quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Em Defesa do Lulismo, Contra Russomanno

Embora tenha caído ligeiramente na última pesquisa Datafolha, se existe alguma novidade nesta corrida eleitoral paulistana, ela é Celso Russomanno, o ainda (e controverso) líder das intenções de voto do presente pleito. É uma novidade, mas digamos que não seja exatamente uma boa nova -- porque é fato novo, com personagens velhos, mas certamente não se trata de algo "bom". Russomanno rrata-se, sem dúvida, de uma figura peculiar que tem circulado nas últimas décadas por lugares tão curiosos quanto os bastidores do Palácio dos Bandeirantes na era Maluf -- onde logo depois de entrar, caiu nas graças do ex-governador e de aliados diletos seus --, a assessoria ocasional de Aureliano Chaves -- o vice do nosso último ditador-general, João Bapitsta Figueiredo --, programas de TV popularescos, o PSDB e, agora, o partido da Igreja Universal do Reino de Deus, o pequeno PRB -- se separando e reatando com o malufismo por diversas vezes no período.

Russomanno recebeu boas votações para os cargos que ocupou no Legislativo, nos quais teve atuação obscura e questionável -- a exemplo do que acontece com boa parte das minority celebrities brasileiras que se aventuram na política.  Apresenta-lo como telecandidato da fé, como fez a revista Piauí, em um bom perfil, não é incorreto, ainda que ele se trate de um fenômeno um tanto mais complexo do que isso: Russomanno vai de IURD hoje, à sombra do Lulismo -- com o qual ele se encontra, ironicamente, em uma batalha frontal --, de Maluf para além de Maluf -- o que é mais irônico ainda, uma vez que a maior polêmica do pleito atual foi a aliança entre PT e o PP malufista, mas é fato que a tradição malufista está em (e com) Russomanno, embora ele esteja rompido com o próprio em pessoa -- além de surfar em uma popularidade televisiva que está ancorada menos em tele-evangelismo e mais em programas policialescos -- como o Aqui-Agora -- ou em outros, poucos comportados, como o circuito night and day.

Dizer que se trata de uma candidatura de direita é uma obviedade, mas é curioso anotar como ele esteve com todos e com ninguém nos últimos anos -- algo que só é possível para quem é agudamente convicto de seu programa político, no caso, conservador --, passando por Maluf, o Tucanato e a base aliada do Lulismo. Depois de anos na berlinda, esperando quem sabe conquistar uma vaga de vice de alguém nesse pleito, Russomanno irrompeu agora: quase como um pequeno gêmeo maligno do Lulismo, ele o parasitou e agora se impõe, cordialmente, sobre suas pretensões. A explicação para isso não tem a ver com fé ou conservadorismo ostensivo: se Russomanno está em primeiro nesse pleito, para além da mídia corporativa e dos movimentos sociais, é porque sua retórica (supostamente) pró-consumidor finalmente atingiu, pelas condições históricas, um patamar de relevância que lhe permite estar onde está. 

A questão é: os pobres, os mesmos que assistiam aos seus programas durante a ditadura e a era FHC, agora consomem, não apenas por disporem de recursos para tanto, mas terem sido autorizado a fazê-lo. E ninguém sabe o que fazer com isso. Quando Russomanno fala em direitos do consumidor, ele se equipara a um gêmeo maligno do Lulismo porque se apropria da questão do consumo -- e do processo de sua expansão que aconteceu no governo de Lula e Haddad, afinal -- e a reduz regime dos direitos e das obrigações (o sistema das servidões); se Lula fez os pobres conseguirem consumir pela declaração de um estado de exceção à Lei mais óbvia e evidente da nossa sociedade, de que cada um deve saber o seu lugar, Russomanno faz o inverso, querendo trazer tudo de volta à regra. Tudo se torna uma questão ideal, a materialidade da questão, sua dimensão substancial e produtiva, é nublada pelo regime de direitos. Como se consumir (e produzir) fosse uma questão de ter um direito a, como se isso não fosse causado (ou cerceado como em FHC) por ações políticas bastante reais.

