domingo, 22 de julho de 2018

O Que diabos é o Centrão?

O Abacaxi -- Margareth Mee

Centrão. É a expressão do momento às portas das eleições mais polêmicas da nossa -- breve, ainda existente? -- histórica democrática. O termo consiste no bloco de partidos que, a rigor, está servindo de fiel da balança nas eleições presidenciais vindouras. Mas será que o bloco é mesmo uma novidade? Olhando bem, ele coincide em grande parte com o bloco de nanicos que  serviu de base de sustentação de Lula -- com exceção ao DEM, à época, o mais radical de oposição. Não à toa, o grupo se reuniu para escolher um "vice", e não um candidato à presidente: e o vice é Josué Alencar, filho de José Alencar, o vice de Lula. É claro, há que se ponderar a diferença entre apoio parlamentar oportunista e a defesa da ruptura de direitos e sistemas de proteção social -- mas isso diz mais sobre o Centrão do que sobre Lula ou Temer.

Lembremos da década de 2000, lá estava Valdemar da Costa Neto, condenado no mensalão, cá está Valdemar da Costa Neto articulador das presidenciais de 2018. O que ocorre é que O Centrão se consolida como o que ele é hoje durante Dilma II, participando ativamente ao lado de PMDB e PSDB das articulações que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff com a adesão do DEM, se tornou um grupo à parte e comandou a Câmara com Rodrigo Maia, mas com a leniência de quase todos os partidos de esquerda.

Outra lenda urbana é apontar o Centrão como um bloco parlamentar criado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o intuito de puxar o impeachment de Dilma e/ou iniciar as reformas de ruptura do Estado social a partir do Congresso: embora ele tenha se usado do mesmo bloco para seu governo de facto, Cunha cooptou o Centrão, não o criou -- no máximo a tônica das reformas que ele foi eleito pra imprimir ajudaram a aproximar o Centrão do DEM.

No fim das contas, lembremos que Rodrigo Maia derrota Rogério Rosso, o "candidato de Cunha", quando Dilma já estava com a sorte (ou falta dela) definida e, por conseguinte, Cunha não era mais necessário e já estava preso.

Desde então, o Centrão é um entidade que tem dado sustentação a Temer, bloqueado pedidos de impeachment e, até, impedido pedidos de investigação por crime comum envolvendo o presidente -- embora não sem resmungos e sobressaltos. O Centrão não é o arranjo de governo Temer, mas ele é seu importantíssimo motor auxiliar -- como já foi nos anos 2000 com Lula, mas não era nos anos 1990, em virtude da alta fragmentação partidária verificada, sobretudo, a partir das eleições de 2002, o que só continuar a piorar.

Assim o Centrão, para além de ser o sindicato dos políticos, reúne as figuras político-econômicas do capital nacional -- não confundam com nacionalista -- com os Alencar ou os Steinbruch, os quais estavam lá com Lula, com Dilma, mas que viraram de lado e puxaram o impeachment. Elas são, digamos, proprietários de grupos empresariais familiares não ligados (organicamente) ao mercado financeiro nem multinacionais. 

Os setores de onde vêm os empresários-políticos são, todos, bastante sensíveis a variáveis econômicas como câmbio, juros ou grandes acordos multinacionais -- a siderurgia, ramo ao qual se dedica a Família Steinbruch, por exemplo, foi acertada em cheio pelas medidas do governo Trump de aumentar os tributos sobre o aço importado.

O Centrão, antes que eu me esqueça, também representa os interesses corporativos sindicais, o que não se estende apenas à Força Sindical de Paulinho (do Solidariedade), mas no momento é tocada por ele -- muitas vezes não apenas em seu nome, de seu partido ou de sua central sindical.  Enfim, o Centrão é um grande sindicato que reúne o interesse corporativo-burocrático do capital nacional, dos sindicatos e dos políticos em si considerados -- não apenas os políticos profissionais e fisiológicos, que não têm ligação real com a sociedade e vivem da política, mas de todos os políticos no que diz respeito a seus interesses corporativos.

Agora, o grupo se deu um nome, se assumiu publicamente e foi ao ataque em eleições particularmente tensas, sobretudo depois do colapso econômico causado pela política de Pedro Parente, sob as bençãos de Temer, para os preços da Petrobrás -- mas certamente ouviremos que a culpa pelo que estamos passando é da "greve dos caminhoneiros". Sim, a novidade é essa. Do grupo ter saído dos bastidores para não só ir ao palco como pretender algum protagonismo.

