Andrea Matarazzo confronta manifestante pró-Pinheirinho/ Paulo Libert/AE |
Os confrontos no interior do Partido da Social Democracia Brasileira seguem homéricos. Uma declaração um tanto forte, atribuída ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, "vazou" na imprensa: “A minha cota de Serra deu. Ele foi duas vezes meu ministro, duas vezes candidato a presidente, candidato a governador e a prefeito. Chega, não tenho mais paciência com ele”. Há poucos dias, em outro "vazamento" atribuído a Serra, o ex-presidenciável dizia a íntimos que FHC "está gagá" ao comentar a declaração do ex-presidente de que Aécio seria o candidato natural do partido para a eleição presidencial de 2014.
Na prática, são declarações citadas por conta e risco de jornalistas, não há nada oficial, mas também não há nenhum desmentido público de nenhuma das partes - nem interesse em fazê-lo, que quer dizer muita coisa. É certo que sempre houve uma disputa pessoal e ideológica entre ambos, Serra foi uma voz independente no governo de FHC e, depois, como candidato à sucessão do projeto tucano - mesmo sem ser o favorito de Cardoso - nunca se preocupou em defender o legado de seu antecessor - e à boca pequena, FHC sempre se queixou disso.
Agora, o negócio esquentou de vez. Serra perdeu as eleições presidenciais em 2010, mas falou ainda como líder da oposição no discurso da derrota, enquanto Aécio, o aclamado - pela mídia tradicional e outros simpatizantes da oposição federal - candidato tucano para 2014, se colocou em uma posição de superioridade que, no entanto, lhe custou caro: Serra articulou duramente ao longo de 2011, destruiu o DEM - principal sócio do PSDB e fiador animado de Aécio para dar lugar ao PSD de Kassab - e, assim, conseguiu permanecer no páreo - exatamente como prevíamos aqui há pouco mais de um ano.
Mas 2012 reservou uma encruzilhada para o ex-governador paulista: a proximidade das eleições municipais e a falta de um candidato competitivo do PSDB, segundo ele próprio admite, o obriga a assumir a tarefa. Isso é uma armadilha na medida em que se aceitar o desafio, Serra terá uma vitória de pirro para suas pretensões - ganhar a Prefeitura, o que ele considera pouco, é abrir mão da Presidência - ou encerrar sua carreira com uma derrota - o que não deixa de ser possível, uma vez que, segundo pesquisa recente, sua intenção de voto é baixa para um nome tão conhecido (21%) e sua rejeição é a maior dentre os possíveis candidatos (33%).
Há quem no PSDB municipal de São Paulo queira sua candidatura realmente. Seria um longo mandato como encerramento digno de carreira e a manutenção da Prefeitura nas suas mãos - o que nunca realmente saiu de suas mãos com Kassab, talvez só no final de seu mandato, embora o Prefeito paulistano não deixe de declarar abertamente apoio a uma eventual candidatura Serra (e ele, por seu turno, apóie publicamente um candidato do PSD, o que faria o PSDB abrir mão de sua candidatura própria).
Ainda assim, como até as pedrinhas da rua sabem, muitos daqueles que defendem a candidatura Serra, o fazem para vê-lo fora da disputa presidencial de 2014. Até mesmo seu desafeto local, o governador Geraldo Alckmin, herdeiro do esquema de Mário Covas, que mantém equidistância tanto de Serra quanto de FHC - que o veem como um provinciano desqualificado. Enquanto publicamente Alckmin defende prévias no partido - que, no entanto, estão condicionadas à decisão de Serra -, nos bastidores ele insiste para que Serra seja o candidato a prefeito.
Nas possíveis prévias, Bruno Covas e Ricardo Tripoli disputam com nomes historicamente mais próximos a Serra como Andrea Matarazzo e José Aníbal - dos quatro, apenas Tripoli, deputado federal, não é secretário do governo Alckmin. O governador, por óbvio, preferiria Serra na disputa, sem ele, prefere posar como o fiador das prévias e fortalecedor do partido. Seja como for, Alckmin é o único nome nacional a realmente defender uma candidatura própria, ou Serra ou alguém das prévias - tendo, nessa última hipótese, leve preferência por Bruno Covas, por considerar que tem uma dívida de gratidão com o avô dele, seu mentor político, o falecido governador Mário Covas.
Andrea Matarazzo, atual secretário estadual de cultura e ex-subprefeito da Sé, que jamais teve proximidade com Alckmin - muitíssimo pelo contrário - enxergou o peso do governador no processo das prévias e agora passou a defendê-lo com unhas e dentes, seja em redes sociais como o Twitter ou publicamente - o que lhe valeu um bate-boca homérico com manifestantes do PSTU que protestavam contra a violenta ação policial no Pinheirinho. Em um momento em que Alckmin está em posição de defesa, sob pressão intensa dos movimentos sociais, Matarazzo está disposto a correr riscos para apagar um passado inteiro de inimizades com Alckmin.
Essa é a nada confortável situação tucana em São Paulo. E não custa lembrar que embora o eleitorado paulistano opte por candidatos do PSDB no plano estadual e nacional, no plano municipal as eleições normalmente ficam entre alguém da direita orgânica e o PT. A única vitória tucana em São Paulo foi com Serra em 2004 em uma eleição nacionalizada. Aliás, falando em nacionalização, nem isso é favorável ao PSDB, porque o"grande eleitor" dessas eleições é Lula, cuja indicação de voto é a principal opinião para metade do eleitorado e seu candidato é Fernando Haddad.