Nem a esquerda mais tacanha, que reclama do consumo a torto e a direito, realmente quer que os pobres não consumam. A questão dessa esquerda, cuja paixão pelo negativa a cega, não é uma deliberação anti-consumo dos mais pobres, mas uma relação problemática com o consumo no campo do inconsciente, pelo qual o consumir é associado à culpa. Mas nem o mais recalcado esquerdista defende medidas que, na prática, reduziriam o consumo -- embora, por conta disso, eles não saibam o que fazer com os pobres uma vez desejantes --,o que não livra seu discurso de assumir uma forma política desastrada: como dizer para os pobres não consumirem se eles precisam? Como dizer isso, se você mesmo é um consumidor (pois, como anota muito bem Homero Santiago, consumidor é sempre o outro)?  Certamente, isso não agrada muito.

Por outro lado, se Russomanno fala sem parar em consumo há tempos, embora de forma torta, sem perceber que seu público, ele mesmo, não podia consumir -- o que tornava pouco efetiva sua conversa --, é ele um dos maiores inimigos do consumo: foi e a ditadura militar, seus sucessores, ou mesmo o PSDB que tocaram políticas de arrocho cujo efeito, na prática, afastava boa parte dos pobres do consumo.Não resta dúvida que é Russomanno, ao desvincular o consumo da produção e do concreto por meio do argumento juridico, que é o maior inimigo do consumo, muito mais do que um PSOL e seus recalques discursivos em relação ao consumo: a produção é colocada em um plano ideal desvinculado da questão da produção.

Mas é ele, mais do que ninguém, que consegue perceber o momento histórico em que vivemos, que consegue compreender como é falso o antagonismo que a esquerda estabelece entre uma sociedade de direitos e uma sociedade de consumo: como se pudéssemos ser livres sem consumir (o que, afinal, produzimos), como se o direito não fosse ele mesmo escravizador -- e que vivêssemos em uma sociedade com tantos direitos que nos sobram -- e que uma sociedade de direitos implica, ela mesma, em uma sociedade de direito(s) do consumidor (o que não é bom).  O consumo, e o consumo do consumo, só são possíveis pela suspensão do funcionamento regular e da própria sociedade, mas a esquerda brasileira, em grande parte, continua a sonhar com uma sociedade de direitos que, nos termos exatos em que ela sonha, é impossível de se realizar: falamos de uma grande bola quadrada.
 
É besteira, portanto, associar o fenômeno Russomanno ao Lulismo ou à nova classe média como faz, por exemplo, Leonardo Sakamoto. É besteira pelo simples motivo de que, a bem da verdade, essa nova classe média é uma mera ideia, um projeto, nada empiricamente existente -- o que existe é o povão que melhorou de vida, devindo excedente, cuja decisão eleitoral determinou, diga-se de passagem, a derrota dos conservadores no último pleito nacional. É besteira, também, pois antes (ou mesmo) durante o governo Lula, a direita já venceu eleições em São Paulo, todas as vezes disputando contra o próprio PT (como agora), levando ao comando da cidade, inclusive, figuras pífias como Pitta e Kassab -- com os votos da classe média, aliás. É besteira, por fim, na media em que que se existe uma possibilidade de mudar o quadro atual, é o PT pela sua capacidade de se agenciar com esse mesmo povão, essa classe sem nome, ao contrário de, p.ex., o PSOL que corre o risco de não registrar nem 1% dos votos (isso é sério, ou melhor, é verdadeiro).

