(a integração como caminho)
O Brasil dos anos 80 é um país trágico, quase cômico. Um lugar onde toda a pressão dos movimentos sociais não é suficiente para aprovar as eleições diretas e, mesmo depois, com a promulgação de uma Constituição moderna e surpreendentemente sofisticada, se vê diante de um tipo como Collor, eleito Presidente em 89. Depois do natural fracasso do Governo do caçador de marajás, o projeto de privatizações e abertura tresloucada da economia persiste, agora por meio de um projeto mais sofisticado de modernização conservadora pelas mãos do PSDB no Governo FHC - cujo mérito está em ter desenvolvido garantias específicas para certas liberdades burguesas, embora os erros na condução econômica, como é sabido, já as ameaçassem no fim do século. É o Partido dos Trabalhadores que se mostra como divisor de águas nessa história. E falo aqui de um caso curioso e singularíssimo de partido de massas que vai do que poderia se chamar de uma postura social-democrata radical - eu prefiro socialista europeia ocidental, mas tudo bem - nos anos 80 para, no início do século - antes um pouco da eleição de Lula -, se tornar uma espécie política nova, ainda em debate, que eu definiria como social-desenvolvimentista: Uma política no qual temos um Estado grande e indutor, bancando o crescimento econômico conjugado com políticas de distribuição de renda e uma política de abertura e integração autônoma. Evidentemente, o buraco dos problemas brasileiros é ainda mais embaixo, mas essa primeira experiência reformista é, em termos graduais, bem sucedida, o que se expressa pela alta taxa de aprovação do Governo ou pelo fato da candidato à sucessão, Dilma Rousseff, estar cotada para vencer ainda no Primeiro Turno.
Enquanto o processo brasileiro começa desacreditado - e aos trancos barrancos - nos fins do nosso regime militar e tem por marco a Constituição de 88 - tanto, que o Brasil simplesmente não é assunto no noticiário internacional do período -, México e Cuba começam a se ver em meio a nuvens negras incontornáveis nesse mesmo período; o primeiro, depois de uma série de terremotos e desastres, além do processo de degeneração do seu sistema político que o faz cair no colo de um projeto de modernização conservadora, liberalizante e submisso, por outro lado, Cuba se vê engolfada pelo turbilhão da crise do colapso soviético, o que, a despeito do bom momento que vivia, conduziu-lhe a retrocessos em relação às conquistas em direitos sociais que o país viveu na segunda metade do século 20º.
O ponto de inflexão mexicano começa com Carlos Salinas de Gortari, eleito de forma mais do que controversa em uma eleição dura - a primeira em que o PRI se viu em apuros, talvez pelo racha que resultou na saída de sua ala esquerda -, tornando-se o profeta do processo de reformas que conduziu o país ao Nafta, mercado de livre comércio da América do Norte - apontado como embrião da Área de Livre Comércio das Américas -, o que aprofundou o processo de dependência da economia mexicana em relação ao seu vizinho do norte, levando sua política externa no mesmo caminho - ao passo em que o êxodo de milhões de cidadãos mexicanos para os EUA acabou representando uma verdadeira válvula de escape no período, seja pela maneira como isso aliviou o mercado de trabalho interno ou pelo rendimento decorrente das remessas enviadas pelos trabalhadores mexicanos nos EUA para seus familiares. Passados 18 anos, o saldo do Nafta é negativo na medida em que o tratado não foi vantajoso para os cidadãos de parte alguma e ainda fez os mexicanos arcarem com o ônus da crise americana. O processo de degeneração das instituições é patente. O Fato do PAN ter desbancado o PRI nas eleições de 2000 pouco altera o panorama de crise ainda mais com a posterior eleição do candidato situacionista Felipe Calderón, também em circunstâncias suspeitas, em 2006 sobre o esquerdista Lopéz Obrador. O governo Calderón é débil, mantém a mesma política econômica e externa sem promover nenhuma reforma institucional, assistindo seu país ser simplesmente atropelado pela Crise Mundial, tendo como uma das decorrências mais patentes o recrudescimento da violência, a ponto do país beirar uma guerra civil por conta da guerra entre os cárteis de drogas.
Do lado cubano, um país marcado a princípio pelo impacto da reconstrução de sua economia, uma passagem dura de um sistema semi-colonial à economia planificada, no qual seu pequeno parque industrial se viu desabastecido de peças por conta do embargo americano. A recuperação econômica do país nos anos 70, ainda que bancada com subsídios soviéticos, foi um grande fenômeno - inclusive porque não podemos nos esquecer que o país participou das guerras de descolonização na África, o que importou em enormes custos econômicos e humanos para o país no período. A crise da dívida do início dos anos 80 foi particularmente dura para Cuba, quando a economia se encontra saneada, veio o turbilhão da crise do bloco socialista. A combinação do isolamento econômico e político - e a impossibilidade de se industrializar por decorrência disso - com os defeitos do seu próprio sistema, assentado, ainda, sobre os mesmos ditâmes dos países socialistas da Europa Oriental - ou seja, sobre um controle rigoroso da economia e da política pelo aparato burocrático do Partido - produziram um período de severa crise, arrefecido pelo boom da economia global nos últimos anos - e a parceria com a Rússia e a Venezuela -, o que caiu por terra durante a última crise global. O afastamento de Fídel Castro, líder da Revolução e governante do país desde então, por motivos de saúde há dois anos marca um ponto de inflexão: Ainda que quem tenha assumido tenha sido seu irmão, Raúl, o país passa por um processo de reformas que aparentemente, à luz do impacto da Crise Mundial, provocaram impactos profundos no país, resultando em reformas, cuja natureza, sem exageros, pode sim ser comparado à Perestroika. Para se ter uma ideia, mais de 500 mil funcionários públicos foram demitidos, o que cria uma exército de reserva gigantesco - para as dimensões do país - e cujo impacto sobre o mercado de consumo ainda é imponderável, a esperança do Partido, é, no entanto, a de realocar esse contingente humano em empresas privadas e em cooperativas. Não está fora de vista, também, as parcerias de suas estatais com o capital internacional, inclusive - e especialmente - com o próprio Brasil.
