modo geral. O PIB contraiu e se concentrou.  O parque industrial russo, construído em grande parte no período soviético com os recursos que o Partido - enquanto grande corporação nacional - extraía da mais-valia dos trabalhadores, passou, sem mais nem menos, para mãos privadas que evidentemente não reembolsaram os cofres públicos - o que recentemente, com a Crise Mundial, resultou em mais bizarrice, com os recursos públicos sendo usados para cobrir os rombos dos oligarcas, o que resultou em uma dupla perda para a sociedade russa, como acentua o analista russo Boris Kagarlitsky (por coincidência um dos ativistas presos há dezessete anos atrás).

A dita crise, em si, é fruto de todo um tensionamento entre Yeltsin e o Parlamento, primeiro para tentar aprovar seu braço direito, Yegor Gaidar como primeiro-ministro ainda em dezembro de 92 e, depois, no verdadeiro cabo de guerra ao longo de todo ano de 1993, quando o Parlamento se negava a aprovar as emendas constitucionais exigidas pela administração - e depois de convocar uma nova constituinte - enquanto Yeltsin, por meio de atos unilaterais, declarava um Estado de Exceção - denominado como "regime especial". A confusão persiste contando com tentativa falha de impeachment de Yeltsin no Parlamento no começo do ano e segue até quando o Parlamento o cassa e ambos, Executivo e Legislativo, marcam eleições para meses diferentes de 94 - a situação evoluiu para o clímax, quando Yeltsin, em nova medida, "dissolveu" o Parlamento e  "convocou" novas eleições já no final de 93, fazendo o legislativo federal respondendo com a declaração de nulidade da decisão e a ordem de demissão de ministros chave.

A partir daí, protestos eclodem em toda Rússia, a tensão aumenta nas repúblicas separatistas, o Parlamento passa a ser protegido pelos seus simpatizantes enquanto, de lado a lado, articulações são feitas nos bastidores para cooptar as Forças Armadas, até ali divididas. Rutskoy e Khasbulatov perdem a briga e a Casa Branca (sim, o Soviete Supremo ficava num edíficio chamado Casa Branca...) é cercada por uma divisão de tanques que a bombardeia até os líderes do Parlamento capitularem e se renderem derrotados. Um número até hoje não calculado de manifestantes, em geral anti-Yeltsin, morreram nas ruas moscovitas, vítimas da polícia e do exército. A partir dali, o Presidente Russo, torna-se senhor absoluto do país, dissolvendo o parlamento e promovendo as reformas que desejava, via referendo - cuja apuração foi menos duvidosa apenas que as presidenciais de 96, vencida pelo mesmo Yeltsin.

O líder russo, naquele momento, removeu as amarras institucionais que lhe seguravam e, com a simpatia dos oligarcas e o comando das Forças Armadas levou a cabo seu programa, tudo isso sob os auspícios do bom-mocismo liberal - que aqui, pelas circunstâncias, toma a feição de "remédio amargo" - e do apoio do ocidente, apesar dos pesares. O PIB russo contraiu até os fins da década de 90, enfrentando ainda a grave crise de 98, enquanto, simultaneamente, centenas de milhares de pessoas morriam na Guerra da Chechenia. O movimento que gera Putin no fim dos anos 90 é simplesmente o de um grupo pró-modernização conservadora ligado a Universidade de São Petersburgo, plenamente alinhada com todo o processo narrado; era necessário assumir uma agenda mais autônoma nas relações exteriores e pensar no "desenvolvimento nacional" - propriedade grilada, propriedade a se desenvolver -, com um pouco mais de arrocho ali ou acolá contra os direitos civis. A, digamos, propaganda negativa reservada ao atual primeiro-ministro russo atual  é apenas uma cortesia de Washington pela sua política externa, no duro, ele é o sucessor de Yeltsin sem qualquer contradição nisso. A Rússia de hoje é o cruzamento de um pseudo-liberalismo ao pior estilo Veja com uma represssão semelhante - pior, para ser mais justo - ao Brasil dos anos 70; de certa forma, lembra o Chile de Pinochet e não há como entender isso sem pensar nos eventos que aconteceram em 1993.  

