quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Sobre o Desmonte da TV Cultura

A TV Cultura está ameaçada de desmonte pelo Governo do estado de São Paulo. Isso é gravíssimo. Estamos falando de um dos maiores patrimônios públicos do estado São Paulo, não apenas pelo alcance que tem enquanto rede de televisão como pelo seu histórico que unia qualidade e luta por democracia - que remonta aos anos de chumbo, quando, sob a égide de um tal Vladimir Herzog, aquele canal ousava fazer jornalismo de verdade. A Cultura, nos fins dos anos 80 e anos 90, exercia uma importante função no sistema de comunicação nacional, principalmente no que concerne a um nicho subestimado: O dos programas infantis - enquanto todos os canais brasileiros, desde o início dos anos 80, insistiam em produzir voltados para instalar uma verdadeira pedagogia do consumo, o canal público bandeirante produzia um material que conseguia ser ao mesmo tempo crítico e inteligente e popular.   

É necessário recapitular: A decadência da TV Cultura coincide com a decadência econômica e política de São Paulo. O ciclo industrial dos anos da ditadura era insustentável e está destinado a entrar em um ciclo precoce de desindustrialização; a ausência de partidos e grupos políticos com um projeto à altura de responder às demandas geradas por esse fenômeno provocaram uma decadência econômica aguda; os governos Quércia e Fleury foram particularmente fracassados e eis que o PSDB ascende com Covas: Enquanto o projeto petista se volta para a disputa do Governo Federal, com algum foco de organização de alternativas de política regional restrito quase que apenas na capital, o grande capital bandeirante, em decomposição pelos problemas da indústria, buscava por um braço partidário capaz de privatizar os bens públicos e assim lhe conceder o acesso a tal nicho. 

Eis aí que nasce o longo domínio tucano em São Paulo, o que tem servido, inclusive, como plataforma para disputas em níveis federais - em aliança com certas oligarquias do Nordeste. Por outro lado, o PT, embora sediado no mesmo estado, jamais lançou mão de uma política local efetiva para estabelecer um efetivo contraponto - nem ele, nem nenhum outro partido de esquerda. Nesse contexto, a máquina privatista tucana atropelou tudo, embora tenha procurado respeitar os dois grandes estandartes de resistência de um projeto público e humanista de São Paulo, nomeadamente, a USP e a TV Cultura. Hoje, a segunda está sob ataque direto depois de ter sido consumida aos poucos pelos Governos Covas, Alckmin e Lembo - e sofrido violenta interferência de Serra/Goldman, sendo que o primeiro deixou tal movimento de desmonte engatilhado quando saiu do cargo para concorrer à Presidência da República.   

Na prática, o que temos é a demissão de mais de mil funcionários e a provável extinção de uma série de programas. Em suma, o fim da TV Cultura que ainda resistia aos acintes político-partidários que causaram as demissões de Luís Nassif e mais recentemente de Heródoto Barbeiro, a deformação do jornalismo e, até mesmo, o assassinato do Roda Viva enquanto programa questionador, crítico e, sobretudo, independente. Por que isso é ruim? Porque é um passo atrás para a resolução de uma das demandas mais urgentes do Brasil contemporâneo: A democratização da informação. Vivemos numa era na qual informação se torna poder de maneira mais direta e pungente, o oligopólio da mídia, para além dos efeitos econômicos imediatos, produz efeitos posteriores e mais relevantes pela concentração da produção e difusão da economia em si - o que concentra poder em certos grupos em detrimento de todo o resto do sistema. Democratizar mídia não é apenas fazer uma espécie de bondade, mas garantir a própria democracia e a sustentabilidade da economia, é realizar uma tarefa tão urgente e necessária quanto uma reforma educacional ou uma reforma agrária. Quando o PSDB retrocede neste ponto, está dando mais mostras perigosas do seu projeto. 

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