Se parte da esquerda continua a insistir que o consumo é um problema e que ascensão social no Brasil dos últimos anos é, necessariamente, conservadora, ela não está fazendo outra coisa senão jogar o povão para o colo da direita como ela não cansou de fazer ao longo da recente era democrática. Ela não será ouvida e se for, prejudicará bastante quem ela apoia. Foi precisamente esse pensamento tacanho que causou as três derrotas de Lula para a presidência -- o que se reverteu quando o próprio, em pessoa, parou de ouvir certos setores e, por mais problemática que tenha sido a Carta ao Povo Brasileiro em alguns aspectos, é isso que realmente importa nela. Curiosamente, é Lula, muito mais do que FHC, que está envolvido de corpo e alma na presente campanha eleitoral de Haddad, sendo mentor de uma candidatura em um campo de batalha duríssimo.  Porque o Lulismo -- não o Lula pessoa, ou pessoa política, mas o Lula evento -- apesar de seus problemas todos, foi o primeiro vez em nossa história no qual as coisas saíram (realmente) do lugar e, por isso, ele precisa ser defendido.

Hoje, defender esse Lulismo é (muito) mais defender a candidatura de Fernando Haddad do que racionalizar as políticas gerenciais de Dilma no plano federal -- muito menos fazê-lo acriticamente, como se vê aos borbotões. E não há ameaça maior para o Lulismo do que Russomano, justamente, pela maneira como ele se apropria do que aconteceu no Brasil nos últimos anos -- e tanto menos por ele estar em primeiro. Serra não é uma ameaça menor porque sua rejeição é alta e suas chances de se eleger -- ou mesmo de passar ao segundo turno -- são menores a cada dia, mas porque nenhum governo tucano é capaz de realmente afetar o Lulismo, pois todos eles o atacam de fora: a maior ameaça da Revolução Francesa -- e seu algoz, afinal -- foi a burguesia e não o velho regime, foi aquele que veio de dentro do seio revolucionário e o engoliu, não o que foi derrubado por ele. Nenhum eventual retorno ao absolutismo, como aconteceu em vários momentos no século 19º, foi capaz de deter a afirmação da ordem do capitalista. Do mesmo modo, dizemos que não é o velho PSDB, mas sim o novo-velho Russomanno, por dentro da base aliada, a ameaça real.


O que aconteceu neste país nos últimos anos foi revolucionário. E como toda Revolução, estamos diante sempre dos riscos da termidorização: de tal modo, as lições da França são bastante válidas; se a ignorância disso custou muito caro aos russos, não pode nos custar o mesmo. Não que na História se repita o mesmo, mas os padrões se repetem ainda que com seus desvios-padrão: é preciso escapar à fatalidade das transformações, constituir uma exceção à regra ao destino triste das revoluções, opondo a antropofagia à autofagia, devorar os inimigos em vez de se deixar devorar a si mesmo. Não é questão de nos tornarmos Lula (pessoa ou pessoa-política), mas sim de devir-Lula, o evento Lula, e escapar à sorte triste das revoluções e da nossa vida política.


11 comentários:

  1. Há uma longa linha de figuras de direita saídas de São Paulo e de certa forma quase sempre confinados a São Paulo: Ademar de Barros, Jânio Quadros, Paulo Maluf, Éneas, Russomano. Não acho, ao contrário de outras pessoas não-paulistas (como eu), que isso seja algo especificamente paulista. É um fenômeno brasileiro, ou latino-americano, essa classe média reacionária. Uma classe média, digamos, "velha", que acha que todo pobre é preguiçoso e que todo pobre é meio preto porque preto é preguiçoso e que todo preguiçoso é um bandido em potencial e que bandido bom é bandido morto. O nível de desenvolvimento econômico de São Paulo apenas deu à cidade e ao estado uma classe média bem mais "gorda" que a do resto do país. Dobre o PIB de Belo Horizonte, por exemplo, nos anos 70 e o inferno urbano de SP se reproduz nas Alterosas agora; dobre o PIB de Curitiba nos anos 70 e assista à ascenção irresistível de Ratinhos e Ratões ou coisa pior. A questão é: a "nova" classe média não tem que ser igual à velha classe média. Pode ser, mas não tem que ser. E nesse ponto concordo outra vez contigo, Hugo. Há que batalhar pelos corações e mentes dessa tal nova classe média, que não passa de uma nova classe trabalhadora que não vive com fome e com um pires na mão e não é analfabeta. Ela pode comprar um projeto conservador, mas não necessariamente, enfatizo.

