sábado, 30 de abril de 2011

A Semi Final do Paulistão

Depois de uma longa primeira fase com suas dezenove rodadas e oito classificados, os quatro grandes do estado confirmaram sua força e se garantiram nas semi-finais. Na maior parte dos estados, ver os grandes decidindo o campeonato é praticamente certo, mas em São Paulo, não. Apesar dos quatro grandes terem se perfilado na semi-final em 2009, isso tinha acontecido pela última vez apenas em 2000. As equipes do interior investem dinheiro, tempo e  todo o seu foco, tratando o torneio como o principal da temporada, o que leva a boas surpresas. E, frise-se, há muito isso não acontece com tamanha vantagem do quatro grandes em relação aos demais - e mesmo que nenhum time do interior tenha montado um elenco verdadeiramente forte desta vez, é bom lembrar que o rendimento dos grandes não deixou mesmo brecha, apesar de algumas oscilações. Hoje, São Paulo e Santos se confrontam no duelo dos melhores ataques, amanhã, Palmeiras e Corinthians no das melhores defesas. Serão bons jogos, sem dúvida. No primeiro, o tricolor leva a vantagem de não só jogar em casa como estar mais inteiro na temporada, enquanto o Santos tenta se equilibrar depois de toda as turbulências internas ou quanto à comissão técnica - e ainda tem um jogo da Libertadores pela frente. No segundo, o duelo entre o verde o alvinegro é mais equilibrado - na primeira fase, o Palmeiras, jogando melhor, foi derrotado com um gol num contra-ataque fatal no fim do segundo tempo -, mas no limite, o time de Felipão parece mais forte em mata-mata como é de praxe.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A Crise na Oposição se Aprofunda

A oposição está em ponto de ebulição. Passado o calor de derrota eleitoral e com o novo governo apresentando bons índices de aprovação, o velho dito de que a esquerda, de tão rachada, só se une no cárcere parece se realizar de forma invertida: hoje, é a direita brasileira está fragmentada em mil pedaços. Uma parte aceitou compor com o Lulismo para disputar posições por dentro do governo e a outra parte, aquela que se localizava no bloco de oposição PSDB/DEM/PPS está rachada em, pelo menos, três partes: a ala mais estatista com Serra, a ala católica e mais privatista na economia com Alckmin e uma ala mais liberal - e que alimenta o sonho de uma articulação nacional - com Aécio

A fundação do anódino PSD não é apenas fruto da luta de Kassab por sobrevivência no grande mundo da política - nem da insatisfação de demistas fisiológicos com a pífia direção do seu partido -, mas também uma consequência direta da luta por poder de muitos caciques tucanos, dentre eles o próprio Serra, ressentido e disposto a acertar as contas com aqueles que ele julga culpados por sua derrota em 2010 - a saber, a própria cúpula do DEM e, como não poderia passar batido, o seu nêmesis, Aécio NevesCom a existência viável do DEM ameaçada, o PSDB perderia seu principal sócio assim como Aécio perderia um apoiador importante para sua candidatura à presidência em 2014.

A grande novidade, agora, é a atuação cada vez mais pública do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na tentativa de resolver os problemas vários. Agora, um ponto que ele traz à baila é a possibilidade de fusão do que restar do DEM com o próprio PSDB. Não resta dúvida que seria uma obra de engenharia política profundamente delicada e bastante arriscada: ambos os partidos, embora tenham atuado em conjunto ao longo dos últimos 16 anos, são gigantescos e possuem, cada um, estruturas hierárquicas próprias e altamente complexas. Como adequar a cacicagem demista na estrutura do PSDB sem causar maiores insatisfações em quem já está acomodado? E nos lugares em que os dois partidos, eventualmente, forem antagonistas eleitorais? Como não provocar, com isso, uma outra debandada para o PSD de políticos tucanos e demistas que sejam prejudicados com a fusão? E como ficaria o programa tucano, já tão confuso e contraditório à própria social-democracia que o nomeia? São perguntas sem resposta.

Tais movimentos, não resta dúvida, não são nada incomuns e deixam claro como a fragilidade dos partidos brasileiros é óbvia: apesar de possuírem milhões de filiados, as principais legendas da oposição simplesmente não têm vida ativa em seu interior, logo, qualquer disputa entre seus líderes - mesmo que por mera conveniência eleitoral - pode chegar facilmente numa situação dessas, na medida em que a falta de debates e votações internas torna o jogo uma mera disputa entre cardeais na qual os filiados são meros espectadores e qualquer manobra é válida e não há controles sobre nada. 

Por mais que essa constatação seja óbvio, os grandes dirigentes partidários da oposição parecem ignora-la, pior, até nutrem um sensação de orgulho pelo fato de liderarem partidos gigantescos onde eles definem os mínimos detalhes e detêm o monopólio das ideias como se não notassem que a falta de ideias e lideranças novas não os desgastasse profundamente - em suma, o Brasil vive a situação absurda de ser uma democracia feita de partidos não-democráticos e todas as consequências negativas que isso produz na prática. Isso, inclusive, ascende o sinal amarelo para o próprio PT, único partido grande do Brasil com vida interior, mas que nos últimos anos se vê mais e mais centralizado (eis o motivo da sua força, eis o motivo de preocupações para um futuro próximo).








terça-feira, 26 de abril de 2011

União Soviética: Do Sorriso de Gagarin a Tchernobyl

Lenin segue imponente em Tchernobyl
Neste mês de Abril, as duas principais datas da metade final da antiga potência soviética fizeram aniversário. A primeira delas é considerada motivo de felicidade para toda a humanidade, enquanto a outra foi uma pequena amostra de juízo final, mas ambas, no entanto, são variações da mesma curva. O mês no qual comemoramos os cinquenta anos que Yuri Gagarin, um jovem tenente da força área soviética, se tornou o primeiro ser humano a viajar ao espaço é o mesmo em que velamos as vítimas do desastre nuclear de Tchernobyl, ocorrido há vinte e cinco. Os dois momentos, dramáticos como os clássicos da literatura russa, marcaram, respectivamente, o ponto mais alto e o mais baixo que a superpotência soviética - de grandezas monumentais, mas cuja existência foi pequenina como a vida de um homem - experimentou; o ápice e o ocaso de sua tecnologia, vendida pelos seus líderes, desde seus primórdios, como a panaceia necessária para que o Paraíso na Terra fosse construído. A tecnologia, cá deste lado do mundo, também não é  - como nunca foi - vendida sob um rótulo tão menos pretensioso, embora na União Soviética a perspectiva da utopia, da própria Salvação - em termos ditos materialistas -, a transformasse na própria dádiva do não-deus. Gagarin foi ao espaço e não viu Deus algum - como dizia a propaganda soviética pró-ateísmo da época -, o que não era nada menos do que o óbvio: Deus esteve sempre aqui embaixo entre nós, sobretudo na teologia que se esconde sob certa concepção de progresso, no qual devemos avançar sem parar e a qualquer custo.

domingo, 24 de abril de 2011

Reflexões sobre a Natureza do Fascismo

Marcha Nazista 
"Soberano é quem decide sobre o Estado de Exceção"
Carl Schmitt na Teologia Política 
"E sobre essa linha melódica de variação contínua constituída pelo afeto, Spinoza irá determinar dois pólos, alegria-tristeza, que serão para ele as paixões fundamentais: a tristeza será toda paixão, não importa qual, que envolva uma diminuição de minha potência de agir, e a alegria será toda paixão envolvendo um aumento de minha potência de agir. Isso permitirá que Spinoza, por exemplo, realize uma abertura em direção a um problema moral e político muito fundamental, que será sua própria maneira de estabelecer o problema político: como acontece que as pessoas que têm o poder, não importa em que domínio, tenham necessidade de afetar-nos de uma maneira triste? As paixões tristes como necessárias: inspirar paixões tristes é necessário ao exercício do poder. E Spinoza diz, no “Tratado teológico-político”, que esse é o laço profundo entre o déspota e o sacerdote: eles têm necessidade da tristeza de seus súditos"
(Deleuze sobre Spinoza em aula de Janeiro de 1978 em Vincenneslembrada por aqui, há um ano)



O debate sobre o Fascismo voltou à baila com força pelas redondezas blogosfera brasileira. Há poucos dias falávamos sobre isso aqui. E não é à toa. A alteração da disposição relativa de status na nossa na sociedade é um fenômeno não só acachapante como paradoxal: se ela produziu a melhora de vida de enormes contingentes humanos em um curto espaço de tempo, por outro lado, ela criou bolhas de ódio inacreditáveis. Vejam bem, se a democracia trouxe uma autonomia política jamais vivenciada para os trabalhadores e o fim da hiperinflação criou certa segurança social, as conquistas do desenvolvimento social nos anos Lula terminaram por colocar o Brasil tradicional em pane. Uma reação violenta se seguiu a isso, basta ver exemplos como a recente manifestação fascista na Avenida Paulista, em apoio a um obscuro deputado cuja plataforma demagógica se baseia justamente no ataque ao novo Brasil. O que eu gostaria aqui, é que refletíssemos juntos um pouco mais sobre o advento do Fascismo em nosso meio.

