Há um ano atrás, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva estava diagnosticado com um câncer cuja recuperação, ainda que possível, despertava dúvidas e sérias preocupações. Hoje, ele conseguiu não apenas se recuperar como fez seu partido sair-se vitorioso nas recentes eleições municipais, mesmo sob forte bombardeio midiático: o PT está na mira por conta do julgamento do Mensalão, cujo transcurso se deu, dificilmente por coincidência, durante o curso da última campanha eleitoral com uma inclemente cobertura da mídia (sobretudo televisiva).
Ironias do destino ou não, mas os dirigentes petistas implicados no processo, alguns deles até inocentados, teriam incidido em um esquema que dirigentes do PSDB teriam iniciado, sendo a inversão cronológica dos julgamentos, curiosa -- tanto quanto o seu agora desaparecimento das telas da TV, uma vez seladas as urnas. A mudança radical na jurisprudência vista no processo, o espetaculosismo e o uso e abuso da famigerada teoria do domínio do fato, cuja origem remonta ao fascismo, e na prática permite a condenação de réus sem provas -- pela suposta influência que eles teriam em não produzir provas --, além de inversões claras do função da prova no processo penal (e embora eu discorde de certos pontos do artigo linkado, do ponto de vista jurídico estrito, sua denúncia é importante).
Mesmo assim, após os escrutínios, será o PT o partido a governar a maior população, a administrar a maior verba e que teve mais votos no primeiro turno: ele ainda seguiu sua tendência histórica de ampliar o número de prefeituras e estará na liderança, direta e indiretamente, das duas principais metrópoles do Brasil. A região metropolitana de São Paulo estará nas mãos do PT. Sem Lula, no atual momento, possivelmente a situação do PT seria outra, mas o fato dele manter o petismo vivo, dá as bases para que o próprio partido se confronte internamente pelos espólios do pós-mensalão, como está claro que está a ocorrer -- vide este artigo de Tarso Genro e a demora para a entrega do manifesto petista sobre o julgamento do mensalão.
A maior ameaça ao PT veio da sua própria base. O PSB foi a legenda que mais cresceu no país e, embora, seja aliado histórico do PT, terminou por estar mais do lado oposto do front do que ao lado dele -- ironias do destino, São Paulo foi uma das raras cidades nas quais o PSB esteve com o governo federal e o PSD esteve contra.
O quadro atual é paradoxal: enquanto o PT avança eleitoralmente, em um cenário altamente pulverizado, por outro lado, a atuação do STF deixou um belo estrago no seu núcleo dirigente -- o que, em termos de política, é muito mais ensejo de disputa para uma nova composição interna, dada a nova correlação de forças, do que para maiores lamentos. Há uma tensão de forças intrapetismo e sobre o petismo ao passo que o PSDB, apesar de algumas vitórias, definha nos centros estratégicos -- e só não se deu mal onde esteve coligado com o PSB, sob a chefia do primeiro.
Ainda estamos sob o regime do estado de coisas decorrente do evento Lula: por inércia, mas ao passo que ele atinge seu extremo, pela moderação do discurso e radicalização da prática, uma nova janela se abre para o imponderável, em relação à qual nos resta a intuição frente ao movimento da roda da fortuna. Sim, aqui Lula fez o impossível, em toda sua complexidade: chutou uma bola do meio-campo e fez o gol. Mas o jogo segue.
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