Nada mais emblemático, da Lava Jato ao Impeachment, boa parte da ruptura dos acordos que mantinha a conciliação de classes gerida pelo Lulismo passava pela imposição de mudanças na Petrobrás. Dilma se negou a fazê-lo, Dilma caiu, Temer ascendeu, Temer o fez e agora estamos a registrar uma considerável queda do PIB -- Dilma errou muito, errou horrores, errou rude, mas esse erro ela não cometeu.

Por sinal, e este é um detalhe importante, é que a qualificação do grupo como "centrão", criticada em grande medida, não é errada: o grupo, em seus zigue-zagues pela política brasileira do século 21 reedita como farsa trágica a tragédia farsesca dos primórdios da política contemporânea; é na Revolução Francesa que se verá, pela primeira vez, a divisão da política em termos direcionais, direta, esquerda e centro, sendo o centro -- ou o pântano ou planície -- como o grupo mais numeroso e, ao mesmo tempo, mais fisiológico do Legislativo, disposto a defender interesses puros, antes de qualquer plano de ideias ou valores.

Nesse cenário, a decisão do Centrão por Alckmin é um manifesto pela continuidade do que Temer fez, ainda que de forma envergonhada e escamoteada. Porque Temer nunca pretendeu exatamente se perpetuar, ou perpetuar o PMDB, na cabeça da chapa presidencial. Se ele removeu Dilma como removeu, isso o foi por conta do apoio público do PSDB -- e a ideia pressuposta era a de Temer passando a faixa para o PSDB, primeiro para Aécio, o qual teve o sonho presidencial alijado por graves denúncias, e agora para Alckmin.

Ainda que se discuta a natureza do impeachment de Dilma, oficialmente um procedimento comum, para outros um golpe, não é possível negar que foi um procedimento normal: sequer o Senado cassou os direitos políticos da Presidente deposta -- pior ainda, o próprio procedimento foi iniciado por Cunha quando o então governo se negou a travar o processo de investigação contra ele na Câmara.

E o que se seguiu foi um aprofundamento da concessão neoliberal de Dilma II, quando ela ressuscitou Joaquim Levy, passando de Temer em diante a haver uma ruptura com o sentido de democracia social da Constituição de 1988, ou até paradigmas anteriores e mais caros, como a proteção trabalhista. O Centrão, aliado oportunista do primeiro e único governo com tons progressistas, se tornou cúmplice da remoção do mesmo, sob forma duvidosa e com propósitos mais assombrosos ainda.

Alckmin apesar da falta de votos e a defesa de um modelo de gestão em crise, e nada diferente do que Temer executa, conseguiu o apoio do grupo, quando o Centrão cogitou apoiou Ciro Gomes, talvez sob a comoção de maio e de como a greve dos caminhoneiros assustou o pilar empresarial do bloco. Essa escolha não foi, contudo, ocasional.

Ciro tentou negociar com o Centrão, mas recebeu a rejeição como resposta, seja porque, pela esquerda, o PT buscou impedir que seus velhos aliados, como PC do B e PSB, não fechassem com o candidato pedetista para lhe dar a imagem de viável, seja porque, pela direita, Temer ameaçou o Centrão, gastando boa parte do interregno da Copa do Mundo para forçar a manutenção do bloco no governo, mediante ameaças.

Se isso vai se mostrar vantajoso para o Centrão, não saberemos, mas não há nada que a atual agenda econômica faça que possa ajudar a indústria têxtil ou a siderurgia nacional. Alguns interesses, sindicais corporativos que veem no pacote podem nem ser atendidos -- como a volta do imposto sindical, a promessa que Alckmin fez para Paulinho da Força Sindical, num aceno para todas as centrais sindicais, o que já causou um abalo na recém-costurada aliança.

Assim, membros do Centrão que simpatizavam com a agenda de Ciro talvez tenham ido para Alckmin, porque temiam que Ciro não fosse viável pelo efeitos do espectro de Lula, e da ação do PT -- como dito pelo guru do DEM, de maneira mezzo real, mezzo dissuasória, de que qualquer candidato apoiado por Lula conseguiria ir ao segundo turno. 

A decisão do Centrão tem um efeito duplo, a de fortalecer Alckmin à direita do centro e a de enfraquecer, ou de conceder um apoio central, para Ciro na disputa à esquerda do centro. Ela não enfraquece Ciro em detrimento de Alckmin, mas enfraquece Ciro em relação ao candidato que o PT vier a apresentar, ou mesmo Marina, e fortalece Alckmin face a Bolsonaro.