P.S.: Pravda na Pravdu, do grupo de rock DDT é uma obra que ilustra bem o momento. O título da música em russo, traz um trocadilho genial com a palavra "pravda" - que significa "verdade" (em sentido factual) e também é o nome do jornal oficial do Estado russo/soviético desde tempos imemoráveis (na verdade, o jornal foi fundado com o nome de Zvezda, por Trotsky). O trocadilho funciona melhor em russo porque não existem artigos: Em português, seu título seria O Verdade sobre a Verdade. O vídeo abaixo é muito bom.


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Caso Neymar e o Estado da Arte do Futebol





(Dorival e Neymar -- Agência Estado)

Na quarta-feira passada, em jogo válido pela 22ª rodada do Brasileirão, o Santos venceu por 4x2 o Atlético-GO na Vila Belmiro. O que era para ser um jogo sem sal entre a melhor equipe do primeiro semestre e um sério candidato ao rebaixamento tornou-se, de repente, além de um jogo movimentado, também o olho do furacão da maior polêmica do campeonato atual: O técnico Dorival Jr. vetou o atacante Neymar de bater um pênalti, o que resultou em enorme bate-boca entre os dois, no qual, ao que parece, muita coisa que estava presa eclodiu de uma vez só. Banco de reservas, torcida e até mesmo o treinador adversário, Renê Simões, ficaram do lado de Dorival.

Depois da tempestade, Neymar deu uma coletiva de imprensa emocionada, falando sobre si mesmo em terceira pessoa e pedindo perdão; enquanto isso, Dorival permanecia irredutível, exigindo uma punição mais dura - enquanto até mesmo o empresário de Neymar, como é recorrente no futebol brasileiro atual, enfiava seu bedelho onde não era chamado, defendendo o seu ganha-pão. A diretoria, perplexa, tentava pôr panos quentes e tocar a vida. A insistência de Dorival na punição forçou a diretoria santista para além de suas capacidades; pressionada, ela demitiu ontem o treinador, jogando publicamente sobre suas costas a culpa de toda crise numa das demissões de treinador mais desastradas, em décadas, no futebol paulista.

Muito embora se possa criticar a paranoia punitivista de Dorival, a discussão sobre o autoritarismo das relações treinador-jogador é, se muito, lateral nesta questão: O futebol de hoje, mesmo com o recuo da orgia de gastos na Europa, ainda é movido a consideráveis fluxos de capital, especulação e mutretagens de um modo geral; a sociedade do espetáculo e da velocidade transforma o futebol num espetáculo que é cada vez mais uma encenação dele mesmo, alimentando o ego de jovens atletas - que rapidamente perdem essa condição, tornando-se meros garotos-propaganda -, especialmente os oriundos do Brasil, do resto da América do Sul e da África, negociados como gladiadores para o circo romano. 

As mudanças operadas no futebol brasileiro nos anos 90, com o fim do Passe, acirram esse processo nessas terras ao provocar a desvinculação dos jogadores de futebol do controle dos clubes, sem lhes conceder qualquer tipo de liberdade - ao contrário, a opressão apenas foi transferida na medida em que eles tornaram-se propriedade de empresários que, da venda de ilusões pueris de grandeza, os controla (e os adestra) perfeitamente. O jogador é transformado em senhor da situação, quando, na verdade, só é senhor das próprias ilusões e dos próprios delírios de grandeza. O efeito prático disso foi a erosão das relações humanas no mundo do futebol. Não são poucos os jovens talentosos da atual geração de atletas brasileiros que se tornaram um blefe - e você não precisa fazer um esforço tão grande assim para pensar em exemplos recentes -, tanto menos por falta de talento do que por falta de juízo. 

Renê Simões, quando se referiu com dureza à insubordinação de Neymar tinha razão em grande parte: Ele não é um craque nem um adulto ainda e, apesar de todo oba-oba de uma imprensa esportiva sem pauta - e seu conhecimento de causa -, mas sim um garoto que precisa ser urgentemente educado. Eu, entretanto, sou um tanto mais pessimista. Não existe Neymar, existem neymares no futebol nacional, tampouco existem condições razoáveis para que se eduque alguém no meio futebolístico de hoje. A derrota do Brasil nessa Copa, tragédia creditada integralmente ao seu ex-treinador, é só parte de um enredo maior na trama dos (des)caminhos do futebol nacional. As falsas expectativas que se avolumam em relação à próxima Copa - que, por sinal, seremos a sede -, só servirão para alimentar mais ainda tal processo.