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    1. Perfeito, Paulo. Eu creio que essa classe está aqui-agora em disputa. Abrir mão, como parte da esquerda está fazendo, é entregar o ouro ao bandido: quando FHC falou que agora era hora de esquecer o povão e pensar na classe média, ele discursava politicamente, não sociologicamente; ele dizia que era preciso capturar fazer dessa classe sem nome uma classe conservadora, termidorizar a revolução; quando Lula responde que a razão de ser do Brasil é o povão, todos aplaudiram, FHC ficou em má situação, mas Dilma falhou ao surgir com um discurso e uma prática que, na realidade, apenas acusam o golpe de FHC. Parece que ela não entendeu nada do que Lula disse e incorporou práticas recuadas que só colaboraram para essa captura da classe ascendente. A esquerda brasileira, por outro lado, está perdida. Ela prefere negar o consumo, a legitimidade política dessa classe, mas o que ela fará? Cortará os salários, não aceitará votos? Ainda me é tudo muito misterioso. O que uma esquerda que se pretende democrática e libertária precisa é se aliar com essa nova classe, trocar experiências, pontos de vistas, constituir coisas junto. Sem isso, quem ascende, tanto menos do que o PSDB, é um lumpenzinato político de partidos nanicos ou a esperteza (eleitoreira) de Eduardo Campos e nada mais.

      abraços

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    2. Estou lendo um artigo muito interessante sobre a candidata ao senado de Massachussets pelo partido democrata Elizabeth Warren, que tem tido muita repercussão porque é uma liberal americana que não se desculpa por isso e vai ao ataque contra os valores neo-liberais do partido republicano. O discurso dela é interessante neste caso porque ela fala do achatamento brutal da "classe média" americana. Mas quais são os exemplos? São todos trabalhadores sindicalizados de empresas como as automobilísticas que perderam tudo, inclusive os empregos, na corrida por "competitividade" que deu na desindustrialização americana. Ora, que classe média é essa, se não a classe trabalhadora devidamente organizada em sindicatos? A tal classe C não se trata de outra coisa: gente que trabalha com carteira assinada e melhorou suas condições de vida, entrando na massa de um mercado consumidor que é hoje a maior força da nossa economia.

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    3. Paulo, é bem por aí. Quando os autonomistas italianos -- ou filoitalianos -- falam do processo de exploração contemporâneo, eles identificam que há uma grande zona precarizada, que envolve uma classe média industrial dos tempos do fordismos que declinou junto com uma multidão de imigrantes, minorias e quetais que, não raro, se hostilizam, mas fazem parte da mesmíssima classe de precários, ou melhor, do mesmo precariado. No entanto, eu procuro ter um pouco de cuidado quanto a comparar as estruturas sociais americanas, ou mesmo europeias, com as do Brasil de hoje: era muito diferente, são muito diferentes. Entre outras coisas que poderia elencar, o Brasil foi último país do mundo ocidental a conservar a escravidão formal e manteve uma poderosa estrutura desigual de sociedade que, não por acaso, resistiu à dinâmica aguda do país, que se modificou bastante durante o século 20º, exceto no que diz respeito à lei geral do cada um saiba o seu lugar. Essa classe sem nome é assustadora, ela faz sacerdotes e deuses, esquerda e direita, caírem na real e pasmarem. Longe de ser coincidente, embora não seja causal, o Brasil muda quando a Europa e os EUA passam por essas mudanças radicais, mas corre o risco de ver a potência dessa transformação reduzido ao futurismo primeiro-mundista de nos fazer um país de classe média e, assim, alcançarmos a Europa e os EUA, quando a tendência deles é, precisamente, chegar a nós mesmos.