O fenômeno do fascismo hegemônico pode ser, a um primeiro olhar, causado por alguma crise político-econômica brusca em sociedades ocidentais industrializadas, o que leva a instituição de certo tipo de regime no Estado que é contrário aos princípios basilares do Iluminismo, no qual o poder e a vigilância são totais sob a regência de um Líder todo poderoso que nos guia na marcha incessante do (para e pelo) Progresso de acordo com certas premissas. No entanto, isso não explica a existência do Fascismo como fenômeno, afinal, ele independente de ser hegemônico para existir - via de regra, ele não costuma ser ou ter condições para tanto - e, também, ele aparece em cenários onde não há escassez generalizada como próprio caso brasileiro atesta - ou mesmo a Europa dos anos 90 . Temos, portanto, de pensar a questão do Fascismo por meio do conceito de relação. 


Trata-se de um fenômeno radical que apresenta uma constante: existe uma perturbação socioeconômica que altera rapidamente o status de um grupo em relação ao outro - os alemães em relação aos ingleses, a velha classe média brasileira em relação aos trabalhadores, os franceses "legítimos" em relação aos franceses descendentes de magrebinos-, na qual a relação a mestre-escravo não é exaurida, mas vira de cabeça para baixo de repente e o movimento parece tender a pior, o que tem um impacto violento sobre o inconsciente das pessoas. Não é necessário cairmos para o mesmo patamar dos outros, os outros podem ascender perigosamente para perto de nós. Em todas as relações, há (1) um corte fundamental entre o eu e o outro, (2) uma relação hierárquica que se transforma - e expõe a verdade sobre os limites sociais - e, também, (3) um conceito de linearidade no que toca à economia e ao tempo - a ideia de uma História em linha reta.


Esse corte entre o eu e o outro não é senão a expressão dos processos de individualização e a atomização, inerência da máquina capitalista  - uma ética deixa de ser possível porque eu não me reconheço na face do meu semelhante, o que, em situações limite, toma um caráter explosivo. O outro ponto, a hierarquização social, exprime algo bastante antigo e profundo nos grupos humanos e seu abalo, por sua vez, responde pela mais pura forma de horror social - quando as pessoas se deparam com a verdade horrenda por detrás dos limites deslocados. 


Pensemos no juízo da advogada em relação ao pedreiro em um shopping, "você não devia estar aqui porque não tem dinheiro para comprar nada" - mas, e se ele tivesse dinheiro? -, ou mesmo o francês "legítimo" em relação ao imigrante magrebino, "você não tem esses direitos porque é estrangeiro, resigne-se" - e se ele não for um imigrante? -; em ambos os casos, a causa de tais vedações - seja a reprovação moral ou a proibição jurídica - se aplicavam sobre seu status, embora fossem legitimadas por juízos racionais que escondem desejos ocultos - eu quero que ele não tenha, eu quero que ele não seja -, a causa verdadeira da contenda; o medo profundo em questão é o de pedreiros não serem piores do que advogados ou magrebinos étnicos não serem piores, por sua condição de ser, do que franceses (ou pior, poderem ser mesmo "franceses"), a possibilidade de um futuro no qual a disposição do status social mude para pior.


O terror que percorre a alma vem à tona quando se constata que não há mais o álibi, quando o pedreiro tem o dinheiro para estar ali e o magrebino é mesmo cidadão francês; aquele medo que alimentava a reprovação e a negação de direitos torna-se realidade, o que faz as regras, aquelas amigáveis ficções sociais ou jurídicas, ruírem, elas perderam sua razão de ser. A relação hierárquica está ali, mas ela mudou de disposição contra o Eu - e do nós, o  Eu expandido - e a favor dos Outros. Não importa se Eu (ou nós) caímos ou se eles ascenderam, mas o fato é que o vento mudou e não foi a nosso favor. Os dois exemplos que eu utilizei retratam não casos específicos, mas fenômenos sociais relevantes no Brasil - a ascensão econômica da classe trabalhadora - e na França - a ascensão social dos magrebinos, absorvidos pela sociedade francesa, o que exige que, uma vez incorporados, tenham seus diretos reconhecidos pelo Estado francês -, o que produz reações radicais por meio de fenômenos de segregativos com articulações sociais e políticas.


E medo é uma palavra importante aqui: como dizia o bom Spinoza, trata-se de uma tristeza incerta - eu não sei se vai acontecer, mas pode acontecer e minha capacidade de agir diminui - e o mesmo vale para a esperança - uma alegria sob as mesmas condições -; ambos dependem de um certo conceito de tempo, trata-se de uma questão cronológica altamente enraizada em nossa cultura ocidental. A saber, a terceira condição que eu elenquei para o surgimento de um fenômeno fascista. o Tempo como seta, como diria um tal de Walter Benjamin


O Fascismo não é o único fenômeno que irá decorrer disso, naturalmente. Mas ele depende disso, o tempo precisa ser uma linha reta para, diante dos fenômenos anteriores surgir uma perspectiva na qual é preciso reagir contra o futuro (enquanto entidade) - no qual os pedreiros mais e mais estarão infestando todos os ambientes ou magrebinos idem - e voltar a um passado (também entificado) no qual as coisas estavam no seu devido lugar, para, de acordo como as coisas eram, progredir rumo ao futuro certo. Não é uma marcha rumo à utopia, mas a garantia da tradição, da pureza e da segurança numa marcha que também mira o horizonte. Eu fico triste e alegre pelo que nem aconteceu porque dou um status real ao tempo.


Dentro de uma lógica de tempo e sociedade na qual se marcha para - e pelo - progresso, ser ultrapassado por quem estava atrás - ou abaixo, conforme se veja a situação - é motivo para um ódio profundo, trata-se do deflagrador de uma neurose aguda. E essa perspectiva que põe necessariamente o tempo como uma linha reta é um dos traços do argumento central do pensamento ocidental, a saber, a relação promíscua entre Teologia e Filosofia Política agenciada por Platão - isto é, o condicionamento da criação dos conceitos sobre as coisas da pólis a um divino transcendente e não alcançável pelos incautos. 


A Salvação, a grande cura para todos os males na forma de Um totalizante, torna-se a meta da política, mas é uma meta tão inalcançável quanto o horizonte - o que, por conseguinte, acaba como qualquer chance de liberdade; nunca alcançamos o que procuramos e nossa insignificância nos frustra profundamente, só nos resta depositar a nossa vida nas mãos dos iluminados capazes de chegarem ao horizonte. Estamos abandonados, ainda mais quando eles surgem e tomam o nosso lugar.

No século 17º, entre o polimento de uma lente e outra, Baruch de Spinoza ousou desafiar esse postulado. Não há tempo em linha reta, afinal, o tempo nada mais é que um modo de pensar que serve à nossa localização na existência. Não existe transcendência, pois o próprio Deus é causa e efeito de si mesmo, portanto, Ele não passa da própria Natureza. O seu Tratado Teológico-Político é muito mais que uma obra sobre tolerância religiosa; ele é uma contestação radical da essência da própria dominação tal como a conhecemos: não existe e não pode existir realmente Salvação, a incalcançabilidade do horizonte é sua própria condição de existência como tal, e, por conseguinte, todo profeta é só mais um charlatão que transforma a miséria humana - a própria maravilha do mundo - em defeito ou imperfeição para vender seu bálsamo falso. Uma redenção totalizante é impossível, logo ela serve - ou conduz - unicamente à dominação. A luta verdadeira que pode ser travada é por uma Libertação - de nós mesmos, dos nossos medos, da culpa, da honra, da glória - que nos reconcilie com o Mundo.