  

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Brasil, a Crise do México e a Reabertura de Cuba

(a integração como caminho)

A América Latina vive um momento paradoxal. Enquanto o Brasil se assume como liderança regional e sua economia cresce a taxas altíssimas - movido, ainda, por uma política externa independente -, México e Cuba, dois dos maiores símbolos do continente na segunda metade do século 20º, encontram-se diante de um verdadeiro divisor de águas por motivos opostos, embora ambas as crises tenham sido deflagradas pela Crise Mundial.  É um dado curioso, afinal de contas, o Brasil passou boa parte do século 20º derrapando; embora tenha sido uma das nações que mais cresceu economicamente ao longo do século passado, a tensão das forças políticas locais sempre acabou pendendo para governos autoritários, cujo equilíbrio era particularmente instável; o país cresceu, urbanizou-se, mas tudo isso dentro de um modelo desumano no qual a desigualdade social perseverou. O México não, tratava-se de um símbolo de política externa autônoma, a Revolução Mexicana do início do século 20º resultou numa Constituição que foi um dos marcos - junto da Russa e a do Weimar -  de um novo paradigma de Estado, assentado numa postura firme de realização dos direitos sociais -,  sendo ainda durante muito tempo não só a maior economia do continente como um dos poucos países grandes a ter, bem ou mal, alguma estabilidade institucional. Cuba nem se fala, a Revolução de 59 torna-se um marco na história do continente, seja no combate ao despotismo, na emergência da causa social e no luta contra o imperialismo, embora logo tenha cedido a uma forma burocrática de Socialismo, já ultrapassada naqueles tempos.


O Brasil dos anos 80 é um país trágico, quase cômico. Um lugar onde toda a pressão dos movimentos sociais não é suficiente para aprovar as eleições diretas e, mesmo depois, com a promulgação de uma Constituição moderna e surpreendentemente sofisticada, se vê diante de um tipo como Collor, eleito Presidente em 89. Depois do natural fracasso do Governo do caçador de marajás, o projeto de privatizações e abertura tresloucada da economia persiste, agora por meio de um projeto mais sofisticado de modernização conservadora pelas mãos do PSDB no Governo FHC - cujo mérito está em ter desenvolvido garantias específicas para certas liberdades burguesas, embora os erros na condução econômica, como é sabido, já as ameaçassem no fim do século. É o Partido dos Trabalhadores que se mostra como divisor de águas nessa história. E falo aqui de um caso curioso e singularíssimo de partido de massas que vai do que poderia se chamar de uma postura social-democrata radical - eu prefiro socialista europeia ocidental, mas tudo bem - nos anos 80 para, no início do século - antes um pouco da eleição de Lula -, se tornar uma espécie política nova, ainda em debate, que eu definiria como social-desenvolvimentista: Uma política no qual temos um Estado grande e indutor, bancando o crescimento econômico conjugado com políticas de distribuição de renda e uma política de abertura e integração autônoma. Evidentemente, o buraco dos problemas brasileiros é ainda mais embaixo, mas essa primeira experiência reformista é, em termos graduais, bem sucedida, o que se expressa pela alta taxa de aprovação do Governo ou pelo fato da candidato à sucessão, Dilma Rousseff, estar cotada para vencer ainda no Primeiro Turno.   


Enquanto o processo brasileiro começa desacreditado - e aos trancos barrancos - nos fins do nosso regime militar e tem por marco a Constituição de 88 - tanto, que o Brasil simplesmente não é assunto no noticiário internacional do período -, México e Cuba começam a se ver em meio a nuvens negras incontornáveis nesse mesmo período; o primeiro, depois de uma série de terremotos e desastres, além do processo de degeneração do seu sistema político que o faz cair no colo de um projeto de modernização conservadora, liberalizante e submisso, por outro lado, Cuba se vê engolfada pelo turbilhão da crise do colapso soviético, o que, a despeito do bom momento que vivia, conduziu-lhe a retrocessos em relação às conquistas em direitos sociais que o país viveu na segunda metade do século 20º.  


