quinta-feira, 2 de setembro de 2010

As Eleições, o Dossiê e a Judicialização da Vida

(Galileu diante do Santo Ofício - Robert-Fleury -- uma bela expressão da judicialização da vida)


Bem, pessoal, como já dizia durante o ano passado, o jogo das eleições tendia a ficar pesado e sujo. Surpreendeu-me o clima em que ele transcorreu até agora, mas era óbvio que se tratava da típica calmaria pré-tempestade. Mesmo dentro do ritmo normal da coisa, o candidato da oposição José Serra já fez acusações absurdas em relação ao PT - para as quais, até agora, ele não apresentou provas. E foram coisas pesadas em relação à política externa - o que além de ser desleal e temerário, ainda ameaça a segurança nacional. Basta lembrar os dois casos emblemáticos de acusar o Estado boliviano de tráfico e de dizer que o PT está ligado às FARC - tese que o direitista presidente colombiano, Juan Manuel Santoscontradisse em entrevista nas páginas amarelas da Veja....


Agora, surge a história da violação do sigilo fiscal da filha de Serra, Veronica, há um ano, e a pronta acusação, por parte de Serra, de que se tratou de uma armação articulada pelo PT e, sobretudo, pela campanha de Dilma Rousseff. Novamente, Serra surge com uma acusação pesada sem provas, só que dessa vez ainda assumiu de vez o golpismo, pedindo a cassação do registro de Dilma. O interesse eleitoral é evidente e o PT reagiu com a devida dureza, tanto na declaração de Dilma no Jornal do SBT ontem à noite quanto na entrevista coletiva de José Eduardo Cardozo, um de seus principais coordenadores de campanha - além, claro, da ação do PT contra Serra.  


A hipernormatização e a judicialização do processo eleitoral são, na verdade, partes de um fenômeno único e perverso, cuja denúncia nunca deixei de fazer neste blog; apesar de enganar setores ingênuos da esquerda, ele serve unicamente ao projeto de poder da direita - em especial, do seu setor mais reacionário, que se articula usando o PSDB como principal instrumento. A decorrência desse fenômeno é o surgimento de uma zona de conflito destinada a minar a democracia, pois ela afasta ainda mais a política da praça pública, pondo o debate e as deliberações acerca do futuro do governo para além da própria esfera de cognição da multidão - numa democracia judicializada, cidadãos, que já são limitados à posição infeliz de eleitores na nossa democracia representativa, agora são reduzidos ao posto de meros espectadores eleitorais. 


Os nossos "melhores", com suas togas, ganham assim poder para decidirem muito mais do que deveriam. Infelizmente, trata-se de uma zona de conflito já existente e o PT, embora devesse ter feito um esforço maior para evitar a consolidação de seu surgimento, não erra em combater lá, pois, acima de tudo, trata-se de uma necessária ação defensiva. O PSDB confirma minha tese de que deixou de ser uma agremiação partidária voltada para a modernização conservadora, para se tornar uma desinteligência de direita, capaz apenas de alternar ações que variam, de forma pendular, entre o ineficaz e o desastroso - e tudo isso, com Serra à frente.



14 comentários:

  1. O Dutra, no discurso em que apresenta a ação contra Serra, não deixa pedra sobre pedra. Saiu pela culatra a estratégia do tucano...

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  2. O Zé Eduardo Cardozo também se saiu bem. Tem uma cópia ou um link para o discurso do Dutra?

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  3. E fica a pergunta: se o Serra sabia que não tinha provas, POR QUE fez isso?

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  4. Olha, He will be Bach, em um primeiro momento para construir algum fato político para que alguém olhasse para sua candidatura - que há dias caiu na mais perfeita insignificância - e num segundo momento, só nos resta conjecturar a respeito: Pode ser que esse "segundo momento" não exista, mas pode ser que sim e depende muito de quem quebrou esse sigilo fiscal - e o Idelber, mineiramente, deu boas dicas no seu twitter de quem pode ser seu autor (se for ele mesmo, e "ele" não é mesmo o PT, faz todo sentido o que Serra fez, mas faz enquanto ato desesperado). Seja como for, a ideia é tentar manter esse factóide vivo até 03 de outubro, o que eu acho difícil pela fragilidade dele.

    abraço

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  5. Sò vai aí uma dica: O Estado de Minas, conhecido jornal aecista, não abriu o bico sobre o assunto. Por que será, hein?

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  6. Hehehe, eu vi essa hipótese antes mesmo de o Idelber twittá-la, embora também no Twitter.