Em sentido inverso, o pensamento nazista no século 20º vem à atar de maneira mais radical ainda a relação entre Teologia e Política. O pensamento de um Carl Schmitt não é racionalista, mas nem por isso escapa à tradição ocidental. O soberano é o messias, isto é, a materialização, em pessoa, da totalidade e o condutor inquestionável da marcha incessante para a Salvação. Trata-se de uma forma de idealismo tremenda. O discurso tirânico, assentado na polaridade medo-esperança, reaparece com força - e tampouco estamos falando do soberano hobbesiano, pois ele mesmo o era por conta de um contrato que estaria suspenso caso ameaçasse a vida dos seus súditos: aqui não há contrato, mas a suspensão dele por um ato unilateral da vontade do Um, assentado na necessidade premente da Salvação. Os mesmos motivos que fizeram o Leviatã ser proscrito, não se enganem, são os mesmos que fizeram Schmitt ser aclamado pelo Poder em seu tempo. 

O discurso complexo do nazismo, por exemplo, é expressão do fenômeno fascista na Alemanha do entreguerras visando a transforma-lo em força hegemônica. Como nos lembra Leandro Calbente em um recente (e belo) artigo - retomando Benjamin e Esposito -, parte relevante do discurso nazista era estético; a ruga, o ferrugem no metal, a folha que cai, o velho prédio, toda as diferenças que constituem a realidade são reduzidas à imperfeição. Uma marcha nazista não apaixona os observadores por desperta-lhes alegria, mas por entristecê-los; o mundo é mau porque é feio - e a feíura resulta da existência de tanta "imperfeição" e de tantas assimetrias (isto é pela existência de tantas diferenças, em outras palavras, pelo fato do mundo sê-lo tal e qual é), é isso que as manifestações nazistas, com seu ritmo bem marcado, suas bandeiras e sua música queriam dizer e é dessa maneira que afetavam os mais incautos. Se o velho Spinoza pretendia construir uma Ética na qual, cá no nosso mundinho, se poderia construir uma sistemática de convivência por meio da compreensão e interação entre as diferenças, os ideólogos do Nazismo eram novos profetas que vendiam a eliminação do Outro (reduzido a Inimigo) como o fim do programa e condição necessária para o Progresso. Se Spinoza quer construir um modo do Eu interagir com o Mundo, os Nazistas querem resolver esse problema cindindo-os de forma perpétua.


A estetização da política, como bem lembra o Leandro, não se esgota no Fascismo - e o Fascismo não se esgota à Europa do Entreguerras, acrescentamos -, o que nos põe frente a frente com sua problemática no aqui-agora; e não será o desenvolvimento econômico e social que o jogará na lata do lixo da história, afinal, aí estaríamos nos valendo do mesmíssimo raciocínio sobre a qual o próprio Fascismo, por vias outras, se assenta - e se desenvolve. São intervenções artísticas - políticas, inclusive - no aqui-agora que afetem a todos em volta, aumentando nossa capacidade de agir, mostrando que a maravilha do mundo é sua dita imperfeição - o real contraposto ao ideal angustiante e angustiador -, enfim, uma política de alegria e não de esperança, pois a esperança demanda a crença na existência do Futuro enquanto ente real e ele só consegue sê-lo na retórica dos profetas (onde serve para, apenas e tão somente, nos sujeitar, fazendo-nos progredir para onde eles querem que nos movemos). Não precisamos provar algo como "o Outro não é imperfeito, mas sim diferente", basta mostrarmos que a imperfeição não é outra coisa senão a própria beleza.

sábado, 23 de abril de 2011

Sucessão Paulistana: Chalita no PMDB

Prefeitura Paulistana: O alvo das ambições será o palco de nova catástrofe?

Até o final do ano passado, Michel Temer era um político com grande influência nos bastidores de Brasília, alguém que tinha tal controle dos mecanismos de funcionamento do Congresso que conseguiu emplacar seu nome como vice da chapa presidencial vitoriosa, embora nunca tenha tido maiores afinidades com o PT. Ainda assim, sua influência no diretório paulista, enquanto o ex-governador Orestes Quércia estava vivo servia para garantir suas candidaturas a deputado federal e nada mais. Vale o dito popular: rei morto, rei posto. Quércia falece na mesma época em que Temer ascende à vice-presidência e, a partir daí, é ele quem passa a dar as cartas no PMDB paulista de forma inquestionável. E suas manobras começam já em Janeiro, com a tentativa desesperada de trazer o prefeito paulistano Gilberto Kassab para o partido, o que acabou dando errado, mas agora uma manobra sua parece ter dado certo: Gabriel Chalita está praticamente filiado ao PMDB - mesmo com o risco de perder seu mandato de deputado, conquistado pelo PSB - e deverá ser o candidato do partido à Prefeitura de São Paulo. 

Quem é Chalita? Um deputado jovem ligado aos movimentos de renovação carismática da Igreja Católica, à ala de Montoro na Faculdade de Direito da PUC, livros de auto-ajuda e próximo aos grandes grupos privados de Educação. Sua atuação mais destacada até hoje na política foi como secretário de educação do governo Alckmin, onde foi apenas mais um tecnocrata tucano que nada fez para mudar todo o processo de degeneração da Educação Pública no estado - muito pelo contrário, aliás. Depois de algum tempo isolado no PSDB, quando teve suas (nada pequenas) ambições podadas pela nomenklatura local, aceitou ser candidato a deputado federal pelo PSB, vencendo bem as últimas eleições para, logo depois, enfiar os pés pelas mãos: seja quando perdeu a quebra de braço para ser indicado como Ministro Educação - o que seria do agrado dos conglomerados educacionais - ou quando, quase que simultaneamente, cometeu a manobra impensada de lançar-se  à disputa pela liderança do partido na Câmara contra a vontade do presidente do partido e governador pernambucano Eduardo Campos. Em ambos os casos, ele foi com sede ao pote demais para um neófito em Brasília e se deu mal. 

Enfim, do mesmo modo que Chalita esteve rifado no PSDB há poucos anos, ele está agora no PSB. Em ambos os casos, motivos ideológicos passam bem longe de ser a causa do problema: Chalita é alguém obcecado em galgar espaços na política e, normalmente, calcula mal seus movimentos. Agora não lhe interessa mais ser deputado. A tática de Temer, por sua vez, consiste em basicamente fazer o partido deixar de ser nanico no estado e, para isso, está agregando nomes "bons de voto", o que no curto prazo funciona, embora as coisas sejam um tanto mais complicadas mais para adiante. Uma possível candidatura Chalita embola sim o jogo da sucessão na Prefeitura, afinal, o deputado não só tem força eleitoral como será estruturada por um partido grande - e ainda será favorecida pela crise pela qual passa o PSDB e sua coalizão que, em tese, disputariam grande parte do eleitorado com ele. O PT, por sua vez, ainda tem a faca e o queijo na mão se aparecer com um candidato novo para 2012, mas a política é cruel e não perdoa as indefinições - e os erros - alheios.


sexta-feira, 22 de abril de 2011

Novos Capítulos da Crise na Oposição

"Daí o PT ganhou a eleição e assumiu uma posição de centro-esquerda, tornou-se o partido social-democrata brasileiro — e o PSDB, naturalmente, continuou sua marcha acelerada para a direita. Nas últimas eleições, ele foi o partido dos ricos. Isso, desde 2006. É a primeira vez na história do Brasil que nós temos eleições em que é absolutamente nítida a distinção entre a direita e a esquerda, ou seja, entre os pobres e a classe média e os ricos. E um partido desse não me serve, seja pela minha posição social-democrata, seja pela minha posição nacionalista econômica (...). "
Luiz Carlos Bresser-Pereira em entrevista a Maria Inês Nassif para o Valor Econômico, há pouco menos de duas semanas, na qual anuncia sua saída do PSDB  (capturada do blog do Rudá Ricci).


