Caim e Abel: o histórico pregresso dos homicídios |
Para começar, sim o Brasil que termina a década passada é mais violento do que era há trinta anos atrás, mas essa violência nada tem a ver com a "democracia" como fazem parecer ser os conservadores. Por isso, é preciso lançar um olhar sobre os cortes políticos do período. O curioso gráfico da página 18 do pdf nos dá boas pistas: a escalada dos homicídios no Brasil já era uma realidade no governo Figueiredo, último do ciclo militar, viu a violência saltar de 1980 - um ano após assumir - de 11,7 para 15,7 por grupo de 100 mil habitantes/ano, um aumento de 34,18%.
Findo o ciclo militar, primeiro presidente civil depois do golpe de 64 - embora ainda eleito indiretamente - é Sarney, que larga o poder deixando uma taxa de 2o,3 homicídios por grupo de 100 mil - aumento de 29,29%. Os breves governos Collor e Itamar veem uma pequena queda e uma pequena subida respectivamente - 19,1 e 21,2 por cem mil nos finais de mandato -, até uma nova guinada com FHC: a taxa de homicídios termina em 28,5 em 2002, um aumento de 34,43%, um crescimento alarmante. Com Lula, a taxa de homicídios cai para 26,2 por cem mil/ano, uma pequena queda de 8,07%, a primeira em tempos.
Nesse sentido, ainda que a aceleração dos anos 80 e 90 chegue em uma estabilidade nos anos 00, a análise variação governo a governo nos dá mais luzes sobre a questão. E sim, mesmo que a responsabilidade sobre a segurança pública recaia principalmente sobre os estados - porque são eles que administram as polícias militar e civil, que lidam com o grosso da criminalidade -, as alterações governo a governo apontam que a segurança gira mais em torno nos cortes macroeconômicos do que nesse ou naquele plano de segurança.
Mesmo que se argumente, como faz Rolnik, que na estabilidade dos anos 00 o mapa da violência apenas mudou - queda da violência no sudeste, aumento no nordeste -, o fato é que é meio complicado em pensar a relação entre os estados apenas de forma externa, afinal, o vínculo produzido pelos movimentos migratórios lhes tornam dependentes de forma interna uns dos outros. E os (bons e maus) encontros produzidos pelos movimentos migratórios dentro do Brasil não são fruto do acaso, mas sim de políticas públicas que deslocaram grandes contingentes - e da própria resistência às condições de certas regiões, produzindo migrações espontâneas.
Vejamos, considerando o período Collor/Itamar como unidade, ele também verifica crescimento na taxa de homicídios, de tal forma os dois últimos governos que ainda bancaram o velho desenvolvimentismo - Figueiredo e Sarney - assistem a fenômenos de aumento do desemprego, queda na renda salarial e o agravamento de problemas urbanos, o recrudescimento desse processo com Collor/Itamar e FHC, no desmonte privatista da herança varguista, persiste e se agrava - e sobre os anos 90 e 00, os gráficos de repartição funcional da renda são taxativos: a renda do trabalho perde importância ao longo daqueles dois governos e é recuperada durante o período Lula (gráfico da página 4 do link), sendo que essa variação favorável se materializa também nos gráficos da taxa de homicídio.
Não falamos de correspondências econômicas diretas, mas no impacto de tendências econômicas - a falta de perspectiva de futuro, em cima da realidades de desemprego e queda na renda salarial; não é o crescimento econômico que determina a queda da violência, inclusive porque ele pode ser causado por ela, mas a maneira como se dá esse crescimento (ou falta dele) e como isso é sentido pela população. Ainda assim, o fato de que a recuperação da renda do trabalho não venha acompanhada de uma queda semelhante na taxa de homicídios, pois a cultura de violência deixada em certo período não se dissolve tão rápido quanto surge e depende de uma série de outras medidas.
Isso nos mostra de que mecanismos policiais não são o principal fator nos índices de homicídio - que, como todo incidência criminosa em termos sociais, depende de causas exteriores à lei e à autoridade em infração ela se materializa. Mudanças de estado a estado precisam ser ponderados no seu contexto nacional num jogo de perdas e ganhos: não há como pensar a queda da violência em São Paulo (oposicionista) e Rio (governista) sem pensar na diminuição da pobreza no Nordeste, o que arrefece o fluxo de imigrantes, tampouco o avanço econômico do Nordeste explica o aumento da violência em muitos dos seus estados, já que Pernambuco viu os seus caírem.
Portanto, a relação entre segurança pública efetiva e policialismo, principal discurso de Maluf e agora assumido por Alckmin em São Paulo, não se sustenta - e o faz escondendo mais armadilhas ideológicas do que parece, como na ocupação policial na Cracolândia, onde o que menos importa é o crack, mas sim toda a questão da especulação imobiliária no centro de São Paulo.
Não é polícia sendo usada com fins outros e corruptos, mas que a própria polícia não é fator efetivo para conter a transgressão violenta da lei, o que depende de fatores que dizem respeito à produção [de vida], sua quantidade e seu modo - em relação à qual, aí sim, a polícia pode atuar como agente, resolvendo "no tranco" quanto, como e onde se produz. Do contrário não seria a Ditadura Militar, em sua agonia derradeira, a verificar esse aumento lamentável dos homicídios no nosso país.
Olá, Hugo
ResponderExcluirEsses trabalhos do Ipea são sempre interessantes, mas parece que eles esquecem um pouco de explicar as causas dos problemas sociais. O foco fica muito nos dados históricos e atuais, mas com pouca análise.
Talvez te interesse o livro "O que resta da ditadura". Trata-se de uma coletânea de artigos sobre aspectos do período militar que ainda ressoam na nossa frágil democracia.
Abraços,
Enzo.
Sim, Enzo, O Que Resta da Ditadura é uma boa coletânea, mas acho que os trabalhos do IPEA, ao seu modo, cumprem uma função importante. No caso em questão, ele prova, se comparado de maneira cruzada com o histórico da taxa de homicídios nacional, que o aumento da exploração capital sobre o trabalho - e não a dureza dos sistemas policiais como insistem, com algum êxito, os conservadores - é o principal gerador de violência homicida.
Excluirabraços
Hugo
Hugo, acho que com toda esta internet grande o blogue com o qual me identifico mais em termos de posições políticas é o seu. É sempre um prazer ler você.
ResponderExcluirObrigado, Barbara, muito gentil da sua parte, mantenhamos pois a interação!
ExcluirBeijo
Hugo
Hugo,
ResponderExcluirNão sabia desse estudo e fiquei interessadissima, eu gosto desses dados em análises, gráficas, estastísticas, pois a partir dai é que, também, podemos buscar as respostas que levaram a esses números.
Em todo caso vou ler com muito apreço a pesquisa!
Beijo.