A questão do impacto da Crise Mundial na China já foi debatida neste blog há algum tempo. Basicamente, os recentes acontecimentos na economia mundial, principalmente aqueles que tocam a economia americana, trazem à baila a necessidade do país se voltar para dentro - o que fatalmente se materializaria em alguns anos, mas foi adiantado por conta da conjuntura. O modelo econômico pós-78 que consagrou o Socialismo de Mercado que dependia da associação da economia chinesa com o capital privado externo para criar um modelo industrial exportador - e assim se viabilizar - está chegando próximo ao seu esgotamento.
A burocracia "comunista" protagonizou nos últimos trinta anos um dos mais brutais avanços capitalistas da história da humanidade, marcado por uma violenta exploração do Trabalho pelo Capital expressa, por sua vez, numa violenta e crescente concentração de renda. A China, na nova divisão internacional do trabalho, se tornou o bairro industrial do mundo, num momento em que as nações centrais capitalistas se desindustrializam; é para lá que vão as matérias-primas de país latino-americanos, africanos e asiáticos para serem processados e exportados para EUA, UE e Japão - e o que sobrar, para o resto.
A China passou a ser uma espécie de fígado do mundo. Também fez com que o país tivesse um formidável crescimento econômico que, no entanto, se concentrou nas mãos da burocracia que manteve e mantêm a classe trabalhadora sob regime de trabalhos praticamente forçados, dando-lhe algumas concessões para manter a Hegemonia. Graças ao braço forte da estrutura militar-policialesca de sempre conjugada com a alienação em relação à produção causada pelo fato da produção estar apenas em curso pelo país - o que faz com que os trabalhadores não tenham uma ideia exata do valor do quanto realmente produzem -, o sistema se manteve com abalos relativamente pequenos. O fato é que até o momento a conjugação de controle estatal com algum desenvolvimento material pareceu compensar para o povo a desigualdade social e os problemas ambientais - o que, convenhamos, não é incomum para nós ocidentais, no entanto, a distância da cultura chinesa para a nossa nos permite ver com mais clareza esse processo.
O país, portanto, cumpriu sua função econômica para o triunfante capitalismo global com certo êxito; exportou deflação via produtos de baixo custo e ainda por cima usou parte dos seus excedentes obtidos para financiar os déficits americano, permitindo que aquele país vivesse muito além de suas capacidades produtivas. Isso acabou porque Bush conseguiu adiantar o esgotamento do modelo americano com seus erros geoestratégicos; os déficits americanos se tornaram infinanciáveis e o dólar deu sinais de fraqueza, o que afetou diretamente a China, queimando o valor real de suas reservas e provocando inflação graças a indexação cambial. Dessa forma, as recentes medidas de fortalecimento do mercado interno deverão, obrigatoriamente, sofrer aprofundamento.
No momento em que isso acontece, a verdade sobre a organização política vem à tona; para além da questão social, surge a questão étnica, afinal, estamos falando de um país profundamente heterogêneo etnicamente, um verdadeiro Império mantido graças a mão forte de um poder central que para além de se confundir com um Partido Hegemônico, também se confunde com uma etnia, o povo do norte. Tal como o Império Romano, a China tem seus cidadãos (os membros do partido), seus escravos (operários e camponeses) e seus bárbaros (os outros, como o mapa acima prova, dentre eles os uighurs). Mesmo que mais de 90% da população chinesa seja da etnia Han, ela tem sua divisões internas e rivalidade internas, afinal, não há como esperar que um grupo com mais de um bilhão de integrantes seja homogêneo culturalmente.
Os protestos do povo uighur, uma etnia altaica que reside no noroeste chinês - a área mais rica em petróleo do país -, é um retrato tanto da exclusão social que há na China contemporânea quanto da questão étnica que enfraquece o país enquanto Estado. Quando se vê um Estado reagindo com tamanha violência em relação a protestos populares, significa que a Hegemonia está em risco, afinal, quanto mais força é usada para valer determinações significa que a legitimidade do poder central para normatizar está enfraquecida.
A China vive uma situação de crise, o que, por definição, é uma situação ambígua: ao mesmo tempo em que a conjuntura mundial cria condições para que ela finalmente se construa para dentro e se efetive enquanto país, o que o conduzirá inexoravelmente para grandes mudanças políticas, por outro lado, existe o risco da burocracia jogar tudo no ralo, como aconteceu em vários momentos da história chinesa onde as elites governantes preferiram perder os dedos a ceder os anéis. Veremos. Eu ainda continuo acreditando em uma saída razoável no médio prazo.
post atualizado em 11/07/09 às 02:32
Excelente análise, Hugo!
ResponderExcluirObrigado, Raphael.
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