A saída do ex-ministro Bresser-Pereira do PSDB poderia ser ironizada como um episódio da série "já não era sem tempo", mas ela quer dizer mais do que isso. Ela marca a saída do grande representante do desenvolvimentismo keynesiano do partido, alguém que resistiu internamente mesmo aos anos 90 e, se chegou ao "agora não dá mais", é porque o PSDB perdeu seu prumo. Boa parte da ala de intelectuais que dava substância ao PSDB em seu nascedouro partilhava de ideias parecidas que convergiam em uma crença: a luta pelo desenvolvimento nacional democrático por meio da construção política do Estado Social - discordando de saídas mais à esquerda como a democracia popular e participativa proposta pelo PT, mas também fazendo o mesmo em relação ao autoritarismo e à ineficiência da direita brasileira tradicional. Isso foi se perdendo com as negociações por cima de FHC para ser Presidente, suas políticas ao longo dos anos 90, mas só chegou em ponto crítico agora - e a saída de Bresser é sim um corte. O PSDB, agora, comporta-se esquizofrenicamente como o partido da nova direita que se insurge contra as mudanças do pelas quais passa o nosso país.

Nos anos 90, ainda que FHC afiançasse politicamente a gestão da economia por Malan e os intelectuais da PUC-RJ, havia uma disputa interna forte contra isso; José Serra e sua ala faziam enfrentamento frontal - embora pelo alto e nos corredores do Poder, como sempre foi típico daquele partido. Mesmo com a indicação de Serra para Presidente em 2002, o PSDB não conseguiu se livrar do peso dos anos 90; o partido jamais conseguiu fazer mea-culpa dos erros cometidos e, na impossibilidade de defendê-los, os escondeu ao máximo, gerando um suicida efeito sorriso amarelo que foi a chave para suas três derrotas consecutivas. A derrota para Lula no início do década passada, por sua vez, gera uma crise muito forte de valores no partido que, somado a guinada à direita em São Paulo, aproxima o PSDB de um conservadorismo mais e mais ressentido.

Se, a um primeiro olhar, tenha parecido exagero da nossa parte falar em "decadência do PSDB" em Agosto do ano passado - há meses de uma eleição que se decidiria apenas no Segundo Turno -, o tempo nos deu razão. Serra não foi sequer o principal fator que levou as eleições para o Segundo Turno, afinal, a falta de traquejo eleitoral de Dilma e o fenômeno Marina ocupam, de longe, as primeiras colocações nesse quesito. A própria diminuição da bancada tucana no Congresso exprime isso. Serra tinha a seu favor unicamente o apoio da grande mídia, um potente amplificador de seu discurso anti-Dilma. Sua candidatura nada acrescentou ao partido, apenas serviu para tirar o apoio de sua rival - por meio de histeria e do uso das velhas superstições -, uma vez derrotado, o próprio quotidiano do Governo Dilma serviram para diluir boa parte dos 44 milhões de votos que seu adversário obteve. 

Pior, o partido se embrenhou numa guerra interna sangrenta. Para quem supunha que as coisas não eram tão graves - que, no caso da derrota de Serra, Aécio ocuparia seu posto automaticamente -, a realidade se mostrou um tanto mais complexa. O PSDB paulista está rachado em dois, mas une-se contra o PSDB nacional. Se Alckmin - ressuscitado pela falta de quadros para vencer as eleições estaduais em 2010 - representa um direitismo provinciano, religioso e discreto, Serra é o conservadorismo sofisticado, laico e paulistano - ambos não se bicam, mas não passa pela cabeça de nenhum dos dois grupos uma articulação nacional que tire de grupos político-econômicos paulistas a centralidade do processo. E Aécio subestimou o poder disso. O senador mineiro preferiu, extremamente seguro de si como é, disputar internamente a  indicação presidencial e já ameaçava ali, caso Serra lhe tratorasse, que ele simplesmente entregaria o governador paulista à própria sorte contra o Lulismo. Dito e feito, mas Aécio esperava que da cama de gato que ele deu em Serra viesse o reconhecimento, por aclamação, de sua liderança, não um novo movimento lhe bloqueando. 

E quando falo que o senador mineiro está sendo bloqueado, não me refiro exatamente ao fato de Aécio ter sido parado em uma blitz no Rio de Janeiro com problemas na sua habilitação e, ainda, levado multa por não ter feito teste no bafômetro - o que arranha seu único capital político, a imagem -, mas sim de coisas mais concretas e graves: se seu grande aliado, o presidente do partido, Sérgio Guerra, está praticamente desautorizado no poder - neutralizado pelo grupo paulista -, por outro lado, o maior aliado tucano, o DEM está se desfazendo, graças ao projeto pessoal do prefeito paulistano Gilberto Kassab - que, no afã de sobreviver na política, criou uma nova agremiação, o PSD, que tem atraído inúmeros demistas descontentes, que atribuem as desditas que o partido tem sofrido nas urnas à direção do partido. O problema é que o apoio expresso da direção demista ao nome de Aécio era sua grande força dentro do próprio PSDB para bancar sua candidatura em 2014. Sem o DEM, as coisas mudam (para pior) para Aécio.

Por outro lado, o surgimento do PSD muda o jogo político paulista, sendo que Geraldo Alckmin perde novamente o controle da situação na capital, afinal, boa parte dos vereadores tucanos migraram para o novo partido, o que esvazia o poder do diretório municipal alckimista - nada pessoal, apenas é comum aos destinos de Kassab e Alckmin se cruzarem e o primeiro costuma levar a melhor. Quais as implicações práticas disso? Serra volta à tona e tem a faca e o queijo na mão para ser candidato a prefeito paulistano em 2012 em nova candidatura-trampolim para 2014. O problema é que o ex-governador é um morto-vivo político. Se ele mal tem vida para ser um candidato competitivo ano que vem na capital - e se vencer será pior ainda para o PSDB porque ele não é mesmo um candidato presidencial competitivo -, ele também não está suficiente morto para entender que precisa passar o bastão para novos nomes.

No meio dessa contenda absurda, voltamos ao item inicial da nossa conversa. E o substrato intelectual do partido nessas horas? Se de um lado o pensamento liberal da PUC-RJ não se enraizou no partido e ainda foi atropelado pelas circunstâncias históricas, por outro lado, há uma debandada dos desenvolvimentistas. É aí que entra em cena FHC com seu artigo sobre o papel da oposição como debatido aqui. O partido precisa lutar agora para manter o capital político que tem, a "classe média tradicional" - profissionais liberais, funcionários públicos e pequenos empresários - e, talvez, abocanhar a "nova classe média". O erro de pensar em categorias de renda no lugar de classes sociais é que o ex-presidente se perde na análise socioeconômica - mais até do que no aspecto político -, afinal, ele esquece que a "nova classe média" é a própria classe trabalhadora que viu sua renda crescer, para além da faixa da pobreza, realizando a mesma atividade com a qual não conseguiam sair da pobreza nos anos 90. 

Não há, portanto, nova "classe social", mas sim uma novidade muito grande produzida pelo lulismo no sentido de que grupos muito grandes *de trabalhadores podem ganhar uma renda digna com sua atividade*, o que altera a correlação de forças da luta de classes. Por isso eu creio que, para além de wishful thinking sociológico - a torcida para que a "nova classe média" seja conservadora, como enfatizou a Mary W no GReader do Idelber -, eu acredito que, mesmo inconscientemente, a fala de FHC tem neste momento uma conotação defensiva mesmo: a ordem é no sentido de não perder o que o partido tem agora diante do fenômeno Dilma. Mas daí a achar um norte vai longe. E isso é péssimo para a democracia brasileira. Ou o PSDB se senta para discutir uma verdadeira refundação, fazendo uma autocrítica pesada - algo comum nas democracias, olhem para o Labour no Reino Unido e o que significou a eleição de Ed Miliband - ou ele se tornará um problema maior do que foi em 2010, um mero (e raivoso) anti-PT, o que é desnecessário.