Diante dos problemas, o PSDB, que absorveu relativamente bem o choque petista nas eleições gerais de 2010 - mas sentiu o golpe no day after - está disposto a radicalizar à direita para vencer e não perder São Paulo. O que explica em grande parte as recentes operações policiais bancadas pelo governo do estado, conveniado com prefeituras próximas, na Cracolândia, USP e no Pinheirinho.
O discurso da tolerância zero em segurança pública, não esqueçam, rende muitos votos, embora sempre esteja no fio da navalha, pois é possível que uma hora a minoria atingida, de alguma forma, se identifique com a população. Isso explica grande parte da repercussão negativa do Pinheirinho; para além da resistência firme dos movimentos sociais, o ataque aos "favelados" acabou soando como ataque "a famílias pobres" e se existe um resultado prático dos anos de lulismo, é a construção de auto-identificação do eleitorado com os pobres.
Portanto, Andrea Matarazzo fez uma aposta arriscada ao defender pública e enfaticamente a ação, tanto que Tripoli e Bruno Covas se esquivaram de fazer isso e passaram a semana pregando contra a crueldade contra os animais (o que é sintomático, aliás). Depois do choque frontal entre FHC e Serra, é difícil antever o que pode acontecer dentro do ninho tucano.
Para além das intrigas palacianas - exacerbadas no PSDB mas presentes de canto a canto dessa eleição -, muita coisa está em jogo nessa eleição, embora isso esteja posto nas questões de fundo. O modelo de governança urbana - a união de imobiliárias, bancos, seguradoras e a polícia - que se pretende implementar em São Paulo não é questão meramente local, é laboratório para o país como já tem sido em partes - e arrisco em dizer, para o mundo -, uma política (des)habitacional fundada na guerra civil permanente. O impacto nacional sobre o alinhamento das forças partidárias também não significam pouca coisa. O PSDB disputa, hoje, a gerência dessa forma de governança, embora tenha reais dificuldades de admitir isso.
É a decisão que sairá do confuso ninho tucano que, invariavelmente, deflagará a eleição municipal paulistana mais importante da história, repleta de candidatos novos e com mais forte repercussão na cena nacional.
A esquerda e o Pinheirinho
ResponderExcluirOs equivocados ataques a uma suposta omissão do governo federal servem à estratégia demotucana de envolver a única instância que fez alguma coisa (mesmo que obviamente irrisória) para impedir a tragédia do Pinheirinho. Os maiores responsáveis pelo impasse foram os governos municipal e estadual. Os esforços concentrados da juíza, do prefeito e do governador buscaram justamente abortar qualquer solução negociada, criando um fato consumado que inviabilizasse o recuo e a conseqüente vitória política do Planalto. Eis por que rapidamente promoveram a bárbara destruição dos bens abandonados pelos moradores e aniquilaram os vestígios físicos da comunidade.
A macabra disseminação de falsas estatísticas fatais apenas fortalece a idéia de que a ausência de óbitos legitimaria a operação policial. O anseio por uma catástrofe exemplar enfraquece as denúncias dos maus-tratos sofridos pelos desabrigados. Fruto da mesma cegueira oportunista, a glamorização da pobreza “insurgente” (ou a “comiseração desgraçada”) conduz a uma fantasia romântica sobre a realidade do sofrimento daquelas pessoas. A favela pode ser palco e símbolo de uma luta, mas nunca representará sequer um rascunho de solução para os problemas sociais e urbanísticos envolvidos. Foi a necessidade, e não um pretenso espírito libertário, que levou os ocupantes a se instalarem no Pinheirinho.
Tais mistificações ajudam a esquerda a fugir de uma reflexão isenta sobre suas próprias responsabilidades na gestação do episódio. A tragédia só ocorreu porque o governo Geraldo Alckmin e seus esteios no obscuro Judiciário paulista não enfrentam uma oposição articulada e eficaz do PT, do PSB e de outros partidos da base governista federal. Se, por exemplo, as ações dos cossacos na USP ou o sepultamento do mensalão da Alesp tivessem recebido o tratamento que mereciam, a oligarquia ultraconservadora que domina o Estado guardaria pelo menos a sensação de fragilidade que advém da fiscalização externa e do constrangimento público. E pensaria duas vezes antes de cometer um absurdo como o de Pinheirinho.
Essa é uma simples culminância de um longo processo de arbitrariedades isoladas que passaram incólumes por décadas de harmoniosa convivência entre a esquerda paulista e a hegemonia demotucana. Todos são cúmplices. E devem começar imediatamente a discutir como desfazer o ambiente de repressão e autoritarismo que já ultrapassa o nível do suportável.
http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com/
Guilherme,
ExcluirConcordo plenamente com tudo que você colocou. Aliás, reiteraria a avaliação da torpeza da oposição de esquerda no plano estadual acrescentando, inclusive, o quanto isso piorou no último ano com a bancada petista apoiando o inefável Barros Munhoz (PSDB) como presidente da Alesp - talvez para "retribuir" o apoio dado a Marco Maia (PT) pelos tucanos na Câmara Federal. Quando Alckmin, apesar da boa votação, poderia ter sido pressionado logo de cara pela total falta de rumo já no início de seu terceiro mandato como governador, deram o espaço suficiente para que ele desse essa guinada demagógica e violenta. Agora, é lutar pelo tempo perdido e independente de partidos.
abraços