domingo, 15 de julho de 2018

O Adeus da Copa da Rússia e a França campeã

A. Namenov (AFP_
O término de Copas do Mundo nos fazem refletir sobre o tempo. É como se esses ciclos de quatro anos ativassem nossa memória afetiva -- ela sempre o é, mas eu digo a memória dos afetos mesmos, uma certa ternura que fica em cada momento. Onde estávamos há quatro anos ou oito anos, há doze? Que fazíamos? Como estávamos como indivíduos como estava o país? 

Muito se passou, a idade começa a chegar, uma certa nostalgia de outros tempos irremediavelmente bate, sobretudo nesse nosso momento atual -- no qual mais do que presente, nos falta futuro.

A Copa da Rússia, disputada em um momento terrível do Brasil e do Mundo, não deixa de ter sua importância simbólica: de um povo tão marcado pelas guerras, pelas agressões estrangeiras, por mais de cem anos de cerco das mesmíssimas potências e potestades ocidentais. 

Para muito além do "grande evento", seus problemas e aporias, havia algo de um esforço russo em se mostra uma nação como qualquer uma outra, para além de uma demonização internacional, tanto premeditada como profissional -- a ponto de um comentário como este ser considerado "russófilo", quando o que ele pede é que russos e seus líderes, e seu povo, deveriam ser julgados, absolvidos ou condenados, com a mesma medida que americanos ou europeus são ou deveriam sê-lo.

Tão previsível quanto dolorosa, a derrota brasileira ilustra o espírito do tempo nacional: entre a ansiedade crônica e uma certa presunção (que no fundo é uma resposta defensiva e infantil), somos um país que ou negamos nossas tradições ou as afirmamos como estereótipo de brasilidade da farsa global. O Neymarismo como vítima de si mesmo e, portanto, seu próprio algoz. Um país bipolar e não tratado: sempre da mania à depressão.

Ganharam os franceses, multirraciais e multicoloridos, que mantém a tônica gaulesa desde os anos 1980: boas gerações, com hiatos generosos e reaparições gloriosas; da França de Platini para a França de Zidane ao bi mundial com Mbappé e Pogba. 

E que não se diga a França dos imigrantes e refugiados, que o aparado pós-colonizador arregimentou e colocou para levar o país às glórias futebolísticas: ao contrário, o futebol como instância de representação nacional sempre tratou, não só na França como na Europa, de excluir árabes e negros e se abriu pela força deles. 

Na França, onde Platini, um franco-italiano, era lido como um branco e, portanto, um nacional Zidane o era menos e Mbappé uma verdadeiro escândalo, por não ser apenas  não branco como fruto da miscigenação entre imigrantes árabes e negros.

Nessa França, a polaridade racial é tão brutal que a inclusão à brasileira, cordial e malandramente opressora, nem é possível: lá ou seria inclusão à força pela luta ou seria exclusão pura e simples -- e inclusão contra um imaginário que inclusive cogitou instaurar cotas para limitar o acesso de crianças negras e árabes (sim, isso aconteceu mesmo, não é suposição) ao futebol e, por conseguinte, tornar o futebol francês "mais branco".

E que não se chamem os croatas puramente de "nazistas", embora a extrema-direita diga muito sobre como o país hoje, muitos jogadores de sua seleção e ao trágico desmonte da Iugoslávia, no qual a Croácia sob o comando de forças ocidentais ajudou a detonar um conflito horrendo -- que vitimou, a bem da verdade, mais bósnios e sérvios.

A Croácia, em si, seria nazista? Não, mas muitos jogadores seus simpatizam. E sua vitória era parte de uma estratégia de propaganda nacionalista de direita. Ao contrário da França, em que pese  o paradoxo de ser a nação das luzes e, ao mesmo tempo, um país colonialista indômito -- que conserva sua violência via cosmopolitismo neoliberal --, mas não tem no seu time nacional, a sua maior expressão -- embora Macron, esperto como o diabo de Bergman saiba bem jogar com isso.

Na bola e no campo, onde as coisas se decidem, um vareio de bola da França sob o comando de Griezmann, francês de origem luso-alemã, e com toques de talento do menino-prodígio Mbappé e do espetacular Pogba -- o que permitiu até erro crasso do bom goleiro Lloris.

Fica a memória. Onde estaremos daqui a quatro anos, como fãs de futebol e brasileiros, é a grande incógnita.






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