O ponto de inflexão mexicano começa com Carlos Salinas de Gortari, eleito de forma mais do que controversa em uma eleição dura - a primeira em que o PRI se viu em apuros, talvez pelo racha que resultou na saída de sua ala esquerda -, tornando-se o profeta do processo de reformas que conduziu o país ao Nafta, mercado de livre comércio da América do Norte - apontado como embrião da Área de Livre Comércio das Américas -, o que aprofundou o processo de dependência da economia mexicana em relação ao seu vizinho do norte, levando sua política externa no mesmo caminho - ao passo em que o êxodo de milhões de cidadãos mexicanos para os EUA acabou representando uma verdadeira válvula de escape no período, seja pela maneira como isso aliviou o mercado de trabalho interno ou pelo rendimento decorrente das remessas enviadas pelos trabalhadores mexicanos nos EUA para seus familiares. Passados 18 anos, o saldo do Nafta é negativo na medida em que o tratado não foi vantajoso para os cidadãos de parte alguma  e ainda fez os mexicanos arcarem com o ônus da crise americana. O processo de degeneração das instituições é patente. O Fato do PAN ter desbancado o PRI nas eleições de 2000 pouco altera o panorama de crise ainda mais com a posterior eleição do candidato situacionista Felipe Calderón, também em circunstâncias suspeitas, em 2006 sobre o esquerdista Lopéz Obrador. O governo Calderón é débil, mantém a mesma política econômica e externa sem promover nenhuma reforma institucional, assistindo seu país ser simplesmente atropelado pela Crise Mundial, tendo como uma das decorrências mais patentes  o recrudescimento da violência, a ponto do país beirar uma guerra civil por conta da guerra entre os cárteis de drogas.


Do lado cubano, um país marcado a princípio pelo impacto da reconstrução de sua economia, uma passagem dura de um sistema semi-colonial à economia planificada, no qual seu pequeno parque industrial se viu desabastecido de peças por conta do embargo americano. A recuperação econômica do país nos anos 70, ainda que bancada com subsídios soviéticos, foi um grande fenômeno - inclusive porque não podemos nos esquecer que o país participou das guerras de descolonização na África, o que importou em enormes custos econômicos e humanos para o país no período. A crise da dívida do início dos anos 80 foi particularmente dura para Cuba, quando a economia se encontra saneada, veio o turbilhão da crise do bloco socialista. A combinação do isolamento econômico e político - e a impossibilidade de se industrializar por decorrência disso - com os defeitos do seu próprio sistema, assentado, ainda, sobre os mesmos ditâmes dos países socialistas da Europa Oriental - ou seja, sobre um controle rigoroso da economia e da política pelo aparato burocrático do Partido - produziram um período de severa crise, arrefecido pelo boom da economia global nos últimos anos - e a parceria com a Rússia e a Venezuela -, o que caiu por terra durante a última crise global. O afastamento de Fídel Castro, líder da Revolução e governante do país desde então, por motivos de saúde há dois anos marca um ponto de inflexão: Ainda que quem tenha assumido tenha sido seu irmão, Raúl, o país passa por um processo de reformas que aparentemente, à luz do impacto da Crise Mundial, provocaram impactos profundos no país, resultando em reformas, cuja natureza, sem exageros, pode sim ser comparado à Perestroika. Para se ter uma ideia, mais de 500 mil funcionários públicos foram demitidos, o que cria uma exército de reserva gigantesco - para as dimensões do país - e cujo impacto sobre o mercado de consumo ainda é imponderável, a esperança do Partido, é, no entanto, a de realocar esse contingente humano em empresas privadas e em cooperativas. Não está fora de vista, também, as parcerias de suas estatais com o capital internacional, inclusive - e especialmente - com o próprio Brasil.


A situação de México e Cuba é imponderável. E curiosa. Em ambos os lados existe um histórico de dependência em relação a uma superpotência, o que, no fim das contas, não produziu prosperidade sustentável - o caso mexicano, convenhamos, foi um tanto pior -, mas isso é circunstancial. Ambos precisam bancar reformas de grau profundo tão logo. A explosão da criminalidade no México é um efeito de tudo isso, não causa; a prisão de dissidentes em Cuba é puro enxugamento de gelo de Havana - e seus líderes sabem disso. O sistema político mexicano precisará bancar corajosas decisões na área de política externa, reformas suas instituições e reformar sua política econômica, aumentando a participação do Estado; os cubanos veem-se em meio do colapso tardio de seu sistema socialista burocrático, precisam reformar o tripé fundamental do governo do Estado assim como os mexicanos e têm ao seu lado, o exemplo do que não devem fazer em uma abertura econômica na história recente dos países da ex-URSS - neste momento, me parece um bom caminho transformar as grandes estatais em sociedades de economia mista e incentivar as cooperativas, integrar-se com o Mercosul e distender gradualmente o modo como o Estado se relaciona com a Sociedade Civil. De um lado e do outro, é fácil falar, as saídas existem, mas é questão de saber se os seus sistemas políticos serão capazes de responder a tais demandas. 


