(imagem retirada daqui)
Pesquei agora há pouco pelo Google Reader do Alan Patrick, um post do Azenha sobre a boa entrevista de Márcio Pochmann a Caros Amigos - sim, eu sei muito bem das limitações da referida revista, mas ela tem sim seus méritos: O primeiro, de realizar de tempos em tempos boas entrevistas (como essa), o outro de trazer alguns bons artigos (e seus artigos, mesmo que se percam muitas vezes num extremismo bobo, ao menos não são raivosos). No caso em questão, goste-se ou não do que o Pochmann diz, há de se reconhecer que ele é um dos melhores economistas do Brasil hoje e um dos raros que está realmente bem antenado no debate contemporâneo, em especial, no que toca os aspectos estratégicos da coisa. Os dois pontos arrolados no post do Azenha são, respectivamente:
1.“O Brasil não fez as reformas clássicas do capitalismo contemporâneo, não fez a reforma agrária, não fez a reforma tributária e não fez a reforma social. O Brasil tem uma estrutura fundiária hoje pior do que era nos anos 50 quando ganhou a primazia a defesa da reforma agrária. Nós estamos falando de 60 anos de reforma agrária e a estrutura fundiária brasileira piorou, nós não enfrentamos a questão fundiária, da tributação, os pobres continuam pagando mais impostos, os ricos continuam pagando menos impostos. Qualquer país desenvolvido tem uma estrutura fundiária menos concentrada, uma estrutura tributária progressiva e não regressiva. O que avançou mais foi a estrutura social, o enfrentamento das questões do presente que se vinculam com as questões do passado. Estamos colhendo resultados muito importantes, tem a ver com a Constituição de 88, com melhor sofisticação e orientação das políticas sociais que se combinam com o econômico no governo Lula. Mas, para nós, estamos gestando um novo ovo da serpente, cujos sinais de exclusão são muito maiores do que esses que nós conhecemos agora. São questões do presente que se vinculam com o futuro."Esse é o ponto que tenho abordado com certa frequência por aqui: O projeto petista resolveu alguns dos nós górdios decorrentes da longa agonia do Estado Varguista e das idiossincrasias do projeto tucano, mas ele fez isso contornando o delicado e partindo para o óbvio, reposicionando o Estado novamente como indutor da economia - só que de uma forma inteligente e responsável - e e construindo políticas efetivas de distribuição de renda. Ótimo. Isso não quer dizer que o governo não tenha precisado comprar boas brigas, mas não foram as maiores brigas que ele poderia ter comprado - e se eu certos casos não dava para ter ido além mesmo, em outros, ele não criou caminhos e não deu passos além quando poderia ter dado. Concordo quando dizem que Lula construiu uma nova forma de confrontação, inteligente e efetiva, mas também não é incorreto dizer que ele entrou na fogueira totalmente. O ponto é que o tempo passa e o teto abaixa, tornando cada vez mais iminentes - para a manutenção do próprio processo de desenvolvimento que o PT inaugurou - a necessidade das reformas agrária, tributária, política, midiática - sendo que a última depende apenas da regulamentação dos dispositivos constitucionais já em vigor desde 88. Isso seria um baita desafio para Dilma, em seu eventual (e provável) governo: se o PT não encampar essa luta, ele próprio projetou as condições para que outros grupos o façam, o problema é que isso abre uma janela perigosa, tudo isso precisa ser feito - e bem feito -, deixar para outros grupos a primazia por essas lutas é correr o risco de perder espaço no debate político por inércia - dando um programa de bandeja para seus rivais na esquerda - ou queimar demandas sérias deixando-as na mão de partidos de esquerda - seja no sentido em que eles podem fracassar na sua resolução (o que é bem provável) ou respondê-las tragicamente mal com custos para a democracia. Pode ser também que a própria direita consiga bloquear tudo (o que jogaria o país numa grave crise) ou articular de uma maneira conservadora, mudando tudo para não mudar nada - mantendo o status quo. Seja como for, a História não vai esperar sentada o PT desenvolver meios efetivos para resolver isso, nem vai parar caso o PT queira ignorar tais reformas - ainda que, nesse momento, o Partido dos Trabalhadores seja o único partido com material humano, amplitude e penetração social capaz de executar tal tarefa. O PSDB, hoje, tentaria articular tudo para achar as linhas de fuga que o certos setores empresariais precisam, mas sem a mesma organização - e penetração - que ele tinha nos anos 90, ou seja, estaríamos diante de uma tentativa mal-fadada de servir a setores atrasados da economia nacional - como os ruralistas, p.ex. -, o que se constituiria em um grande desastre, uma tentativa desinteligente de manter o funcionamento da ordem, o que poderia dar em paralisia, autoritarismo - ou, milagrosamente, em correção de rumo durante o trajeto, o que julgo improvável.
