Além de bem escrito, Birdman é muito bem dirigido e tem excelentes atuações -- de Edward Norton mais até do que Michael Keaton, embora sem o último o filme não pudesse existir.
Keaton faz Riggan Thomson, um ator famoso pelos filmes de super-herói da série "Birdman", da qual ele desistiu de dar continuidade não sem ficar mortalmente identificado com o personagem. Agora, ele espera realizar uma continuidade "séria" para a carreira, realizando uma peça na Broadway na qual ele também atua.
Nada disso importa para o público, seu agente, sua filha ou seus companheiros de teatro: ninguém imagina que o velho astro é um maníaco depressivo, todos o julgam a partir da imagem vitoriosa que ele construiu de si mesmo -- ou no máximo alguém o julga por não ser o que parece.
Enquanto isso, o público só quer tirar fotos com o "Birdman" e a crítica teatral aguarda o dia da estreia da peça para destruí-la, numa ação para salvar a Broadway das celebridades que ousam brincar de atores "de verdade".
Thomson quebra a cabeça para acertar a peça na qual apostou tudo mas que, no entanto, ruma para o fracasso. Em meio aos seus delírios, e a obsessão em realizar sua obra, Thomson ganha o reforço de Mike Shiner (Norton) para o elenco, um ator de teatro louco e brilhante que resolve a peça, mas traz mil outros problemas para a trupe.
A trama se desenrola num misto de imaginação e realidade, no qual a realização da peça passa a cruzar as fronteiras da ficção -- assim como os delírios de Keaton/Thomson.
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Enfim, Birdman é uma conversa que está para além de "uma fábula sobre o fracasso" ou de "um confronto da arte verdadeira contra sua versão farisaica, o entretenimento de massa". É uma tragicomédia sobre uma época na qual nos convertemos em personagens públicas perfeitas, superestimadas e infalíveis -- mas não só: nós convencemos os outros dessa insanidade.
De um jeito ou de outro, nos tornamos escravos do personagem que fizemos de nós mesmos: somos odiados ou amados por conta da máscara triunfante e gloriosa, nunca por aquilo que está abaixo e além dela.
Quem supõe conhecer a verdade decadente da nossa vida privada, o faz do mesmo modo, às avessas: somos fracassados egoístas, pois descobrir que não somos perfeitos nos converte em farsantes, jamais em humanos.
É como Shiner/Norton que perde a namorada ao dizer que queria transar, de verdade, com ela no palco numa cena de sexo. Ela, que se sentia preterida por ele há meses, o rejeita sobretudo por julgar aquilo uma brincadeira jocosa dele. Se ela pudesse imaginar que ele realmente é impotente fora dos palcos...
Thomson/Keaton, que tampouco é entendido, mas não entende sua companheira atual enquanto reivindica amor e compreensão. Ou seus constantes delírios, quando ele imagina o Birdman falando na sua cabeça, ou ele próprio, com os poderes do seu ex-personagem, "fazendo as coisas acontecerem" na vida real.
Todos queremos ser amados, mas não correspondemos ninguém na medida que desejamos ser correspondidos. Seríamos calhordas se conseguíssemos ser o que aparentamos, mas estamos além e aquém disso, somos humanos.
A figura do super-herói a qual Iñarritu recorre não é bem um super-herói. O tipo sobre o qual Birdman fala talvez seja apresentado assim para expressar o gigantismo como nosso alter-ego se perfaz hoje em dia, mas o filme, na verdade, fala de monstros: criaturas fora de qualquer métrica real que, no fim das contas, se movem pela carência; imploramos para ser amados como diz Thomson no palco (e na vida real).
O que nos resta é uma dor solitária, incomunicável, que nos deixa sozinhos com nossos demônios internos -- numa jornada rumo a uma incontornável decadência. A nossa máscara não permite que as pessoas sequer percebam o quanto vamos mal.
Na era das redes sociais, da necessidade de "ser" feliz, bonito e bem-sucedido, o que nos resta é um triunfo fracassante. Um glória tal que nos desertifica subjetivamente. Fingimos um força sobre-humana que só serve para impedir o nosso resgate, afinal, nós não precisamos, não é mesmo?
Na era das redes sociais, da necessidade de "ser" feliz, bonito e bem-sucedido, o que nos resta é um triunfo fracassante. Um glória tal que nos desertifica subjetivamente. Fingimos um força sobre-humana que só serve para impedir o nosso resgate, afinal, nós não precisamos, não é mesmo?
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