sábado, 4 de fevereiro de 2012

Mapa da Violência Brasileira e a Doutrina da Segurança Pública

Caim e Abel: o histórico pregresso dos homicídios
A professora Raquel Rolnik divulgou recentemente em seu blog, um estudo bastante amplo e aprofundado sobre a violência homicida no Brasil - com enfoque nos últimos dez anos, mas com dados precisos dos últimos 30. Para além dos pertinentes apontamentos de Rolnik, e eu ainda não li todo o trabalho que é longo, de cara os dados já desconstroem boa parte daquilo que serve para alimentar a retórica que usa a "segurança pública" como superstição fundante de uma política policialesca - a exemplo do que era a "segurança nacional" nos tempos da Ditadura.


Para começar, sim o Brasil que termina a década passada é mais violento do que era há trinta anos atrás, mas essa violência nada tem a ver com a "democracia" como fazem parecer ser os conservadores. Por isso, é preciso lançar um olhar sobre os cortes políticos do período. O curioso gráfico da página 18 do pdf nos dá boas pistas: a escalada dos homicídios no Brasil já era uma realidade no governo Figueiredo, último do ciclo militar, viu a violência saltar de 1980 - um ano após assumir - de 11,7 para 15,7 por grupo de 100 mil habitantes/ano, um aumento de 34,18%. 


Findo o ciclo militar, primeiro presidente civil depois do golpe de 64 - embora ainda eleito indiretamente -  é Sarney, que larga o poder deixando uma taxa de 2o,3 homicídios por grupo de 100 mil - aumento de 29,29%. Os breves governos Collor e Itamar veem uma pequena queda e uma pequena subida respectivamente - 19,1 e 21,2 por cem mil nos finais de mandato -, até uma nova guinada com FHC: a taxa de homicídios termina em 28,5 em 2002, um aumento de 34,43%, um crescimento alarmante. Com Lula, a taxa de homicídios cai para 26,2 por cem mil/ano, uma pequena queda de 8,07%, a primeira em tempos.


Nesse sentido, ainda que a aceleração dos anos 80 e 90 chegue em uma estabilidade nos anos 00, a análise variação governo a governo nos dá mais luzes sobre a questão. E sim, mesmo que a responsabilidade sobre a segurança pública recaia principalmente sobre os estados - porque são eles que administram as polícias militar e civil, que lidam com o grosso da criminalidade -, as alterações governo a governo apontam que a segurança gira mais em torno nos cortes macroeconômicos do que nesse ou naquele plano de segurança.


Mesmo que se argumente, como faz Rolnik, que na estabilidade dos anos 00 o mapa da violência apenas mudou - queda da violência no sudeste, aumento no nordeste -, o fato é que é meio complicado em pensar a relação entre os estados apenas de forma externa, afinal, o vínculo produzido pelos movimentos migratórios lhes tornam dependentes de forma interna uns dos outros. E os (bons e maus) encontros produzidos pelos movimentos migratórios dentro do Brasil não são fruto do acaso, mas sim de políticas públicas que deslocaram grandes contingentes - e da própria resistência às condições de certas regiões, produzindo migrações espontâneas.


Vejamos, considerando  o período Collor/Itamar como unidade, ele também verifica crescimento na taxa de homicídios, de tal forma os dois últimos governos que ainda bancaram o velho desenvolvimentismo - Figueiredo e Sarney - assistem a fenômenos de aumento do desemprego, queda na renda salarial e o agravamento de problemas urbanos, o recrudescimento desse processo com Collor/Itamar e FHC, no desmonte privatista da herança varguista, persiste e se agrava - e sobre os anos 90 e 00, os gráficos de repartição funcional da renda são taxativos: a renda do trabalho perde importância ao longo daqueles dois governos e é recuperada durante o período Lula (gráfico da página 4 do link), sendo que essa variação favorável se materializa também nos gráficos da taxa de homicídio. 


Não falamos de correspondências econômicas diretas, mas no impacto de tendências econômicas - a falta de perspectiva de futuro, em cima da realidades de desemprego e queda na renda salarial; não é o crescimento econômico que determina a queda da violência, inclusive porque ele pode ser causado por ela, mas a maneira como se dá esse crescimento (ou falta dele) e como isso é sentido pela população. Ainda assim, o fato de que a recuperação da renda do trabalho não venha acompanhada de uma queda semelhante na taxa de homicídios, pois a cultura de violência deixada em certo período não se dissolve tão rápido quanto surge e depende de uma série de outras medidas.


Isso nos mostra de que mecanismos policiais não são o principal fator nos índices de homicídio - que, como todo incidência criminosa em termos sociais, depende de causas exteriores à lei e à autoridade em infração ela se materializa. Mudanças de estado a estado precisam ser ponderados no seu contexto nacional num jogo de perdas e ganhos: não há como pensar a queda da violência em São Paulo (oposicionista) e Rio (governista) sem pensar na diminuição da pobreza no Nordeste, o que arrefece o fluxo de imigrantes, tampouco o avanço econômico do Nordeste explica o aumento da violência em muitos dos seus estados, já que Pernambuco viu os seus caírem.


Portanto, a relação entre segurança pública efetiva e policialismo, principal discurso de Maluf e agora assumido por Alckmin em São Paulo, não se sustenta - e o faz escondendo mais armadilhas ideológicas do que parece, como na ocupação policial na Cracolândia, onde o que menos importa é o crack, mas sim toda a questão da especulação imobiliária no centro de São Paulo. 


Não é polícia sendo usada com fins outros e corruptos, mas que a própria polícia não é fator efetivo para conter a transgressão violenta da lei, o que depende de fatores que dizem respeito à produção [de vida], sua quantidade e seu modo - em relação à qual, aí sim, a polícia pode atuar como agente, resolvendo "no tranco" quanto, como e onde se produz. Do contrário não seria a Ditadura Militar, em sua agonia derradeira, a verificar esse aumento lamentável dos homicídios no nosso país.

5 comentários:

  1. Olá, Hugo

    Esses trabalhos do Ipea são sempre interessantes, mas parece que eles esquecem um pouco de explicar as causas dos problemas sociais. O foco fica muito nos dados históricos e atuais, mas com pouca análise.

    Talvez te interesse o livro "O que resta da ditadura". Trata-se de uma coletânea de artigos sobre aspectos do período militar que ainda ressoam na nossa frágil democracia.

    Abraços,
    Enzo.

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    1. Sim, Enzo, O Que Resta da Ditadura é uma boa coletânea, mas acho que os trabalhos do IPEA, ao seu modo, cumprem uma função importante. No caso em questão, ele prova, se comparado de maneira cruzada com o histórico da taxa de homicídios nacional, que o aumento da exploração capital sobre o trabalho - e não a dureza dos sistemas policiais como insistem, com algum êxito, os conservadores - é o principal gerador de violência homicida.

      abraços
      Hugo

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  2. Hugo, acho que com toda esta internet grande o blogue com o qual me identifico mais em termos de posições políticas é o seu. É sempre um prazer ler você.

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    1. Obrigado, Barbara, muito gentil da sua parte, mantenhamos pois a interação!

      Beijo
      Hugo

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  3. Hugo,
    Não sabia desse estudo e fiquei interessadissima, eu gosto desses dados em análises, gráficas, estastísticas, pois a partir dai é que, também, podemos buscar as respostas que levaram a esses números.
    Em todo caso vou ler com muito apreço a pesquisa!

    Beijo.

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