É
com axé, modupé e agô que se deve receber a notícia de uma
exposição da obra fotografia de Pierre Verger focando o caráter
homoerótico de sua lente
– urgia tirar o Babalaô de Orunmilá do armário! Não que o
Ifá-Tumbi alguma vez tenha sido encubado; nem era do desconhecimento
geral que ele nunca casou e sempre viveu sozinho, em parte por sua
vida ao mesmo tempo nômade e monástica (dedicada ao triplo credo do
jogo sagrado das sementes de mafulo, da Rolleiflex e do diário de
campo etnográfico), mas porque discretamente preferia rapazes.
O
problema está em que uma mostra como esta, em São Paulo, reduza
Verger a um “fotógrafo gay” – o que ele não era; Verger está
sempre além disso, e é muitos, muitas outras coisas: tão francês
quanto baiano, tão negro quanto branco, tão ateu quanto sacerdote
de Exú, tão fotógrafo quanto etnólogo, tão historiador econômico
quanto rapsodo
poético infantil,
jardineiro
e cozinheiro.
Homossexual sim, mas não “no sentido de vocês” (como dizia Jean
Genet) – e sobretudo não apenas nem primeiro.
Como
tal mostra também pode reduzir Verger a um fotógrafo de temática
afro-brasileira – quando sua fase anterior, na Polinésia, já o
colocaria ao lado de Nadar, Cartier-Bresson, Man Ray e Mapplethorpe.
Ou
como apenas um retratista de rostos e pessoas, quando suas cenas e
paisagens também são de tirar o fôlego, como na cena abaixo, do
içamento de velas de saveiros da rampa do antigo Mercado Modelo em
Salvador, quase um Turner de cabotagem.
Por
outro lado, corre-se sempre o risco de reduzi-lo a condição de
repórter fotográfico (tal qual como quando se o coloca na posição
de “etnógrafo”, o braço-de-campo de Roger Bastide – “este
sim, um antropólogo, teorizador!” – e esquece-se que sua grande
obra em prosa é um estudo da economia política transatlântica dos
anos de abolição da escravatura: Fluxo
& Refluxo do Tráfico Negreiro entre O Golfo do Benin e a Baía
de Todos os Santos),
quando sua obra tem óbvia concepção estética, a exemplo da foto
do rosto deste vaqueiro em Feira de Santana, onde o traço desenhado
pela sombra do chapéu é crucial para criar um efeito erótico e
cubista na disparidade do olhar de cada olho do retratado.
Verger
sempre está lá onde não se espera que ele esteja, e já não está
onde se o mira, na semovência sofisticada dos raros filhos de
Exú-Elegbó.
Que
mais esta face de Verger seja explicitada no ano em que a
obra de Mario de Andrade entra em domínio público,
aláfia! Mario, mais do que Oswald, foi o grande consolidador e
propagador do Modernismo no Brasil; Oswald, que muito viajou para
fora, foi bem mais estático do que Mario; Mario, sem nunca ter
pisado fora do país, nunca deixou de vaguear nômade.
E,
não da mesma forma de Verger, é preciso tirar também Mario de
Andrade do armário – coisa já em parte feita por João
Silvério Trevisan no seu monumental Devassos No Paraíso
– não apenas no tocante a sua subjetividade privada (esta sim,
ainda carola e burguesa, bastante encubada), mas também numa leitura
de sua obra neste sentido. Por exemplo: poucas vezes se aponta que um
dos males que o amor de Fraulein Helga visa previnir em Carlinhos é
uma possível homossexualidade; reconhecendo isso, o Brasil terá
feito um dos primeiros, e melhores, romances não sobre a
homossexualidade, mas sobre o temor da mesma (homofobia
no sentido radical do termo que nada tem a ver com a bradação da
militância que eu chamo de Viadagem Institucional).
Fazer
Mário de Andrade voltar a ser, de fato, como Verger, 300, 350.
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