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  2. Russomano é a nova boa notícia

    As dificuldades da campanha de José Serra ficaram evidentes desde que o cenário eleitoral começou a definir-se. O histórico do candidato, os bastidores de sua “escolha” no PSDB, os índices de rejeição que o acompanham, as características dos públicos almejados pelos adversários e o anseio renovador do eleitorado anunciavam que o tucano teria uma tarefa quase impossível pela frente.
    A surpresa vem da intensidade com que os possíveis eleitores de Serra migraram para Celso Russomano e Fernando Haddad. Reagindo à tendência, o ex-governador terá de assumir uma postura negativa, de ataques pulverizados e apelativos, opção que raramente logra sucesso. A lógica aponta para uma polarização cada vez maior entre os pleiteantes do PRB e do PT rumo ao segundo turno.
    Nesse quadro, Haddad ganha uma vantagem que precisa ser habilmente explorada. A também previsível adesão de Marta Suplicy e os apoios de Lula e Dilma Rousseff dividirão os setores mais pobres e numerosos do eleitorado, que representam a grande força de Russomano. Nos outros recortes da pirâmide social, porém, o líder das pesquisas deve atrair antipatia ainda maior que a do petista. Os atuais esforços desmoralizadores da imprensa tucana e a futura exposição das propagandas obrigatórias ajudarão a afastar as classes médias e altas de Russomano, identificando-as ao perfil menos controverso de Haddad.
    O voto útil desses segmentos terá, portanto, um papel decisivo na reta final da disputa. Para conquistá-lo, Haddad precisa antagonizar frontalmente com Russomano, buscando um discurso alinhado aos temas que sensibilizam o eleitorado serrista (religião, experiência, linhagem partidária, etc). Ao mesmo tempo, deve se esquivar da proverbial agressividade que norteará os últimos esforços de Serra, atingindo-o apenas indiretamente, através de suas ligações com a impopular administração Gilberto Kassab.
    A estratégia demanda paciência e cautela, principalmente se os grandes institutos de pesquisa recorrerem às conhecidas manipulações para ocultar o verdadeiro grau da derrocada tucana. Soa temerário, mas não deixa de sinalizar perspectivas inesperadas para uma campanha que muitos já consideraram perdida.

    http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br

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    1. Guilherme, entendo, mas, ao meu ver, Russomano é um problema tanto para Serra quanto para Haddad -- isso sem falar que sua presença praticamente implodiu a candidatura Chalita. Se ele ajudou Serra a afundar mais ainda -- e passar ou não para o segundo turno não é a questão, já que ganhar ele dificilmente vai --, por outro lado, ele quebrou uma parte relevante da estratégia de Haddad, ao se apoderar de um eleitorado que, afinal, era ou é do PT. Diante disso, pela taxa de rejeição, pelo programa e pelo potencial de crescimento, Haddad torna-se a única opção para bater Russomano no pleito -- isso é algo que, nesse quadro, não é pouco, mas só existe pela dianteira do candidato do PRB.

      abraços

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  3. Acredito que o apelo que Russomano tem com seu discurso de direitos do consumidor, e o que ele chama em seus programas de "direitos do consumidor de serviços públicos" atinge em cheio essa nova classe sem nome por uma mudança dos anseios e necessidades da maioria da população, quem realmente decides os pleitos.
    Os votos sempre são dados àqueles candidatos que convencem essa classe de que suprirão as suas necessidades. Antes, essas necessidades eram o anseio por oportunidade, acesso ao modo de vida de classe média, a bens de consumo, á universidade, etc. Com a ascensão social registrada nos últimos anos, essas necessidades vem sendo paulatinamente supridas. As necessidades mudam. Aqueles que já conquistaram essas oportunidades e acessos querem mais, agora que obtem estes serviços passam a exigir a sua eficiência. É esse o discurso de Russonamo e é esse o discurso que impacta essa população.
    A rejeição de Serra mais por seu desgaste material que pelas propostas, o desconhecimento de Haddad, além do cansaço da polarização PT-PSDB com anseios por uma terceira via são os fatores que se somam e completam o quadro da liderança de Russomano nas pesquisas.