É essa visão estratégica que o Pochmann tem e eu gosto. Esse debate que ele levanta não é só fundamental como bem longo. Em um primeiro lugar, falta essa visão estratégica ao governo mesmo. Você tem toda a questão do desenvolvimento demográfico do país, como isso interfere no desenvolvimento nacional não apenas pelo seu volume e velocidade, mas pela forma como ele se dá - e Pochmann não aborda esse tema diretamente nesse ponto, mas é um dos fios que ele suscita -, mas é preciso pensar, por exemplo, no impacto econômico da distribuição desequilibrada da população brasileira e como essa desconcentração é essencial para o desenvolvimento. Claro, toda essa questão se articula com as demandas que justificam uma reforma agrária e uma reforma urbana - para ficar no que impacta diretamente. Por outro lado, um ponto que ele levanta e é bastante relevante é: (i) muito provavelmente chegaremos a um estágio a partir do qual a população começará a decair sem que tenhamos atingindo um nível produtivo satisfatório - o que tem impactos violentos sobre a própria produção, especialmente pela questão previdenciária, nesse aspecto, recomendo que olhemos com atenção o caso russo, que é semelhante ao quadro hipotético que o Brasil pode enfrentar daqui há vinte anos; (ii) é bem provável que continuaremos a ser um país capitalista, o que demanda, desde já, que pensemos a questão da reposição da mão de obra e do desenvolvimento de tecnologia visando superar essa nova contradição que se anuncia no horizonte - ou então, poderíamos ser um pouco mais criativos e poderíamos inovar na política econômica repensando as relações de produção e trocas materiais, antes até do que isso, o que é complexo, mas é sim uma boa opção.2."O ovo da serpente que estamos gestando está estruturado em dois grandes eixos que estruturam as sociedades pós-industriais, que é para onde estamos indo muito rapidamente. O primeiro está vinculado à mudança demográfica, profunda mudança demográfica. Primeiro lugar porque há uma queda na taxa de fecundidade. Estamos hoje sem condição de repor a população, uma taxa de fecundidade de 1,8 filhos. Em 92 eram 2,8 filhos, mulheres brancas com mais escolaridade já estão com a taxa de fecundidade 0,9. Hoje o Brasil já é um país formado por não-brancos. Não falo isso por uma questão preconceituosa, falo isso por que os não-brancos são os mais vulneráveis no Brasil ainda hoje. E requerem uma política de atenção específica para este segmento. Segunda questão é que a partir de 2030 o Brasil terá uma situação inédita, que é a redução absoluta de sua nação. O número de nascidos será bem menos que o número de pessoas que morrem. Em 2030, o Brasil terá possivelmente 207 milhões de brasileiros. Os demógrafos estimavam há 20 anos que em 2030 o Brasil teria cerca de 240 milhões de brasileiros, vamos chegar a 207 e em 2013 nós teremos uma redução absoluta da população. Ou seja, em 2040 é esperado que tenhamos 205 milhões. Isso abre uma outra discussão, para os militares, republicanos em geral a demografia sempre foi estratégica, hoje a questão da demografia está em segundo plano, nós estamos satisfeitos com os 207 milhões de habitantes, o Brasil precisa ter mais população ou menos população, o tamanho de uma economia está diretamente ligado ao tamanho de uma população, ainda mais pelo fato de que o grosso da população brasileira está na parte litorânea do país, a densidade demográfica no Centro-Oeste é baixíssima. Esse é um ponto: a questão da mudança demográfica. Entraremos em uma fase de escassez de mão-de-obra e o Brasil sempre foi abundante em mão-de-obra. Quem farão os serviços mais simples do Brasil? Serão os paraguaios, os bolivianos, será uma outra realidade se manter esta trajetória, estou aqui especulando um pouco sobre a trajetória, com base em hipóteses."
De todo modo, recomendo a revista e, sobretudo, as reflexões que Pochmann lança em sua entrevista.