P.S.: O meu amigo João Villaverde escreveu recentemente um belo post sobre o assunto






quinta-feira, 21 de abril de 2011

Reforma Política

Comissão da Reforma Política - Agência Senado

Até as nuvens sabem que o sistema político brasileiro funciona mal - muito mal, aliás. Agora, finalmente, estamos diante do debate sobre a Reforma Política, promessa de campanha da Presidenta Dilma Rousseff. Por sua vez, o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva também está cumprindo sua promessa de, uma vez fora do poder, ajudar no processo de reforma - motivo pelo qual já arregaçou as mangas nas discussões públicas. O anteprojeto de tal reforma está sendo produzido no Senado por sua respectiva comissão, presidida pelo Senador Francisco Dornelles (PP-RJ) - e que conta, ainda, com os ex-Presidentes da República e atuais senadores Fernando Collor (!) e Itamar Franco além de nomes que vão de Jorge Viana (PT-AC) até Demóstenes Torres (DEM-GO). 

Essa comissão já divulgou até um documento com os itens que serão considerados na reforma - a saber, modificação do sistema eleitoral para as eleições legislativas (exceto o senado, cuja regra é majoritária como nas eleições para o Executivo), financiamento eleitoral e partidário, suplência de senador, filiação partidária e domicílio eleitoral, coligação na eleição proporcional, obrigatoriedade do voto, data de posse dos chefes do executivo, cláusula de desempenho, fidelidade partidária, reeleição e duração dos mandatos e, por fim, a possibilidade de candidatura avulsa. É evidente, entretanto, que buraco é muito mais embaixo e não serão as meras alterações de regras eleitorais e do funcionamento das instituições - por essas mesmas instituições - que irão mudar uma disfuncionalidade altamente complexa, mas também não seria justo dizer que não existem eixos em pauta que, uma vez aprovados, podem ter um impacto altamente benéfico.

Eu citaria dois pontos centrais nessa conversa toda: a questão do financiamento de campanha e dos partidos e a proposta de mudança do sistema eleitoral (conjugado com a pauta do fim das coligações proporcionais). Hoje, uma eleição custa muito caro no Brasil porque a dinâmica da disputa e a realidade econômica atual as transformaram em um gigantesco espetáculo midiático - que movimenta desde empresas de publicidade até institutos de pesquisa de opinião, passando pela indústria gráfica -, o que, no entanto, esvazia o próprio debate de ideias e leva à corrupção, na medida em que as grandes agremiações tornam-se reféns da necessidade de grandes fontes de receita para bancarem as eleições. Já o sistema proporcional de listas abertas, apesar da boa intenção - fortalecer os partidos sem deixar que a cacicagem ordene a lista -, criou uma fulanização eleitoral que desqualifica a representação - não há debate sobre programas partidários nas eleições, apenas disputas individuais onde cada um vende seu peixe, isto é, sua imagem.

Sobre o primeiro item, não me resta muita dúvida que o financiamento público seja a única saída, mas o único modo para que o caixa dois não continuasse a existir seria que o processo de disputa fosse disciplinado: nada de programas eleitorais pirotécnicos, mas sim debates em locais públicos, quantidade de material altamente reduzido e fiscalizado etc, do contrário a demanda por muito dinheiro continua e a transgressão é certa. Na outra ponta, o sistema de lista fechada seria uma boa saída, desde que os partidos fossem obrigados de maneira mais clara - e com a devida fiscalização - a realizar prévias para ordenar a lista, do contrário, é melhor ficar como está mesmo - já pseudo-soluções como o voto distrital, o "distritão" de Temer ou o energúmeno "distritão misto" de Aécio só servem para favorecer as oligarquias regionais ou aos interesses da cacicagem partidária. O fim das coligações nas eleições proporcionais - o que faz os eleitores, muitas vezes inconscientemente, votarem em uma miscelânea de partidos, unidos por motivos obscuros, quando votam no seu deputado ou na sua legenda - também é essencial para forçar os partidos a apresentarem seus programas de maneira transparente e objetiva - além de servir simplificar o processo eleitoral.

Agora, voltando ao ponto inicial da conversa, não podemos cair no cesto comum do idealismo: a reorganização das regras do processo eleitoral e do funcionamento institucional não substituem a verdadeira resolução do problema - e ela passa pelo que envolve a prática da política, seja dentro dos espaços políticos existentes ou dos que podem ser criados, afinal, não adianta apenas ajustar o processo eleitoral e fazer as instituições funcionarem melhor se, na base de tudo isso, os partidos e as demais organizações políticas continuarem a funcionar da maneira como funcionam, executando projetos que não atingem a causa eficiente dos problemas. Reformas políticas desse tipo - e até maiores - já aconteceram em inúmeros países da Europa, mas não impediram, por exemplo, a falência política da Itália ou a tremenda crise na qual vive o continente. Claro que continuando do jeito que está, o terreno para o nascimento de novas ideias resta cada dia mais estéril, mas de nada adiantará se, uma vez adubada a terra, ninguém aparecer para semea-la.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Caso Paulo Teixeira/Folha

 Foto: Edson Santos/ AG. Câmara
Para variar, a Folha. Dessa vez, o ilustre jornal paulistano resolveu demonizar o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira, por ele defender políticas de redução de danos no que toca às drogas - como a descriminalização da maconha. Como se fosse alguma novidade que o deputado - dos melhores quadros do PT na Câmara, senão o melhor -, que trata da questão há anos, tenha essa posição - como tantas outras pautas libertárias em termos de direitos civis que ele tem por bandeira. Nem precisamos falar do panfletarismo nisso, afinal de contas, é público e notório que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em um dos seus raros momentos de lucidez política, defende publicamente uma proposta muito parecida com a do deputado e nada lhe acontece. De repente, frases soltas de uma palestra acabam tomando uma forma curiosa e servem para fritar, não por acaso, a figura do deputado. Por que justo ele? É público e notório como o sistemão gosta de "enquadrar" políticos petistas mais combativos - e me refiro tanto à mídia tradicional quanto quadros mais centristas do partido -, ainda mais alguém como Teixeira, que faz essa função com maestria. Venhamos e convenhamos, acontece coisa realmente relevante e grave o Congresso para se investigar, não é preciso criar factóides para conseguir manchete - se estivéssemos falando de jornalismo, claro. Também não é possível que tanta irresponsabilidade no tratamento de um tema tão sério por parte de um jornal. Esse processo de fritura, é evidente, não visa somente a enfraquecer o mandato de Teixeira, mas sim toda aquela ala do governo que não está dobrada ao comodismo do consenso - isto é, quem está fora do coro de contentes e (ainda) está disposto a propor novas saídas para questões polêmicas. É preciso abrir o olho.

Atualização de 21/04 às 11:42: Leiam o belo artigo no qual Paulo Teixeira responde a reportagem da Folha, publicado na mesma graças à conquista de direito de resposta.

domingo, 17 de abril de 2011

A Definição do Mata-Mata do Paulistão

O mistão do São Paulo empatou com o Oeste e emplacou a primeira posição do Paulistão. Graças a um regulamento pífio, terá apenas a vantagem do mando contra o oitavo colocado - em uma eliminatória onde o empate leva aos pênaltis. Apesar da frouxidão do esquema tático, o tricolor tem hoje o melhor elenco do estado - e as revelações mais promissoras - como também não tem uma Libertadores pela frente, o que o torna sério candidato ao título - e enfrentará a Portuguesa, que por pouco não foi eliminada. Agora, não foi tão feliz o mistão do Palmeiras, que deixou escapar a liderança no seu pior jogo nesta temporada - 2x1 para a Ponte - e pega o Mirassol. Santos e Corinthians venceram, mas o Timão por saldo de gols terminou em terceiro e pega o eficiente time do Oeste, enquanto o Santos pega a Ponte - pior para o Peixe. É difícil imaginar um dos grandes fora da semi, mas como teremos partidas únicas, a chance disso acontecer aumenta. O maior desafio, a uma primeira vista, será mesmo do Peixe, mas nada que não seja contornável. O alviverde e o tricolor estão um passo a frente de seus adversários, embora o segundo esteja um pouco a frente do adversário. Teremos bons jogos.

sábado, 16 de abril de 2011

As Definições do Paulistão e um Giro Rápido pelo Brasil

Neste final de semana, os estaduais entram na sua reta final. Cá em São Paulo, será realizada a última rodada da primeira fase, na qual (o surpreendente) Palmeiras disputa a primeira colocação com o São Paulo - o verde se encontra um ponto a frente do rival, mas terá um jogo difícil contra a Ponte em Campinas, enquanto o tricolor enfrenta o (bom e já classificado) time do Oeste (só que jogando em casa). Corinthians e Santos se acotovelarão pela terceira colocação do torneio. No demais, São Caetano, Paulista, Portuguesa e (remotamente) o Americana disputam a oitava vaga para as quartas de final - e arrisco em dizer que todos os quatro citados são melhores que Mirassol, Oeste e Ponte que já carimbaram seu passaporte, mas lhes faltou regularidade no torneio. O Azulão é favorito para a oitava vaga.

