Café Terraço à noite -- Van Gogh |
Buzinas prepotentes, gargalhadas
ébrias, violão assanhado. Sonhava durante toda a adolescência em me enraizar
nessa dinâmica efervescente, paisagem colorida por todos meus sentidos infantis.
Me escondia nas próprias certezas
incertas, à espera de um prazer que só se revelaria inatingível com os
dissabores dos anos posteriores.
Depressão? Não sabia que
amadurecimento tinha esse nome. Quanto mais fantasias se tornam fantasiosas, os momentos de alegria
viram mais reais. Consigo tocá-los com as mãos, ao recordá-los enquanto deitada
no recanto de meu quarto. Sapateiam sobre meu peito, quando corro por cima do
concreto paulistano na segunda-feira. Fecham meus olhos, gentilmente,
quando a rotina decide me golpear.
Álbuns velhos...Fotos
indesejáveis... Memórias espalhadas pela rua, pelo bairro, pela cidade. Nem
tive o trabalho de varrê-las para longe. Brotaram-se sorrisos, expelindo-as dos meus sonhos
durante madrugadas egoístas. Parece que nasci para vê-las morrerem. Quão sublime se tornaram os dias
singelos. Conversas sobre livros favoritos, poemas, histórias de infância,
amarguinho de café, lágrimas delicadas, almoços em um quilo, Yakisobas da
liberdade, melodias esfuziantes, trilhas na Paulista, expedições no centro,
cinemas de rua, pequenas grandes vitórias,
grandes pequenos fracassos.
Finalmente, a vista daquele mar
de edifícios art decó desnudou sua beleza mediante meus olhos tímidos. A
saudade de um passado inexistente foi substituída pela melancolia, devido à possibilidade
do futuro desvirtuar o presente. Saudades de um presente concreto, digno de um tema para um romance de Clarice Lispector.
Deficiente, se comparado com uma idealização vitoriana sobre a vida. A fumaça , abraçada com uma névoa tênue,
embala a cidade ao anoitecer. Escura, gelada... Incomoda. Mas só o faz por que
se pode senti-la. Faz o menino vestir o moletom ao retornar da escola, louco
para assistir ao desenho de final da tarde enquanto janta, a contragosto da
mãe. Faz o casal urbano relembrar, por algumas horas, que amam mais um ao outro do que o trabalho.
Sentir, tocar, acariciar, cantar, rir, chorar,
soluçar, suspirar, berrar, correr, beijar,
brigar, estudar, trabalhar, escrever, recitar...
Respirar o imperfeito...
Perfeito.
Isabella Martinho Eid
Isabella, peço desculpas pois serei breve em meu comentário. Mas só deixarei minha usual prolixidade pois só posso dizer que diante destas suas palavras, sublime é o adjetivo que mais justiça faz a elas.
ResponderExcluirMuito obrigada pelas gentis palavras, Nuno!
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