E Bolsonaro lidera nas pesquisas sem Lula por uma simples razão: performaticamente, ele encarna o sincero desejo antissistema de pelo menos uma parte da população, ainda que numa versão de ódio -- mas Bolsonaro é um golem criado pelo PSDB, quando este não tinha lá muitos argumentos para neutralizar o Lulismo, só não esperava ver o experimento sair de controle e do seu comando.

Pelas bandas das esquerdas, uma reunião já no primeiro turno seria necessária para evitar um segundo turno entre a extrema-direita e Marina. Lembrando que Marina, a rigor, disputa voto com todos os demais candidatos que, ao contrário dela, consideram como golpe a ruptura pela qual estamos passando -- sobretudo entre o eleitorado mais pobre, que pode deseja votar em Lula.

A aposta do PT, em manter o nome de Lula como candidato até o último instante, é o tipo da coisa que ou pode dar muito certo, ou pode dar muito errado. A julgar pela postura do judiciário, sua candidatura em si está praticamente barrada. Assim como dificilmente vão lhe permitir apoiar alguém, de qualquer forma, mas o PT poderá apresentar candidato. Como seu eleitor vai se comportar diante disso é a pergunta mais valiosa da eleição.

Se a estratégia der certo, teríamos um nome petista no segundo turno. Se der errado, podemos ter as demais candidaturas progressistas derrotadas em primeiro turno -- e, ironicamente, quem é a mais distante de Lula, isto é, Marina Silva nadará de braçadas para o segundo turno contra Alckmin ou Bolsonaro. O custo do erro, convenhamos, seria maior do que os ganhos do acerto.

Aí chegamos na disputa à direita. Alckmin, cuja candidatura, em virtude da baixa adesão de apoios e votos, quase foi retirada, acabou fortalecido no tempo de TV e na captação de recursos, mas sua briga, neste momento, é contra Bolsonaro: ambos disputam a mesma base eleitoral. Se o maior tempo de televisão do tucano vai ser suficiente, não sabemos. Bolsonaro é um titã nas redes, muitas vezes movido por militância espontânea e um exército de robôs.

Levando em consideração que Alckmin e Bolsonaro disputam um eleitor do sul e sudeste, branco e de classe média, é possível que o fator televisão pese menos nesse cômputo. A correlação de forças entre internet e televisão no Brasil atual contará, sobretudo, para a disputa interior à direita -- cujo eleitorado desde 2006 está situado nas classes menos pobres e que, portanto, tem mais acesso à internet que a média da sociedade brasileira. 

Tanto o peso da transferência dos votos de Lula quanto o peso atual da influência da internet contam bastante, sendo variáveis importantes e enigmáticas, mas o primeiro fator pesa mais para a esquerda e o segundo para a direita.

O fator de novos abalos sociais, e de movimentos subterrâneos está colocado, mas como não há uma organização capaz ou disposta de realmente organizar a indignação popular contra Temer -- que é fato social, mas não é fato político -- é difícil que isso chegue às urnas, salvo como aumento na abstenção -- o mesmo não se pode dizer quanto à governabilidade do governo eleito -- é por isso que o Centrão acaba ficando maior do que realmente é.

No que realmente interessa, a maior parte dos candidatos, com um tom mais ou menos à direita, se volta para a manutenção de uma política social restritiva, manutenção do establishment político, a conservação da política econômica neoliberal e uma posição subalterna do Brasil nas relações internacionais. 

Estaríamos entre o impasse da manutenção do quadro de Temer ou um governo que proporia, em algum grau, mudanças que enfrentariam uma reação intensa -- salvo um milagre nas eleições legislativas. A desunião das esquerdas não ajuda nada, embora ela tenha ideias e caminhos. A direita tampouco tem um plano de funcionalidade -- não há uma Thatcher, isto é, alguém capaz de criar um funcionalidade econômica ainda que socialmente injusta.