A grande estrela dessa edição do estadual bandeirante é mesmo Felipão: o técnico pentacampeão mundial, contratado no meio do ano passado, continuou no clube a despeito de suas graves crises políticas e administrativas (e de ter nas mãos um elenco desarrumado); ele pôs a casa em ordem e construiu um time fortíssimo na defesa (o,33 gols levados/jogo) e com um ataque em ascensão. Por ora, quem se insurge como ameaça ao time verde é o São Paulo de Carpeggiani, muito mais pelo seu elenco amplo e ótimas revelações (como Lucas) do que pelas indecisões e navalhadas do seu treinador. O Corinthians começou o ano em inferno astral, se recuperou do nada - vencendo o clássico contra o Palmeiras - para depois voltar a submergir; já o Santos é o clássico caso de time que tem muita estrela e pouco chão e a contratação de Muricy vai demorar para surtir efeito (se é que vai). A aposta deste blog é por um título disputado palmo a palmo em clássicos duros, mas quem emplacar a primeira colocação dará um muito passo importante.

Nas copas do meio de semana, se o Corinthians já rodou no qualificatório da Libertadores, o Santos pelo menos conseguiu se manter vivo ao vencer o Cerro no Paraguai, mas precisa jogar muito mais para ter alguma pretensão - em um torneio no qual o Cruzeiro sobra, embora times treinados por Cuca passem longe de ser confiáveis. Na Copa do Brasil, o Palmeiras perdeu uma bela oportunidade de enfiar uma goleada no Santo André na quarta e acabou vencendo só por 2x1, o que dá sopa ao azar, embora seja improvável uma eliminação sua - de todo modo, o verde caminha para um duríssimo embate contra o excepcional Coritiba de 2011, ainda invicto e provável campeão paranaense com os pés nas costas. O tricolor joga depois contra o sempre perigoso Goiás para depois enfrentar Botafogo ou (agora mais provavelmente) o Avaí. Quem surpreendeu mesmo foi o Vasco, que resolveu jogar bola e enfiou 3x0 no Náutico e, aparentemente, resolveu entrar na disputa - e os grandes de São Paulo e Rio são os favoritos na falta dos grandes gaúchos e da pífia eliminação do Galo.

 


sexta-feira, 15 de abril de 2011

FHC, o PT e o Povão

FHC esperneando por Chico Caruso
Recentemente, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso escreveu um (longo) artigo intitulado o Papel da Oposição - o mesmo nome de um artigo seu dos anos 70 sobre o papel da oposição contra a ditadura militar, o que, por si só, já seria motivo para vergonha alheia, afinal de contas, não é mesmo disso que se trata o momento atual. Mas calma porque fica pior: FHC insiste no mesmo erro que seu partido tem caído desde o início do século, isto é, demonizar o PT em demasia e agir politicamente como se o seu discurso tivesse sido eficaz, o que aqui resulta em um efeito tragicômico, a saber: a realização de uma oposição ao governo que o PSDB, enquanto oposição, gostaria que o PT fizesse e não ao governo que realmente está no poder. O PSDB está sem programa desde que o arranjo que FHC se apresentou como fiador nos anos 90 deu errado; em 1998 só restou prometer a continuação da estabilidade monetária e em 2002 fazer o mesmo acusando Lula de ser um satã genérico - quando o eleitorado exigia desenvolvimento socioeconômico e a própria estabilidade monetária clamava por isso. De lá para cá, o partido tucano fez campanhas muito mais antipetistas do que propositivas e a grande causa de FHC dizer que seu partido deveria disputar a classe média e não "povão" - para além do seu notório elitismo - é uma preocupação objetiva com o saldo da campanha eleitoral do ano passado: Serra teve uma votação grande em cima de um violento antidilmismo - que descambou para uma onda de intolerância perigosa -, mas nada agregou para seu partido na medida que não plantou nenhuma semente para o futuro. Como o Governo Dilma está, por meio do seu estilo de governo, da maneira como ela tem distensionado as relações com a classe média e de sua própria figura pessoal - que feliz ou infelizmente não desperta maiores preconceitos - conquistando apoio junto a esses setores, existe uma justificada preocupação sobre o espaço da já reduzida oposição; se o antipetismo for controlado nas camadas médias da sociedade, o que fazer no curto prazo? Como agir até quando (e se) o PSDB for desenvolver um programa? O que FHC quis dizer é que seu partido deve economizar energias defendendo o capital político que (ainda) tem e não partindo para o ataque - afinal, um contra-ataque aqui e agora seriam mortais -, a infelicidade da expressão em relação ao "povão" é só um residual da sua forma aristocrática de ver o mundo - o velho ato-falho freudiano mais na forma do que necessariamente na matéria -,  uma colateralidade da argumentação. No entanto, como em matéria de política não há perdão a resposta de Lula veio, literalmente, a cavalo num belo: "Eu sinceramente não sei o que ele quis dizer. Nós já tivemos políticos que preferiam cheiro de cavalo que o povo. Agora tem um presidente que diz que precisa não ficar atrás do povão, esquecer o povão. Eu sinceramente não sei como é que alguém estuda tanto e depois quer esquecer do povão". Bola levantada, bola cortada. A tentativa de emendar o soneto, claro, sempre é uma tarefa complicada - como é complicado se pôr a defender que seu partido assuma a vanguarda "do novo" e responder coisas duvidosas como: "não sei como a oposição vai se desdobrar, porque depende do que o governo faça. Agora não dá pra tapar o sol com a peneira. Essa perda de substância do DEM não é boa, a menos que o novo partido se declare de oposição."  - ou o Novo ou o DEM, senhor presidente, os dois não. Para além de suas disputas internas sangrentas, o PSDB sofre uma grave crise programática e identitária, o que é uma das chaves para que possamos compreender a política brasileira contemporânea.




quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Fantástica Máquina Partidária Soviética: Suslov

Mikhail Suslov, ideólogo soviético
Sempre quando falamos sobre a antiga União Soviética, as imagens de Lenin e Trotsky - revolucionários e heróis, o último até mártir e profeta - ou de Stalin - déspota e assassino - surgem diante dos nossos olhos quase que de imediato. No entanto, o que interessa verdadeiramente nas grandes histórias não é o que é narrado, mas o que deixa de sê-lo ou, mais até do que isso, aquilo que se põe para fora do narrável por sua própria astúcia, deixando, apenas, uma sombra sinistra como rastro. A figura de Mikhail Suslov é uma dessas entidades. E nessa afirmação não reside nenhuma perspectiva histórica romântica, ao contrário, a figura (im)pessoal de Suslov é chave para que possamos compreender uma parte relevante da engrenagem - formidavelmente totalitária - que sustentou a política soviética como um todo - e não nos esqueçamos; a própria vida adulta de Suslov praticamente se confunde praticamente com a própria vida soviética. 