A situação de México e Cuba é imponderável. E curiosa. Em ambos os lados existe um histórico de dependência em relação a uma superpotência, o que, no fim das contas, não produziu prosperidade sustentável - o caso mexicano, convenhamos, foi um tanto pior -, mas isso é circunstancial. Ambos precisam bancar reformas de grau profundo tão logo. A explosão da criminalidade no México é um efeito de tudo isso, não causa; a prisão de dissidentes em Cuba é puro enxugamento de gelo de Havana - e seus líderes sabem disso. O sistema político mexicano precisará bancar corajosas decisões na área de política externa, reformas suas instituições e reformar sua política econômica, aumentando a participação do Estado; os cubanos veem-se em meio do colapso tardio de seu sistema socialista burocrático, precisam reformar o tripé fundamental do governo do Estado assim como os mexicanos e têm ao seu lado, o exemplo do que não devem fazer em uma abertura econômica na história recente dos países da ex-URSS - neste momento, me parece um bom caminho transformar as grandes estatais em sociedades de economia mista e incentivar as cooperativas, integrar-se com o Mercosul e distender gradualmente o modo como o Estado se relaciona com a Sociedade Civil. De um lado e do outro, é fácil falar, as saídas existem, mas é questão de saber se os seus sistemas políticos serão capazes de responder a tais demandas.
Tempos curiosos, o mercadismo e o centralismo planificador falharam. A Liberdade, mesmo que seja pela via da exclusão, parece se anunciar como solução como há muito tempo não se via.
Muito bom artigo.
ResponderExcluirObrigado, Daniel.
ResponderExcluirPermita-me a discordância, mas o "primeiro marco" não foi o PT. Foi o Plano Real. Aí, sim, que o Brasil saiu da UTI. Foi uma tremenda recuperação da capacidade do Estado de agir, copiando a expressão da Dilma. Não concordo com muita coisa do FHC, mas é ingratidão não dar ao Plano Real seu devido valor.
ResponderExcluirE acho que você poderia ter sido um pouco mais duro com Cuba. A despeito de coisas ótimas por lá (o acolhimento a diversos brasileiros fugitivos da ditadura, por exemplo), aquilo degringolou muito rápido para uma ditadura e assim permaneceu. Um dissidente que é preso por enxugamento de gelo continua a ser uma pessoa presa por sua opinião.
Além do mais, você não mencionou o arregaçador discurso de volta do Fidel (não, não estou falando daquele em que ele diz que "isso não funciona nem para nós"). Foi uma coisa muito subnoticiada. Pô, só por que ele espinafra o Ahmadinejad?
De qualquer modo, há bons augúrios para Cuba, com ou sem os Castro. E é sempre bom dar uma relembrada nos nossos vizinhos, como o México.
Última coisa: eu estou perdendo a paciência com o blogspot. Não tem como você dar uma arrumada no sistema de inserção de comentários? Já deixei de comentar aqui várias vezes por simplesmente ter perdido a paciência com o troço.
He Will Be Bach,
ResponderExcluirEu não gosto dessa tese de ingratidão. Acho que essa categoria é ruim para se aplicar à política e, mesmo que não fosse, não sei se caberia ao Governo FHC. Sobre o Plano Real, no momento oportuno, tecerei minhas considerações a respeito. Por ora, a única coisa que eu posso dizer é: Havia maneiras e maneiras de estabilizar a economia, o problema ali não era nenhuma aporia da política econômica, era da política mesmo - principalmente de interesses que giravam em torno da inflação em si e até do que a causava -, eis que FHC resolveu dentro do projeto de modernização conservador ao qual se propôs a executar. Uma moeda, para além de toda aura mágica que a envolve - e que precisa envolvê-la -, é apenas um conjunto de medidas provenientes do campo da política econômica, nada mais. Os tucanos pegaram a herança de Itamar que foi hábil em construir o discurso que viabilizou a moeda, mas o conteúdo que ela trazia, em si, era o de passar o cheque dos custos dos fins da inflação para a classe trabalhadora. Nem a miséria e a pobreza tiveram queda significativa naquele período, nem o emprego e a renda cresceram. Os petistas foram espertos para, gramscianamente, se utilizarem de alguns instrumentos disfuncionais - porém bem legitimados pelos tucanos -, dando-lhes um novo significado. Aqui não foi diferente. O projeto de FHC fez a curva oblíqua parar em um ponto até alguns anos antes do fim do seu governo, não fossem os petistas e seria duro o país se recuperar.
Sobre Cuba, não sei se fui leniente com a Ilha. Simplesmente, não a mistifico nem para o bem nem para o mal. Aquilo não é o céu nem é o inferno. No duro, não é uma "ditadura", mas sim uma aristocracia. Degringolada ela até pode ser, mas no mesmo nível que o Brasil ou o México - esse último, um país estranhamente mitificado no nosso noticiário, mais ou como a Venezuela até antes do Governo Chávez, muito embora os problemas não tenham começado ali...Temo que o México só achará seu rumo se cair nas mãos do PRD daqui a algum tempo, mas se isso acontecer, paradoxalmente, aquele país será trazido à baila pela mídia nativa, com acusações malucas contra seu eventual Governo de centro-esquerda.
abraços
P.S: Depois de passar as eleições, farei uma consulta aqui sobre a caixa de comentários.