segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Pinheirinho: Já se Passou uma Semana

There was much in it that I did not understand, in some ways I did not even like it, but I recognized it immediately as a state of affairs worth fighting for."
(George Orwell, sobre a Barcelona Revolucionária, em Homage to Catalonia) 


Nesse último final de semana, visitei São José dos Campos com alguns amigos.  No sábado, fui ao terreno no qual se localizava comunidade do Pinheirinho - e onde agora jazem seus escombros, memórias e reminiscências. Depois, circulamos pela cidade e fomos em dois dos quatro "abrigos"  onde estão os desabrigados, sendo que no meio tempo entre um e outro, passamos pela Defensoria local para ajudar no mutirão de atendimentos - apesar de que o movimento maior tenha sido pela manhã e, à tarde, ainda terem acontecido "problemas" com os ônibus que deveriam transportar os moradores dos abrigos para a Defensoria.

A situação dos moradores é desalentadora. Eles estão dormindo nas quadras de ginásios poliesportivos e a quantidade de crianças é enorme - tanto quanto a má vontade dos funcionários da Prefeitura, que estão preocupados apenas em dar a versão oficial do governo, dificultar doações (inclusive do Sindicato dos Metalúrgicos, que eles não perdem oportunidade de alfinetar) além de, ainda por cima, gerenciar os abrigos para desocupa-los a qualquer custo.

Diante de tanta torpeza, sequer é capaz de se sustentar mais um sofisma recorrente: de que os moradores deveriam pagar aluguel. Desde a desocupação violenta e arbitrária da área até agora, as imobiliárias e demais locatários, de forma organizada, trataram de procurar esconder placas de locação ou simplesmente criam dificuldades enormes para os moradores - exigindo certidão de débito negativa e fiador para desabrigados - ou simplesmente se negam a alugar imóveis para qualquer pessoa  que possa ter vindo do Pinheirinho. 

Nem precisaria de tanto: considerando os imóveis para alugar disponíveis e enquadráveis na faixa de renda dos desabrigados mais o aumento massivo da oferta - com seu caráter emergencial -, é evidente que os preços de aluguéis disparariam. Não existe possibilidade de solução privada e individual do caso. Políticas tapa-buraco como o "aluguel social" de Alckmin são uma piada pronta, uma vez que não há esforço do governo municipal ou estadual para que as pessoas efetivamente consigam alugar imóveis.

O fato é que existe uma política deliberada para expulsar, por ação ou omissão, os moradores do Pinheirinho de São José dos Campos, inclusive porque a decisão da Justiça Estadual é apenas liminar - por sinal, questionabilíssima como aponta com precisão o Dr. Jairo Salvador da Defensoria Pública Estadual. Nesse sentido, a destruição das casas pela Prefeitura torna a situação ainda mais escandalosa.

Isso tem consequências gravíssimas. No atual impasse, possivelmente, alguns moradores irão para casas de parentes com o pouco que têm ou, sobretudo, para as ruas num processo lento e doloroso. Uma política de deixar morrer para atender ao sistema imobiliário que, caso aplicado universalmente, resultará em uma ebulição social insustentável. Se isso se tornar padrão - e pode acontecer, não tenham dúvidas -, o que se seguirá? Extermínio de fato?

Porque os abrigos da população do Pinheirinho são versões improvisadas de campos de concentração com seus burocratas, sua comida estragada e seu abarrotamento. A sensação de profunda impotência que se instala ao ouvir as queixas dos desabrigados - as crianças com piolho, o calor do abrigo, a senhora que tomou três tiros de bala de borracha - produz uma sensação horrível.

A viagem aos abrigos do Pinheirinho ainda me é uma experiência difícil de descrever. O processo de animalização da população e seu confinamento em contraste com sua resistência - suas histórias, as crianças brincando, a produção de diferença - cria um cenário doloroso e alentador :  o poder, por mais tentáculos que tenha, não consegue capturar a vida. Mas ela está sob (franco) ataque.

P.S.: O Tsavkko publicou a ata provisória do Condepe sobre as violações sofridas pelos moradores do Pinheirinho
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3 comentários:

  1. A indignação serve como grau zero das lutas. A indignação pode ser construída, o sofrimento pode conferir espessura, a pobreza pode instilar a revolta e o carnaval, e tudo isso junto pode se reconfigurar como trabalho da multidão. Ou pode não. É contingente. Quanto mais uma derrota for traduzida como depressão, caridade, pessimismo, mais o desejo se ressente, mais o desejo deixa de inscrever-se na produção. E aí é a organização da FALTA, que é o rendimento da soberania, transcendente como decisão sobre a situação de exceção (o vazio criminoso do poder, pois esvazia a vida) ou imanente como economia política capitalista (que forja a escassez e distribui a falta). Toda a questão está em reunir potência para torcer a vida para o seu sentido afirmativo, que transborda, o que às vezes clama por enorme força de caráter, virtú e mesmo riso trágico. Esses fundos do poço, essas noites cinzentas, isso exige uma cooperação indignada, trabalho da multidão, ou será o eterno retorno da derrota, que é o próprio impasse neurótico dos esquerdistas. A força de existir, o conatus que persevera malgré tout, precisa se apropriar do momento, do tempo desafortunado (sempre vazio e homogêneo) e ressignificar os acontecimentos numa memória. Memória da resistência. Pinheirinho tem que viver.

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