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    1. Sim, Nuno, ou pelo menos até a página 2. Porque necessidades se criam -- se não em um caráter substancial, quem sabe em um aspecto de modo, isto é, eu posso não prescindir de pão, mas a maneira que eu vou consumir é outra conversa, preciso todo dia? Com mais ou menos bromato? É em cima disso que Russomano cresce. Um discurso vazio sobre o consumo que alude à sua própria captura no curto prazo. Coisa que o PSDB não parece ser capaz de acompanhar pelo seu ressentimento crônico pelas últimas derrotas presidenciais. Coisa que o PT, aliás, perdeu um pouco a oportunidade de fazer, embora ainda esteja em tempo. Coisa que a esquerda não petista surta só em pensar de considerar: as pessoas desejam consumir.

      abração

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  4. Hugo, excelente texto!

    Só não compreendi uma passagem dele em que você afirma ser falso o antagonismo entre sociedade de direitos e sociedade de consumo. Até aí, é mais ou menos razoável pensar que existe relativa autonomia entre direito e economia, apesar de suas mutuas implicações, correto? Não ficou claro para mim, dentro do encadeamento que você fez, por quê o direito é escravizador. A ameaça ao lulismo não seria justamente a equiparação, nesse caso hipostática, entre consumo do consumo e cidadania? Que a esquerda se confunde em relação ao consumo, concordo, mas não seria justamente o nosso precário capitalismo de estado e nossos pífios serviços públicos somados a essa falsa associação que estaria ou está em vias de bloquear os potenciais emancipatórios, se é possível falar, do Lulismo? Consumir não é participar da vida política, ainda que seja essencial. Como o Direito, nesse contexto, escraviza? Não foi ele um dos instrumentos de combate à lei do cada um sabe o seu lugar?
    Abraço,

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    1. Obrigado, Mário. Bem, o Direito é escravizador porque toda relação jurídica, da mais simples até a mais complicada, se estrutura em alguém que pode algo porque alguém está obrigado a lhe garantir, proporcional ou não impedir que ele chegue a tanto. Direito e servidão andam lado a lado. Não que o uso de sua simbologia, em caráter tático, não seja válido. É isso que a esquerda não considera quando fala em sociedade de direitos -- embora para haver uma sociedade, por si só, é preciso considerar uma premissa de uma organização jurídica prévia -- e sociedade de consumo. Como se fosse ou a cidadania -- ideal, translúcida -- ou o consumo -- sujo, feio. Toda sociedade, mesmo a política por força da constituição -- que é não tem uma forma contratual à toa --, é de direitos, nem o consumo se opõe ao direito sob a ótica de que o primeiro é mau e o terceiro é bom -- em outras palavras, opõe-se consumo a direitos no sentido de defender o controle sobre o desejo [de consumir], e como se o consumo pudesse ser livre e saudável em uma estrutura social. E o direito, a forma jurídica, está longe de ter sido a causa do que vimos nos últimos anos, mas um dos meios pelos quais isso se manifestou -- do mesmo jeito que não foi o direito ele mesmo a causa para a Casa Grande/Senzala, o buraco é mais embaixo.

      abraço


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  5. Agora saquei! Valeu! Meu ponto é: o Direito, na sua avaliação, parece ter natureza dupla: é, por essência, escravizador pois estabelece relações de poder ou servidão entre os homens, mas também é um instrumento ou pode ser a manifestação de mudanças estruturais emancipatórias, reflexos delas e de certo modo, estabilizando-as, não?
    As razões pelas quais certas políticas ou decisões econômicas se transformaram em garantias jurídicas também podem fazer parte de uma ciência jurídica crítica... Mas talvez isso seja assunto para um outro post!
    Abraço e parabéns pelo blog, acompanho com assiduidade seus textos!

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