Antes de mais nada, esqueça dos weberianismos que nos sufocam; uma máquina partidária - essa peculiar máquina "organizadora" de vontade - não está condicionada necessariamente a uma liderança carismática ou a uma liderança racional-burocrática (ou, ainda, a uma dominação tradicional): essa disjunção, na prática, não existe; partidos dependem de faces políticas e carismáticas orientadas pelos profetas da propaganda,  alicerçados sobre o trabalho intelectual de seus administradores - que fazem, como Suslov fazia bem, os relógios marcarem meio-dia todos ao mesmo tempo. Racionalidade administrativa, messianismo e  carisma, na prática, se confundem e isso é uma constante entre as grandes máquinas partidárias, sejam os partidos únicos de regimes autoritários ou mesmo os vários partidos que rivalizam entre si nas democracias.

E Suslov esteve em todos os grandes momentos da história soviética: seja atuando diretamente nos serviços de repressão nos anos 30 - nos anos anos mais duros da perseguição política -, na deportação de minorias nos anos 40 ou mudando de lado na desestalinização dos anos 50 para voltar para onde estava quando da derrubada de Khrushchov nos anos e encampar em o reformismo demagógico e pró-burocracia de Brezhnev - além de, por fim, ter alimentando a ala de Andropov - que tinha entre seus quadros o jovem Mikhail Gorbatchiov. Suslov, mais do que administrador chefe do sistema era seu guardião, um velho taumaturgo a espreitar maquiavelicamente; sua história é o próprio fio da meada da nebulosa história soviética; sua atuação, símbolo da derrocada de qualquer proposta transformadora que ponha a Grande Causa na frente da Liberdade. 

Quando tratamos da crise política brasileira, por exemplo, existem pontos interessantes na história soviética que tangenciam o nosso caso: um deles, a saber, é como a mesmificação partidária tem a ver com o modo pelo qual a propaganda partidária foi terceirizada - hoje, um sistema de propaganda que está descolado dos partidos ou mesmo de qualquer  espectro político, mas é compartilhado por todos os grandes partidos e serve como seu grande fio conector; o outro ponto relevante, é como a extrema-esquerda que se apresenta como contraponto ao consenso em formação não passa, por seu turno, de um emaranhado de movimentos suslovistas tardios, todos dispostos a sacrificarem tudo - a vida, inclusive - em prol da Causa, esmagando o sujeito em seus obstinados sistemas de moer carne humana - dirigidos por seus pequenos líderes que não aparecem e por decisões que parecem surgir do nada quase como se fosse obra divina.


A imensa sombra causada pela luz cegante do Iluminismo se estende para (muito) além das saídas fáceis - e absurdas - que o binarismo político dos séculos 19º e 20º postulou. O contraponto para isso não é uma questão de saber distinguir o "verdadeiro" do "falso", mas de encarar o rotundo fracasso das linhas gerais da organização política contemporânea - sobretudo, dos próprios movimentos de libertação.


segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Fascismo Nosso de Cada Dia

A declaração racista do oportunista Bolsonaro, a tragédia do Realengo e a recente manifestação fascista na Avenida Paulista não são peças desconexas entre si, mas sim cenas do mesmo espetáculo macabro. Se, por um lado, os últimos anos foram marcados por uma ascensão social nunca antes vista em nossa história, por outro, vivemos às voltas com uma profunda crise de valores na política. Não resta dúvida de que jogo político brasileiro foi esquizofrenizado à última potência pela estratégia lulista; a pragmática sindical - e, agora, sua versão gerencial-estatista com Dilma - produziu transformações sociais para melhor maiores do que gerações inteiras de comunistas, nem ao menos, poderiam conceber, mas há um esvaziamento perigoso do debate na medida em que atores diversos foram articulados e rearticulados pela nova ordem - a ponto de não saberem mais quem são ou onde estão. Há tempos, tenho insistido por aqui que as transformações brasileiras dos últimos anos têm um caráter de esfinge, a fricção entre as classes aumentou e se tornou mais complexa ao mesmo tempo. Diante disso, bolhas perigosas se formam. A palavra esquizofrenia é a lei:  Nunca antes fomos tão brasileiros - e ser brasileiro nunca foi tão intenso pelo mundo - e nunca antes fomos tão pouco - o processo de assimilação da "cultura global" é profundo no plano interno, inclusive com a reprodução de certo tipo particular de recalque. O avanço dessa forma de violência, que decorre de uma lógica de política francamente contrária à vida, se dá em ritmo alucinante nas frestas - jamais a despeito - desse enormíssimo fenômeno de mudança que se alastra e se aprofunda em nosso país. No meio desse cinismo atroz reside um agudo desprezo pela vida. Ser racista é uma forma de decidir sobre quem deve viver e morrer - como diria o velho Foucault -, é preciso já estar morto em vida para chacinar uma dúzia de crianças da escola onde se estudou, é necessário muito ódio para reproduzir no país da diversidade o programa teleologicamente assassino e purismo do fascismo - em sua face mais descarada. É preciso ter um instrumento capaz de costurar as partes e o todo e garantir a vida. Isso tem de ser para o aqui e agora.  

  
PS: Vale a pena dar uma olhadinha nessa bela pensata que eu pesquei do twitter do Alexandre Nodari:


"Um par de tapas me ensinou o que era tolerância. Eles vieram de meu pai, que era o mais gentil e mais tolerante homem do mundo. Eu tinha seis anos. Eu estava na varanda de uma casa olhando o Isar, em Munique. Homens em camisas marrons marchavam cantando sob bandeiras com suásticas que eram balançadas. Estava lindo lá fora. Estava muito alegre. Hitler estava tomando o poder. As pessoas, na rua estavam saudando a procissão. De minha varanda, comecei a aplaudir. Meu pai me desferiu um golpe. Foi o único que recebi durante minha vida, foi o único que ele desferiu. Meu pai odiava a violência. Ele odiava a guerra. Ele odiava o ódio. Ele foi muito bem forçado a odiar Hitler e o nacional-socialismo. Eu aprendi aos seis anos que a intolerância é intolerável e que não há tolerância para os inimigos da tolerância" (Jean d'Ormesson)


sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Tragédia do Rio

Intervenção artística na esquina da Rua Bartira com a M. Gonçalves Foz - Perdizes, São Paulo, próximo à PUC-SP

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A Tragédia de ontem no bairro carioca do Realengo foi anunciada. Se tem uma coisa que a filosofia contemporânea nos ensina é que as notícias demoram a chegar - mas um dia, elas chegam. Aqui, a tragédia causada por um jovem fundamentalista com problemas mentais que, como numa típica chacina americana, massacrou uma dúzia de crianças na escolas que estudou é só reflexo de algo que, há muito, acontece em nosso meio: a americanização da nossa sociedade, a reprodução - cada vez mais intensiva - de uma forma de recalque comum àquela máquina capitalista, produzindo efeitos semelhantes; o aumento dos casos de obesidade, de viciados em drogas - sobretudo antidepressivos - e, também, de chacinas desse tipo - "anômicas", dirão os partidários da analítica - não são fruto do acaso. Temos um tal nível de regulação da nossa vida, um grau tão agudo de normalização que, ora ou outra, produzirão jovens transtornados que farão algo do tipo. São todos panelas de pressão humanas com suas válvulas de escape entupidas, a explosão é certa - como é certo também que para compreender isso daqui, é preciso que nos livremos dos psicologismos e sociologismos vãos para pensarmos sobre a coextensividade entre o campo social e o individual.  Como nos lembra o grande Murilo Duarte Costa Corrêa - ao tratar da Carta a um Crítico Severo de Deleuze -, o si é a dobra interior do mundo. A vida sem saída, a vida interditada que nos sufoca não é um fenômeno físico ou lógico, não está no dentro ou no fora, mas sim na dobra que há entre ambos os campos, o que só pode ser desdobrado por uma Ética efetiva - e efetiva é a Ética concebida tendo em vista os devires e não os deveres e, voltada, por fim, a tentar desdobrar a problemática entre o Eu e o Mundo. Trocando em miúdos, não há como pensar nesse caso sem pensar o que há dentro da cabeça do atirador e, ao mesmo tempo, no que vem de fora e lhe faz agir assim: Ou melhor, a relação entre uma coisa e outra. É uma forma de economia que produz isso. Sim, senhores, estamos diante de algo mais trágico do que parece.