O fantástico fracasso de Temer e sua política econômica -- sobretudo em tentar reorganizar o Trabalho nos mesmos termos dos anos 1990 -- pode produzir resultados dramáticos já nessas eleições, mas se tudo for mantido, o pior virá em 2019, sobretudo com as incertezas grandiosas, assombrosas e apocalípticas no plano internacional. Se vamos conseguir ou não cruzar o Cabo da Boa Esperança, isso fica para os futurólogos, mas a missão será essa.


domingo, 15 de julho de 2018

O Adeus da Copa da Rússia e a França campeã

A. Namenov (AFP_
O término de Copas do Mundo nos fazem refletir sobre o tempo. É como se esses ciclos de quatro anos ativassem nossa memória afetiva -- ela sempre o é, mas eu digo a memória dos afetos mesmos, uma certa ternura que fica em cada momento. Onde estávamos há quatro anos ou oito anos, há doze? Que fazíamos? Como estávamos como indivíduos como estava o país? 

Muito se passou, a idade começa a chegar, uma certa nostalgia de outros tempos irremediavelmente bate, sobretudo nesse nosso momento atual -- no qual mais do que presente, nos falta futuro.

A Copa da Rússia, disputada em um momento terrível do Brasil e do Mundo, não deixa de ter sua importância simbólica: de um povo tão marcado pelas guerras, pelas agressões estrangeiras, por mais de cem anos de cerco das mesmíssimas potências e potestades ocidentais. 

Para muito além do "grande evento", seus problemas e aporias, havia algo de um esforço russo em se mostra uma nação como qualquer uma outra, para além de uma demonização internacional, tanto premeditada como profissional -- a ponto de um comentário como este ser considerado "russófilo", quando o que ele pede é que russos e seus líderes, e seu povo, deveriam ser julgados, absolvidos ou condenados, com a mesma medida que americanos ou europeus são ou deveriam sê-lo.

Tão previsível quanto dolorosa, a derrota brasileira ilustra o espírito do tempo nacional: entre a ansiedade crônica e uma certa presunção (que no fundo é uma resposta defensiva e infantil), somos um país que ou negamos nossas tradições ou as afirmamos como estereótipo de brasilidade da farsa global. O Neymarismo como vítima de si mesmo e, portanto, seu próprio algoz. Um país bipolar e não tratado: sempre da mania à depressão.

Ganharam os franceses, multirraciais e multicoloridos, que mantém a tônica gaulesa desde os anos 1980: boas gerações, com hiatos generosos e reaparições gloriosas; da França de Platini para a França de Zidane ao bi mundial com Mbappé e Pogba. 

E que não se diga a França dos imigrantes e refugiados, que o aparado pós-colonizador arregimentou e colocou para levar o país às glórias futebolísticas: ao contrário, o futebol como instância de representação nacional sempre tratou, não só na França como na Europa, de excluir árabes e negros e se abriu pela força deles. 

Na França, onde Platini, um franco-italiano, era lido como um branco e, portanto, um nacional Zidane o era menos e Mbappé uma verdadeiro escândalo, por não ser apenas  não branco como fruto da miscigenação entre imigrantes árabes e negros.

Nessa França, a polaridade racial é tão brutal que a inclusão à brasileira, cordial e malandramente opressora, nem é possível: lá ou seria inclusão à força pela luta ou seria exclusão pura e simples -- e inclusão contra um imaginário que inclusive cogitou instaurar cotas para limitar o acesso de crianças negras e árabes (sim, isso aconteceu mesmo, não é suposição) ao futebol e, por conseguinte, tornar o futebol francês "mais branco".

E que não se chamem os croatas puramente de "nazistas", embora a extrema-direita diga muito sobre como o país hoje, muitos jogadores de sua seleção e ao trágico desmonte da Iugoslávia, no qual a Croácia sob o comando de forças ocidentais ajudou a detonar um conflito horrendo -- que vitimou, a bem da verdade, mais bósnios e sérvios.

A Croácia, em si, seria nazista? Não, mas muitos jogadores seus simpatizam. E sua vitória era parte de uma estratégia de propaganda nacionalista de direita. Ao contrário da França, em que pese  o paradoxo de ser a nação das luzes e, ao mesmo tempo, um país colonialista indômito -- que conserva sua violência via cosmopolitismo neoliberal --, mas não tem no seu time nacional, a sua maior expressão -- embora Macron, esperto como o diabo de Bergman saiba bem jogar com isso.

Na bola e no campo, onde as coisas se decidem, um vareio de bola da França sob o comando de Griezmann, francês de origem luso-alemã, e com toques de talento do menino-prodígio Mbappé e do espetacular Pogba -- o que permitiu até erro crasso do bom goleiro Lloris.

Fica a memória. Onde estaremos daqui a quatro anos, como fãs de futebol e brasileiros, é a grande incógnita.