segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Há Genocídio da População Negra no Brasil?

Eu afirmaria, antecipando aqui a conclusão, que sim e isso se dá na forma de reação social difusa, desorganizada e velada contra a ascensão dos negros, elemento constituinte da ascensão selvagem da classe sem nome: sim, os negros são um elemento fundamental dos pobres; se nem todo brasileiro pobre é negro, é certo que poucos negros brasileiros não sejam pobres. Se os pobres devêm-excedente no Brasil de hoje, isso significa que os estão englobados nesse processo. 

A dimensão da exploração socioeconômica no Brasil não se resume ao racismo contra os negros, mas tem nele um de seus fatores mais relevantes. Pesquisas recentes apontam que os ganhos dos negros aumentaram em 123% durante o governo Lula, o que resulta em uma marca impressionante de crescimento de mais 15% ao ano. Por outro lado, a taxa de homicídio entre os negros aumentou em 29,8% entre 2002 e 2010, enquanto caiu em 25,5% entre os brancos no mesmo período.   

Em resumo, os negros são, hoje, mais importantes economicamente, ganham espaço na publicidade  e na mídia mas, ao mesmo tempo, são alvos mais acentuados da violência homicida. Esse aparente paradoxo é explicável. Não há política oficial, de Estado ou de grupos não estatais, de eliminação dos negros, e há, a bem da verdade, muito pouco de política marginal de eliminação dos negros. Mas há uma reação social. Não tem o mesmo peso, sobretudo para as polícias, matar um negro e matar um branco, seja na eventual ação homicida ou na constatação da morte.

O fato de ter aumentado o abismo da proporção de negros assassinados frente aos brancos que tiveram o mesmo fim, aliás, aponta que um fenômeno perturbador está em jogo. Sobretudo porque o sentimento geral é de que não estamos diante de nada incomum, ou pelo menos nada incomum em relação situação histórica de violência contra os negros, mas estamos porque agora mesmo os negros são mais matáveis do que já eram em relação aos brancos.

É também prova de que qualquer economicismo no trato da questão do racismo, inclusive aquele que fundamenta a defesa das cotas "sociais" em detrimento de cotas "raciais", é falso. Existe sim uma autonomia entre o racismo e as condições financeiras da população negra e, é claro, não serão medidas que garantam o incremento de renda dos negros que, apenas por elas, diminuirão a situação como o negro é percebido socialmente.

A situação que já era grave em 2002, quando havia 1,64 negro assassinado para cada branco em 2002, tornou-se agora gravíssima com a cifra passando para 2,32 negros mortos para cada branco morto em 2010. Como Foucault dizia, o racismo importa num dispositivo fortíssimo que em último caso diz respeito à decisão sobre quem vive e quem morre -- numa sociedade pós-fordista e pós-pós, um fenômeno social difuso, não raro, importa mais do que uma política deliberada de Estado em uma direção genocida.

É verdade que não há como pensar na questão do negro deslocada da sua posição no sistema de produção, mas é preciso considerar que "produção" implica em muito mais do que produção de bens e serviços, mas também de subjetividades: o racismo, portanto, entra nessa história de forma autônoma à ascensão financeira do negro, embora se relacionem em algum grau. 

O acirramento do terror de uma maneira velada, indolor e silenciosa em relação à condição da negritude é uma interdição horrível que se abate sobre o inconsciente comum; seus efeitos nefastos servem para a não resolução da nossa relação mal resolvida, para dizer o mínimo, com nossa africanidade constitutiva. Mais do que nunca é preciso organização e mobilização para vencer esse genocídio branco.




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