segunda-feira, 4 de abril de 2011

Palmeiras bate Santos: Notas sobre o Futebol Moleque

Felipão em ação -- Record de Portugal
Ontem, o Palmeiras de Luiz Felipe Scolari bateu, por 1x0, o Santos na Vila Belmiro. Foi, a exemplo dos demais clássicos neste Paulistão, um jogo duro e equilibrado, mas o resultado passa ao largo de ser surpreendente - ao menos para quem tem acompanhado essa edição do estadual bandeirante. Existe muita coisa que pode ser dita sobre o jogo como, por exemplo, que o certame  marcou  o reconhecimento (tardio) do alviverde como candidato sério ao título, o excelente trabalho de Felipão, talvez o crescimento de jogadores desacreditados e jovens, mas há um ponto em particular que eu gostaria destacar: Como a falácia do futebol moleque  foi exposta no jogo de ontem com derrota do Santos de Neymar e Ganso. Há quase dez anos vivemos às voltas com a panaceia do craque driblador de sorriso largo - e pouca cabeça -, dos delírios nostálgicos com um futebol que já não existe mais e do sonho de, quem sabe, jogar com cinco atacantes e nenhum goleiro - que alimentam uma imprensa esportiva quase toda inepta. Esse devaneio perverso queima jogadores verdadeiramente promissores, estraga bons elencos - que acabam reféns desses mesmos craques - e nos leva a fracassos ridículos nas copas. Uma boa sequência de vitórias ou alguns títulos aqui ou acolá, dois dribles bem feitos ou, quem sabe, uma pedalada certeira escondem uma degeneração progressiva de um futebol escravo de craques deslumbrados que não produzem outra coisa senão times que não sabem jogar coletivamente. O Palmeiras, bem armado e operário, soube absorver o choque inicial, ganhou terreno pouco a pouco até definir o placar no segundo tempo, quando era amplamente superior. Pode não ganhar o título, mas vai disputa-lo e terá uma bela vantagem caso ratifique a primeira colocação que ora ocupa - e o verde joga como os melhores times brasileiros dos últimos dez anos, o Brasil penta do próprio Felipão ou o São Paulo multicampeão de 2005,  na medida em que não confunde ofensividade com irresponsabilidade defensiva e não se deixa capitular por esse ou aquele nome, diferentemente do Santos subjugado por suas estrelas. Nunca voltaremos aos anos 50 ou 60, mas se quisermos retomar aquelas glórias, antes de mais nada, temos de retomar a seriedade dos grandes craques de antigamente, não aplaudir firulas e malabarismos dos simulacros de hoje.
  


domingo, 3 de abril de 2011

A Popularidade de Dilma

Lula e Dilma na Universidade de Coimbra na cerimônia que conferiu ao ex-Presidente o título de doutor honoris causa - Efe

Na última sexta, 1º de Abril, o golpe militar completou 47 anos. Foi o primeiro aniversário daquela desdita sob a égide do atual Governo - e, embora a senhora Rousseff seja a terceira mandatária brasileira consecutiva a ter combatido a Ditadura Militar, é bom lembrar que nem FHC e nem Lula sofreram na pele a verdade sangrenta daquele regime como ela sofreu; portanto, esse aniversário do golpe teve um significado particularmente especial. Coincidentemente, também foi divulgada nesse último 1º de Abril uma pesquisa de opinião CNI/Ibope sobre a aprovação do Governo Dilma: 73% aprovam a pessoa da Presidenta e 56% consideram seu Governo ótimo ou bom - contra apenas 12% que a desaprovam pessoalmente e mirrados 5% que entendem sua gestão como ruim ou péssima. São números melhores do que a última pesquisa Datafolha e muito bons se pensarmos que Dilma está tendo a dura tarefa de substituir o maior líder popular desde Vargas.

A popularidade de Dilma se explica porque não houve alteração substancial dos programas de Lula, a geração de empregos permanece em alta - embora a inflação se imponha, isso parece  apenas um risco distante e sob controle - e, ainda, é fato que ela conseguiu furar a bolha de rejeição à sua pessoa criada pela campanha de José Serra.  Existem, claro, outros fatores que explicam esse fenômeno. Dilma apanha menos do que Lula da mídia corporativa porque não tem contra si os preconceitos que pesavam contra seu antecessor - e a figura do presidente-operário não era outra coisa senão a vagina dentada dos pesadelos da pequeno-burguesia tupiniquim  - além de, preste bastante atenção nisso, ter ensaiado uma aproximação com certas corporações de mídia, seja a imprensa propriamente dita ou das empresas cujos interesses giram em torno dos direitos autorais - basta relembrar todo o imbróglio da gestão Ana de Hollanda no Ministério da Cultura. Sua política externa também demonstra certo recuo em relação à ousadia de Celso Amorim, ainda que não tenha mudado substancialmente - e como a mídia nacional é mais realista do que o rei, talvez ela fique mais satisfeita com isso do que a própria mídia estrangeira. 

Em suma, motivos bons e ruins explicam a alta popularidade de Dilma, mas o que tem prevalecido é que a elite brasileira está satisfeita por continuar a ganhar muito dinheiro - embora não da forma que gostaria -, a "classe-média" tradicional está menos incomodada - porque, afinal de contas, a Presidenta não é vista como uma espécie de déspota inculta que ameaça suas conquistas - enquanto as camadas plebeias, embora não tenham mais um líder com o qual se identifiquem imediatamente, veem na atual chefe de Estado a continuidade das políticas lulistas de recuperação da renda, geração de emprego e, sobretudo, do reconhecimento da classe trabalhadora enquanto parte legítima do jogo político. As grandes ameaças, não resta dúvida, ligam-se ao futuro da economia mundial. O tripé EUA-UE-Japão está numa grave crise, o que além de pôr em xeque o Capitalismo pode antecipar a ascensão geopolítica brasileira, estaríamos preparados para um desafio dessa natureza? As pressões inflacionárias também não de pouca importância, apesar de serem fruto também de fatores externos - a especulação que força o preço das commodities agrícolas para o alto  é consequência clara do derretimento do mercado imobiliário, sendo uma constante desde 2008 -, também tem a ver com o aquecimento da economia nacional, o que exigirá saídas duras - ao nosso ver, o uso do mecanismo tributário para a contenção da inflação é a saída mais factível, mas isso exigirá sim aumento de tributos, o que é (e sempre será) uma medida impopular.

Outro grande ponto é que a oposição permanece perdida. O PSDB, por ora, tem a figura pessoal de Aécio Neves, mas não tem projeto de país. Pior, está perdido em impasse interno  com a disputa entre o próprio Aécio, Alckmin - na verdade, certos setores empresariais de São Paulo - e Serra - ou o que restou dele -, algo que só será resolvido no final deste ano. O racha do DEM em uma nova agremiação "social-democrata" é muito mais sintoma da crise do que saída para a direita nacional. Mantido o quadro atual, resta ao PSDB o jogo rasteiro de factóides moralistas ou do puro terrorismo religioso, típicas táticas que se derem certo nas eleições, são capazes de afundar qualquer eventual gestão. De resto, o que está estabelecido é um pêndulo, onde os tucanos apelam nas eleições por falta de projeto e, pelo mesmo motivo, caminham a reboque do consenso político durante o andamento do governo petista. Ainda que vá ganhar prefeituras importantes, a oposição tende a diminuir (mais ainda) de tamanho nas próximas eleições municipais. Dilma e o PT - ou melhor, seu campo majoritário -, portanto, dependem mais de si do que de qualquer outro fator, mas se num primeiro momento isso é ótimo, um olhar mais atento nos mostra que a questão é mais complexa do que parece.

PS: Leiam essa belíssima análise sobre o Governo Lula feita pelo sempre necessário Perry Anderson: Lula's Brazil.


Atualização das 12:25: Não deixe de ver a entrevista do grande constitucionalista português  J.J. Canotilho sobre o doutoramento de Lula. Também não pode passar batido a verdadeira desancada que Mauro Santayana deu José Carlos Aleluia por conta da carta que o deputado baiana escreveu para o reitor de Coimbra protestando contra a titulação de Lula como doutor honoris causa (?!).