Tempos curiosos, o mercadismo e o centralismo planificador falharam. A Liberdade, mesmo que seja pela via da exclusão, parece se anunciar como solução como há muito tempo não se via.







domingo, 19 de setembro de 2010

Sobre os Novos Profetas, a Laicidade e a Liberdade


Certos acontecimentos recentes na PUC, concernentes à proibição feita pela arquidiocese - ao arrepio da Constituição - do lançamento de um livro contra a criminalização do aborto dentro do campus, fez-me refletir sobre o que escreveu um sagaz polidor de lentes da Amsterdã do século 17º, que em seu Tratado Teológico-Político  - escrito anonimamente, muito embora a tática não tenha logrado o êxito esperado -, tratou, entra outras coisas, de desacralizar o religioso, trazendo à baila o viés identitário que ele compartilha com outras formas de opressão política - embora o religioso por meio da hábil construção do sagrado, acabe se tornando um meio muito mais efetivo de dominação por revestir-se de uma aura que lhe torna, por vezes, intangível pela invisibilidade que ele consegue atribuir aos seus mecanismos de vigilância, controle e sujeição. A esse respeito, não podemos deixar de nos atermos o debate sobre a profecia e a figura do profeta (do hebraico nabi, o intérprete e o orador), em relação aos quais ele lança mão já no início da obra:


"Pode-se, pois, afirmar agora sem nenhuma reticência que os profetas não perceberam a revelação divina senão através da imaginação, isto é, mediante palavras ou imagens, as quais quais ou eram reais, ora imaginárias (...) Tendo, portanto, os profetas percebidos pela imaginação o que Deus lhes revelou, não restam dúvidas de que eles poderiam ter percebido muitas coisas que excedem os limites do entendimento, pois com palavras e imagens se podem compor muitas mais ideias do que só com princípios e as noções em que se baseia todo nosso conhecimento natural"


Estocando mais adiante:


" Finalmente, Moisés acreditou que esse ser que era Deus tinha o seu domicílio nos céus (Deuteronômio, Cap. XXXIII, 27), opinião que era frequente entre os gentios. Se reparmos agora nas revelações feitas a Moisés, verificaremos que elas se ajustavam a essas suas opiniões"


Sim, eu falo de Spinoza. Sua pretensão nesse Tratado Teológico-Político não é pequena; não estamos tratando de uma obra herética vulgar que se presta a vociferar contra as Escrituras e os religiosos, mas sim um potente discurso filosófico no qual se presta a combater as estruturas de opressão e controle da Religião dentro do seu próprio campo discursivo, desenvolvendo um método de interpretação para, no terreno da exegese bíblica, estabelecer qual é o verdadeiro significado e qual a função do Livro. Não, não é questão de queimarmos as Escrituras, elas têm o seu valor na medida em que nos ensinam coisas que não saberíamos sem sua existência, no entanto, é necessário interpretar seu discurso apelando para a Filologia e para a História, sem perder de vista um ponto de partida bastante óbvio: O Livro foi escrito por homens como nós, logo o que ele pretende - e aquilo em que ele se equivoca - trata-se de um produto humano feito para humanos; suas passagens, portanto, não estão livres dos nossos vícios e mesmo das nossas virtudes, ele está aqui, no plano terreno.  


Não é preciso ser um especialista em Religião para saber que é melhor defender o assassinato do Papa a demonstrar, discursivamente, que ele é apenas um Monarca como qualquer um outro - e é o que faz, na obra citada, Spinoza ao desancar, de antemão, os profetas, colocando-os aqui junto conosco, os reles mortais, sem negar-lhes a sabedoria ou a importância, mas lembrando que eles eram apenas intérpretes com uma enorme capacidade oratória; sim, ao retirar-lhes a aura de sacralidade, o que resta são ideólogos avant la lettre - porque isso não é feito de forma inconsciente pelo próprio profeta, consistindo as Escrituras, portanto,  em um conjunto de passagens "adaptadas à capacidade de compreensão de alguém, o que são defendidas, não sem graves prejuízos para a Filosofia, como se fossem ensinamentos divinos". Por analogia, os modernos doutores da Igreja, que arrogam para si o próprio monopólio da interpretação bíblica, não são, sob hipótese alguma, algo diferente.