Pois é, muitos comentaristas no Vi o Mundo não entenderam a genialidade do Pochmann. Como diz o dito popular, enquanto tem gente indo, ele já está vindo.
ResponderExcluirPois é, meu velho. De vez em quando, é questão de respirar um pouco antes de comentar algo, mas nem sempre isso rola, ainda mais quando se trata de um cara como o Pochmann - em relação ao qual até mesmo a crítica especializada comete erros parecidos (só que com mais "erudição").
ResponderExcluirabraço
Mas que estória é essa? Vc parece que tá quase pedindo desculpas por admitir que lê a revista. E que diabos são as tais limitações dela, demasiadamente à esquerda do padrão nem carne nem peixe dos leitores a quem vc aparentemente se dirige? Serão êles aqueles que sonham com uma fusão das "melhores cabeças" do PT com as do PSDB irmanadas em seu horror ao "passado"?
ResponderExcluirQuanto às previsões de Pochmann quanto ao declínio da taxa de "reposição" acho um tanto pessimistas demais. Brasileiro adora procriar, e quanto mais pobre mais engajado nessa missão, e se essa razão não for suficiente, ainda temos as telenovelas com suas estratosféricas taxas de natalidade. :-)
P.S.: não sou leitor nem da Caros Amigos, muito menos da Carta Capital, mas não veja nisso indício de uma determinada inclinação ideológica.
Marola,
ResponderExcluirA Caros Amigos tem algumas limitações que até mesmo sua própria equipe reconhece - a falta de bala na agulha para fazer reportagens, por exemplo -, mas também tem outros, de natureza material, que passam batido por ela e normalmente diz respeito à forma como seus articulistas, dependendo do tema em debate, abrem mão da crítica para se sujeitarem a uma visão procedimentalizada de mundo que não admite muitos desvios - e é evidente que o problema não está em ser de extrema-esquerda, afinal, o que eu vivo escrevendo aqui é que todo ponto de vista é mesmo visto de um ponto do plano, mas há uma diferença grande entre isso e assumir o seu ponto no plano como o ponto de observação.
E, cruzes, a ideia de uma fusão entre PT e PSDB é, seguramente, muito mais motivo da minha preocupação do que de qualquer anseio e a turminha que advoga a favor disso é mais uma que tem lá sua crença no "caminho único" - e mesmo que esse caminho que eles veem seja um tanto diferente desse que a Caros Amigos caia de vez em quando, ele não deixa de ser enxergado e trilhado de forma lá muito diferente.
É uma questão complexa e você tem mesmo razão em me chamar a atenção porque eu acabei o tratando de uma forma mais rápida do que eu deveria. Mas o saldo desse edição, insisto, é positivo - mas dificilmente algo será analisado positivamente por aqui sem a narração dos seus devidos senões.
Aliás, creio que a preocupação do Pochmann é válida quanto a demografia. Os dados não são animadores e chegaremos ao patamar de certos países europeus sem termos atingido seu nível produtivo. Isso é péssimo. A Rússia, por motivos diferentes, experimenta concretamente - neste exato momento - essa hipótese que o Brasil pode viver daqui a vinte anos e eu posso te afirmar que é um baita problemão - só corrigível com visão e política estratégica mesmo.
abraços
Bem até lá provávelmente já estarei morto, agora essa questão da queda da taxa de natalidade me parece comum a todo país que completa o seu ciclo de industrialização, não é nenhum ovo de Colombo Falei em tom de brincadeira, mas esse gosto do brasileiro por sexo e a influência disso é uma fator a ser melhor considerado, vc não acha? Quer dizer o Brasil está muito atrás nessa fila não?
ResponderExcluir"Visão procedimentalizada". Eu não mereço ouvir esse desaforo, Hugo. ;)
Eu acho que os brasileiros trepam mal, meu caro Marola, e mais do que isso: Existe uma verdadeira mitologia sobre a sexualidade nacional - ainda que isso não se ligue necessariamente à taxa de fecundidade :-)
ResponderExcluirP.S.: É um palavrão mesmo, no significante e no significado - infelizmente posto em prática pelos caros...digo, caras lá...
Pois eu acho que o PT só vai fazer alguma reforma útil o dia que superar o lulismo.