    Eu não descarto a hipótese de o Serra ter feito isso ele mesmo para depois acusar o PT. Idem quanto às quebras de sigilo dos outros tucanos.

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  7. Muito bom post Hugo. Agora, uma pergunta que não quer calar, como fica a turma que diz "não é bem assim" quando se critica o PIG por ser PIG, diante dessa tsunami midiática promovida em torno desse escândalo fabricado?

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  8. Lucia Hipólito, outra aecista de 1a hora, também tem se revelado suspeitosamente comedida em suas críticas, evitando apontar culpados ou tirar conclusões precipitadas como suas colegas Mrs. Pig e La Kramer.

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  9. He Will be Bach,

    Eu diria que a hipótese disso tudo ser uma fraude produzida pelo Serra é altamente improvável - mas a única possibilidade que eu descarto mesmo é a de que Dilma mandou fazer isso. Como é de conhecimento geral daqueles que se atentam ao noticiário político que, naquele momento, não só estava recém-recuperada da enfermidade que a acometeu quanto Serra sequer era candidato naquele momento, pois ele estava em disputa interna com o governador mineiro Aécio Neves para saber se seria o candidato, portanto, culpar o Partido dos Trabalhadores como fez Serra é totalmente ilógico e, para variar, temerário.

    abraços

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  10. Marola,

    Eu, particularmente, não gosto de usar o termo PIG porque o julgo ingênuo; não se trata da existência de um partido na imprensa, mas de práticas que são o modus operandi padrão do grosso das corporações de mídia do oligopólio que domina as comunicações nesse país - portanto, trato por mídia corporativa mesmo, pois antes dos eventuais interesses partidário de certos jornalistas está o de seus patrões e do jogo pesado, econômico e político, que eles disputam. Portanto, é a prática padrão da mídia corporativa enquanto estrutura de dominação - logo de produção de ideologia - que está em jogo e é esse termo que eu uso aqui. No caso em questão, não há mais como dissociar a cobertura que é feita dessas eleições dos interesses dos grupos de mídia que o fazem, os jornalistas que se prestaram ao papel de jagunços são, ao meu pensar, meros coadjuvantes nessa encenação - acima de tudo porque são perfeitamente descartáveis.

    abraço

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  11. Seria possível se estender sobre esse tema? Não ficou claro para mim qual o motivo da sua divergência, ou melhor, não ficou claro nem mesmo se vc está divergindo ou não. O que vc acha que as pessoas têm em mente quando empregam o termo?

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  12. Meu caro, Marola, não é uma divergência na essência, é no acessório. Creio que PIG é um termo um pouco raso porque passa a ideia de que existem jornalistas - ou órgãos de mídia - que insuflam uma espécie de golpismo contra o poder democraticamente constituído - o que é aparentemente verdade mesmo, a julgar pelos fatos -, mas eu creio que o buraco é mais embaixo: Esse "partido" só é a expressão visível do que é a mídia corporativa em sua atuação político-partidária mesmo. Falar em PIG causa-me a sensação de que o problema é um grupelho de jornalistas que se move por um sectarismo ímpar para derrubar o Governo Lula - eventualmente sob as ordens dos seus patrões -, mas eu penso que a coisa seja pior: Esse fenômeno é apenas um efeito do modo como a mídia corporativa nacional se organiza. Isso implica, em eventuais apoios falsos à democracia - pela oportunidade -, recuos, mudanças de posição e do uso de jornalistas como testas de ferro. Em suma, eu creio sim numa relação entre essa mídia e o desrespeito à democracia, mas isso é fruto de seu modo de ser no Brasil de hoje, não de um partideco organizado.

    abraço

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  13. Hugo, uma pessoa que transporta encomenda, por solicitação de terceiros, contendo drogas é réu até que prove inocência revelando o nome do solicitante. Nesse caso de quebra de sigilo fiscal obtido por meio de fraude, o contador não tem responsabilidade pelo ofício que executa? Me parece forçado demais esquecer o nome do cliente...

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  14. Sim, Adriano, é por aí. A profissão de contador, aliás, é como a de médico, de advogado ou de engenheiro: O profissional responde não apenas no âmbito judicial, mas também administrativamente junto ao seu conselho (o CRC no caso). Ainda assim, contadores ficam numa zona cinzenta; em regra, executam sua função usando documentos que não obtiveram, o que pode não implicar em ilícito - ainda que sejam documentos obtidos ilicitamente -, mas isso é dividido numa corda bamba. É sempre bom ter cuidado em avaliar isso, mas no caso em tela, a hipótese com a qual você trabalha é boa.

    abraços

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