Em seu coeso sistema filosófico, Spinoza estabelece um estatuto para a Imaginação no qual, de forma bastante resumida, ela é um meio pelo qual conhecemos as coisas não pelo entendimento das necessidades que as constitui  - sobretudo de suas causas -, mas sim por meio da mera aparências, dos efeitos que elas produziram. Os profetas, em última instância, fazem uso da imaginação, o que, no campo da filosofia política, resulta em qualquer coisa não-libertária, pois se funda na imaginação e não no conhecimento. E isso não é uma crítica moralista, algum eventual proveito que algum profeta pensou em tirar desse discurso não o torna melhor ou pior do que um outro profeta que o fez sem visar tal propósito, pois, em última instância, tal proveito seria mesmo falso, pois se não levaria seu povo à felicidade, não poderia fazer com ele próprio. 


Como bem dizia Deleuze, um spinozano suspeito, a Literatura é um arte que, por meio do ato de escrever, força a linguagem aos seus limites, o que consiste em última instância em não apenas escrever "em atenção a" (voltado para um determinado leitor), mas também em fazê-lo "no lugar de" (imerso em uma história universal); já filosofar é fazer o mesmo em relação ao pensamento, o que nos leva a tangenciar a zona em que o pensamento é limítrofe ao próprio não-pensamento; quando se escreve sobre Filosofia, portanto, força-se o pensamento por meio do ato de forçar a própria linguagem, o que é fascinante. Spinoza tinha consciência plena disso quando produziu esse Tratado, ele se volta a um determinado leitor, sejam os libertinos - calvinistas adeptos de ideias modernas como o republicanismo e a laicidade, geralmente urbanos e que não refutam de antemão as ideias do racionalismo - ou os próprios laicos e ateus que habitavam a Holanda de seu tempo - entusiasmados com as possibilidades que a Revolução Racionalista trazia consigo -, ao mesmo tempo em que ele se insere em uma história universal, na saga do povo hebreu - ao qual ele pertence - que ele pretende contar de uma forma desmistificadora para, da busca da expressão do significado no passado, chegar a formulação de um Estado de Direito Democrático, que não é - nem ele apresenta como - a última bolacha no pacote, mas é, dentro daquela conjuntura, a saída mais libertária alcançável - o que é próprio de seu realismo astucioso, que sabe muito bem que o projeto deve ser sim emancipatório, mas o buraco é (sempre) mais embaixo, ainda mais nas condições em que vivia, onde cada passo em falso poderia implicar na sua própria eliminação física.


Nada mais atual como podemos perceber pelo ponto de partida de nossa reflexão. O Estado de Direito Democrático em relação ao qual advogava Spinoza seria algo bastante avançado não só para o Brasil de hoje como para o mundo atual, basta ver em que se tornou a República Francesa, por exemplo. No nosso país, hoje, a guinada à direita da Igreja é apenas um capítulo do momento atual, afinal, novos movimentos cristãos de natureza incrivelmente sectária e reacionária - cujo projeto de poder bastante é claro - têm surgido e crescido de forma avassaladora, pautando com força o próprio debate eleitoral nacional, batendo de frente, inclusive, com os direitos civis, a ciência - e não o cientificismo, que fique claro -, a liberdade de pensamento e expressão e, vejam só, a própria ordem posta que é laica e democrática. 