ResponderExcluirOs 8 anos do governo foram os anos do não-enfrentamento. Não descontentar ninguém é um pouco a receita dos 80% de popularidade. O governo fez coisas ótimas no curto prazo, mas quase tudo que precisa pro longo prazo está por fazer ainda. E ninguém pensando ou discutindo.
Aliás, cadê o programa de governo de Dilma? Vão pensar nisso depois da eleição?
Industrialização e crescimento econômico não precisam, necessariamente, se refletir em estagnação ou em redução populacional. Para os estados nórdicos, como Suécia, Noruega, Islândia e Finlândia, a natalidade não tem sido uma preocupação. Como possuem um regime de bem-estar social que dá muito apoio à maternidade e à mulher, as taxas de natalidade estão entre as maiores das nações desenvolvidas.
ResponderExcluirAndré,
ResponderExcluirNão diria que foram oito anos de não-enfrentamento, mas de uma prática política que operou numa zona cinzenta que surgiu da intersecção entre a área de incidência do enfrentamento inteligente - pela via da negociação dura com as diversos agentes - e a do mero apaziguamento cordial e desnecessário. Isso é um paradoxo que envolve tanto a análise sóbria do PT em relação às condições objetivas existentes quando assumiu quanto a falta de visão estratégica do governo em certas áreas mesmo. Poderia ter existido uma política de reformas efetiva nesses oito anos, muito embora eu não discorde de que o foco realmente deveria ter sido o que foi: A reversão da curva decrescente da economia que vinha em crise, salvo alguns momentos de cabeça para fora d´água, do fim dos anos 70 para cá - esse foco se expressou pela execução razoavelmente bem-sucedida de uma política conjugada de desenvolvimento e redistribuição de renda. O ponto é que se esse arranjo tivesse sido feito com as reformas, estaríamos no melhor dos mundos, mas não foi o que aconteceu e, apesar de que isso não vá estourar no primeiro biênio de um provável Governo Dilma, fará sim diferença no médio prazo ameaçando as conquistas - creio que a própria candidata petista tenha noção disso, por isso assumiu compromissos de realizar as reformas tributária e política. Serra, enquanto candidato da direita - diria também de direita, mas não vou entrar nessa polêmica agora - não propõe reforma alguma, mas também não tem nenhum plano de rearticulção conservadora como FHC tinha em 94, o que desemboca em um dos piores quadros concebíveis.
abraços
Patrick,
ResponderExcluirSem dúvida, mas o ponto é que há uma tendência dos Estados que ocupam posição proeminente na cadeia internacional do Trabalho no sentido de uma redução de natalidade - as políticas públicas dos nórdicos só confirmam essa tendência, pois elas existem justamente para frear essa esse movimento. Há, claro, casos anômicos. Um deles é o das antigas nações socialistas, seja pela crise pela qual começaram a passar já nos anos 70 ou pela reforma desastrosa que sofreram nos anos 90. Daí, retomo: Temos o caso russo. O Brasil, por sua vez, devido às suas idiossincrasias e à correlação de forças internacionais, corre o risco de chegar num estágio de redução da população sem ter criado meios econômicos - e tecnológicos - para aguentar o tranco. O suposto problema que temos na Previdência pode se tornar duramente real. É questão de começar a pensar nisso agora e é aí que entra a importância da visão estratégica: Desenvolver desde já políticas públicas tendo em vista essa hipótese.
abraços
"(...) quanto à demografia (...) chegaremos ao patamar de certos países europeus sem termos atingido seu nível produtivo. Isso é péssimo."
ResponderExcluirOra Hugo, veja pelo lado positivo - nós jamais poderemos chegar no mesmo nível produtivo dos países europeus sem pilhar, por séculos a fio, os recursos naturais e humanos de continentes além-mar.
Talvez seja pior do que isso, Luis: Os europeus vivem bem porque, mesmo hoje em dia, seus Estados ainda ocupam essa posição de proeminência em relação à divisão internacional do trabalho que eu lembrei. A pilhagem prossegue - ela não foi, ela está sendo. Claro que não é apenas isso, há também todo um complexo sistema de políticas sociais e redistributivas que garantem isso - do contrário, a Rússia seria rica -, mas é claro que sem o primeiro fenômeno, não haveria "riqueza" alguma - até porque riqueza é uma categoria absolutamente relativa. O ponto é que podemos chegar em vinte anos a uma composição etária semelhante a esses países em outra situação. Isso nos expõe desde já.
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