Hoje é Dia do Trabalho nos EUA. Você deve estar se perguntando porque eles não homenageiam seus trabalhadores em 1º de Maio como todo mundo faz - e, caso você seja um pouco mais atento, deve estar se perguntando porque justo os americanos fazem isso, haja vista que o motivo do Dia Internacional do Trabalho ser comemorado em 1º de Maio se deve, curiosamente, ao massacre de trabalhadores que protestavam por melhores condições de trabalho da praça Haymarket, em Chicago, seja no ato do protesto ou, logo depois, no julgamento burlesco que seus líderes foram submetidos para legitimar a pena de morte que lhes foi previamente aplicada. Sim, claro, antes de mais ninguém, os americanos é quem deveriam homenagear os trabalhadores naquele dia.
Você ganha um doce se adivinhar que essa peculiar dissonância de datas foi legitimada pelo anti-comunismo, álibi que permitiu, entre outras coisas, fazer com que o Congresso Americano, no fim dos anos 50, criasse um "Labor Day" na primeira segunda feira de Setembro, sob a alegação que o Primeiro de Maio teria sido apropriado pela União Soviética. Mais do que qualquer coisa, criar um Dia do Trabalho em outra data que não o Primeiro de Maio foi uma forma da ideologia dominante americana tirar o foco da luta internacional dos trabalhadores e, claro, tentar passar uma borracha ideológica sobre seu próprio histórico de lutas proletárias - para quem acha que só Stalin brincava de apagar a história ao seu contento, bem-vindo ao mundo real.
O Labor Day, evidentemente, nada tem nada a ver com sua fachada cândida de uma festa genuinamente americana, surgida para desvincular o bom nome de seus trabalhadores da propaganda do "comunismo" internacional - um comunismo que nunca existiu, nem jamais existiria naqueles termos, saliente-se -, afinal de contas, é preciso ter em mente que pouca coisa foi tão útil para o discurso da classe dominante americana durante o século 20º quanto o álibi soviético: O Labor Day, portanto, nunca passou do segundo assassinado dos martíres da Praça Haymarket, um crime mais sutil e sofisticado do que o primeiro, destinado a eliminar o legado histórico de manifestantes, cuja honestidade dos ideais os fez morrer na Chicago dos fins do século 19º da mesma forma que os faria morrer num gulag soviético do século 20º.
A comemoração do dia de hoje é destinada a desdita como hoje se materializa debaixo das nossas vistas: Hoje, americanos sofrem com o aumento da jornada de trabalho, diminuição de renda salarial e com um desemprego na casa de quase 10%, que aflige o sono de quase três quartos dos habitantes daquele país - tudo isso para sustentar uma elite perdulária, que se sustenta da indústria das guerras ou do parasitismo da especulação financeira. Nada mais falsa que a declaração feita por Obama na sexta exaltando valores meramente retóricos e falando num conceito "classe média" que, entre outras coisas, foi e é dos grandes significantes vazios sustentadores do sonho americano - e o sonho é uma das coisas mais perversas que podem existir quando retirado da tranquilidade do nosso sono para ser posto no terreno da política; quando isso acontece, ele se materializa enquanto a frustração de sua impossibilidade de se concretizar ou como o pesadelo que ele tem de se tornar para poder existir.
Voltemos a questão da classe média. Desde tempos imemoráveis, sabe-se que dividir a sociedade em grupos avaliados por ser renda e não pela posição que eles ocupam na cadeia produtiva é tão errôneo, que sua utilidade só pode se dar caso seu uso for ideológico; em um primeiro momento, deixamos de falar em proprietários dos meios de produção, trabalhadores, funcionários públicos ou profissionais liberais para separar os habitantes de uma infeliz coletividade de acordo com a renda que recebem; de repente, some a questão da propriedade dos meios de produção para surgir, gloriosamente, a questão da renda como se ela viesse do nada. Relaxem, porque independentemente de como o Trabalho esteja dividido, criamos um sistema em relação ao qual todos se beneficiam, todos ganham, como se essa renda viesse do nada e pudesse assim se manter, ascendente, para manter a tranquilidade da massa, que satisfaz a mediocridade da sua vida no consumo do banal.
A ideologia, no entanto, sempre tem problemas. Primeiro, ela não é capaz de se autosustentar. Por mais que ele se confronte com o conhecimento e a reflexão, ela bebe em sua fonte. Para ser escondido, é necessário que antes seja revelado. Os velhos bolsheviks, apesar dos seus vários problemas, não eram tão ingênuos a ponto de desconhecerem que boa parte do que era o Capitalismo há cem anos atrás já se devia a uma divisão internacional do trabalho. Com os ideólogos americanos acontece quase o mesmo, ainda que lhes falte igual precisão teórica. Os EUA são o que são porque o sistema-mundo, tal como está disposto, os deixa nessa situação confortável - ou estava deixando. No íntimo do seu ser, admitem que seu país tem limitações e que sua atuação os fez cruzar linhas perigosas demais - como seu próprio modo de funcionar está próximo do teto, seja macroeconomicamente, como se vê hoje, ou política e ambientalmente também, como se verá mais tarde.
O mito do país de classe média, cuja riqueza é fruto da quantidade de trabalho - e de uma pré-destinação à prosperidade de seus habitantes - é tão falso e insustentável discursivamente quanto o Programa de Gotha já era em 1875 - e os ideólogos da democracia americana sabem muito bem disso; os EUA funcionam de acordo com a maneira como o Trabalho é organizado em seu interior e ao redor de todo o mundo, sua posição tem limitações e seu modo de agir está errado já não é de hoje; mas poucos são seus ideólogos que têm forças seja para enfrentar os grupos de interesse parasitários que aparelham seu Estado ou, mais do que isso, para denunciar como os recursos que hoje faltam, nunca passaram de meios para edulcorar uma pílula que, mesmo em seus bons momentos, não passava de um modo de lhes proporcionar a mera alucinação de sua emancipação coletiva e individual, coisa que o seu Sistema era e é incapaz de materializar historicamente.
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