No episódio em questão, a Igreja, não apenas disposta a pregar um discurso ao qual não aceita a submeter ao crivo do debate público, ainda faz uso dos elementos políticos que tem à disposição para impedir que haja discussão a respeito. É a mesma lógica que norteia aqueles que defendem proibição de pesquisa com células-tronco: Não estamos discutindo a aplicação de certas descobertas à luz da ética - seja lá por qual perspectiva for -, mas sim proibindo de antemão a própria descoberta e obtenção do conhecimento. Não se trata de um retorno à Idade Média ou à Holanda do século 17º - não é o caso, a História só se repete mesmo em chiste de filósofo -, mas de algo que está em ato. Ademais, Spinoza defendeu acima de tudo o a ligação íntima entre a dominação religiosa e a tirania - quando a primeira não se confunde totalmente com a segunda -, portanto, sua crítica se estende a muito mais do que àquela espécie de dominação, mas aos seus procedimentos particulares, rotuláveis das mais diversas maneiras ao longo do processo histórico - que agora, no entanto, reveste-se com um rótulo que reivindica para si aquela tradição, mesmo que dentro de um momento histórico outro.


Isso pouco ou nada tem a ver com cristianismo, posto que uma rápida leitura dos evangelhos nos prova que o homem que se dizia filho de Deus nos chamava de irmãos e que sua filosofia voltava-se para a desobediência e para a emancipação humana, renegando, inclusive, movimentos aparentemente contra-hegemônicos que, no fim das contas, compartilhavam os mesmos valores de quem diziam combater - como faziam Barrabás e os seus. É um debate enormíssimo, mas de forma imediata, a luta política neste momento é conservadora e se constitui na defesa da própria ordem - que se não produz a emancipação em si, porém, ao menos produz condições para tanto. Por mais divergência filosóficas que eu tenha com ela, a comunidade católica tem sim o direito de ter sua universidade, mas no momento em que ela existe está submetida às determinação, aos valores e aos objetivos da Constituição e não do direito canônico, tampouco do eclesiástico; ela tem o direito de construir um espaço no qual apresente sua visão e, até mesmo, desenvolva seu discurso, mas não de cercear o debate e proibir que outros apresentem sua visão das coisas. É necessário que se abra o olho para o tamanho - e a própria importância - da luta que está em curso.









sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Aécio Neves fora do PSDB?



Hoje, fiquei aturdido com a capa da CartaCapital: "Aécio deixará o PSDB". A reportagem de três páginas de Maurício Dias se fundamenta na suposta declaração que o ex-governador mineiro deu num jantar importante em Copacabana - com a presença de alguns ilustres - na qual ele afirmou que sairá do partido e deve fundar sua legenda. Fora isso, o resto da reportagem é basicamente um resgate da história recente de Aécio e suas desditas nos meandros da burocracia tucana. Aécio reagiu com uma nota negando o movimento. O que temos, por ora, é uma conjectura que aponta para dois caminhos: 

1. Se a reportagem for mesmo verdade, o que não é nada incoerente, Aécio se encheu mesmo e viu que não havia como furar a burocracia partidária tucana, provinciana e elitizada, para ser candidato em 2014 - pelo menos não de maneira viável, e teve de achar seu caminho, revelando seus planos para um grupo maior - ainda que restrito - do que o pessoal de sua confiança, o que quer dizer que ele já quis deixar no ar mesmo um burburinho que, no entanto, saiu do seu controle e foi parar nos ouvidos de uma Carta disposta a fazer o PSDB sangrar - ou pode ser que ele mesmo tenha interesse em ventilar publicamente a história, o que eu acho difícil.

2. A reportagem pode estar assentada num vazio; Isso pode ser factóide plantado pelo próprio Aécio, cuja finalidade é pressionar o PSDB a alça-lo à posição de liderança imediatamente após a derrota de Serra, sinalizando que, do contrário, ele teria forças para sair e fundar seu clubinho particular. Isso, no entanto, é improvável.


Seja como for, estamos falando da evidente reorganização da direita depois do provável fracasso de Serra, coisa que de Fevereiro para cá ficava cada vez mais claro. Não resta dúvida que o resultado de Outubro será muito ruim para o partido e, hoje, diante de todo o poder que o PT conseguiu, a única figura que os setores conservadores veem - não sem razão - como capaz de se alçar sustentavelmente à Presidência daqui a quatro anos é a própria figura pessoal de Aécio - que vem com uma proposta de cortar para o centro e se articular nacionalmente de forma sustentável e profunda, coisa que o PSDB simplesmente não consegue nem quer fazer, seja porque insiste em colar com um ruído de extrema-direita ou por terceirizar a sua interiorização para um DEM, cujo projeto não se sustenta sobre as próprias pernas.  A ideia é trazer alguns lulistas de última hora para junto e articular por aí.  2010 começou cedo, 2014 começará ainda mais.